Criado em 2002 por meio
do Estatuto de Roma e estabelecido em Haia, na Holanda, o TPI (Tribunal Penal
Internacional) já indiciou 25 pessoas até hoje. Dessas, 13 são oficialmente
fugitivas. Diferentemente do que a palavra sugere, porém, elas não estão se escondendo
ou fugindo das autoridades. Algumas inclusive ocupam altos e visíveis cargos
nos governos de seus países. É o caso do atual presidente do Sudão, Omar Hassan
Ahmad al-Bashir, e de seu ministro da Defesa, Abdel Rahim Hussein.
Também
são acusados pelo TPI o líder recém-eleito do Quênia, Uhuru Kenyatta, que
assumiu o cargo em abril de 2013, e seu vice-presidente, William Ruto, cujo
julgamento foi iniciado nesta terça-feira (28/05). Caso decidam não colaborar
com a justiça e se ausentarem das sessões do tribunal, esses líderes se somarão
à lista de foragidos.
O historiador
dinamarquês Christian Nielsen, que já trabalhou no TPI, no ICTY (Tribunal
Criminal Internacional para a ex-Iugoslávia) e no Tribunal para o Líbano,
acredita que o tribunal tem sido ineficaz em processar criminosos e efetuar
suas prisões. "Se compararmos o TPI com o ICTY, que já julgou dezenas de
pessoas, o TPI não parece nada bem. Na verdade, parece bem ruim". Nielsen
ressalta que, desde que o tribunal foi criado, apenas uma pessoa foi condenada.
Acusado de violações em
massa dos direitos humanos, incluindo massacres étnicos, assassinato, tortura,
estupro e recrutamento forçado de crianças como soldados, Thomas Lubanga,
ex-comandante militar e ministro da Defesa da República Democrática do Congo,
foi condenado a 14 anos de prisão em julho do ano passado. "Mesmo que
Lubanga já tenha sido condenado, ainda há um recurso da defesa a ser
julgado", afirma Nielsen, destacando que a sentença ainda pode ser revista.
Já para o jurista Martin
Mennecke, vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Copenhague e
professor visitante no TPI, é errado culpar apenas o tribunal por não conseguir
efetuar seus mandados de prisão. “O TPI foi criado para investigar e processar.
De acordo com o Estatuto de Roma (que estabeleceu o tribunal), cabe aos Estados
membros prender os indivíduos acusados”, alerta. Esse Estatuto, no entanto, só
foi ratificado até hoje por 122 países: Estados Unidos, Rússia, Israel ou
Sudão, por exemplo, optaram por não fazê-lo.
Líderes acusados
Desde julho de 2008,
Omar al-Bashir é procurado pelo TPI. O presidente do Sudão foi indiciado por
genocídio, crimes contra a humanidade e de guerra cometidos em Darfur desde
2003. No entanto, o fato de ser procurado pela justiça não o impediu de manter
o cargo de presidente do país, posto ocupado desde 1989. O fato de Al-Bashir
ser acusado pelo TPI, no entanto, gerou inconvenientes para a presidência. Sua
mobilidade, por exemplo, está bastante limitada para quem deve representar uma
nação. "Al Bashir só pode viajar a, no máximo, 5 ou 6 países. Ele não pode
ir para a Europa, América Latina, nem aos Estados Unidos, por exemplo, ou corre
o risco de ser preso pelas polícias locais que colaboram com o tribunal”, diz o
jurista.
Apesar
de seu apoio ao presidente, Njogu defende que ele respeite a lei e seja julgado
pelo tribunal. A estudante acredita que o líder será absolvido. "A prisão
(do presidente) é uma possibilidade e isso angustia a todos os quenianos,
porque cria novos desafios para o nosso país e para a sua liderança". Ela
acrescenta que "se ele for considerado culpado, se tornará um mau líder e
um mau exemplo para as pessoas." Mesmo assim, não se arrependeria do voto
favorável ao líder do Quênia. "Quando votei nele eu sabia que sua
condenação era possível, assim como o sabiam outros 5 milhões de pessoas que
votaram em Kenyatta e no seu vice".
Os eleitores do
presidente de 51 anos representaram 50,07% do total de votos nas eleições de
2013. Adversário de Kenyatta, Raila Odinga obteve 43,31% e questionou o
resultado do pleito no judiciário local, alegando que o processo eleitoral foi
falho e marcado por problemas técnicos. A Suprema Corte, porém, confirmou a
vitória de Kenyatta, alegando ter sido uma eleição livre e justa e acabando com
as alegações da oposição.
A jornalista queniana
Michelle Mulemi, atualmente na Dinamarca, é uma das opositoras ao novo
presidente. Ela argumenta que a candidatura de Kenyatta jamais poderia ter sido
aprovada enquanto ele não houvesse provado sua inocência. "Isso faz dele
um mau exemplo, especialmente para jovens líderes", afirma. Mulemi
acrescenta que o simples fato de Kenyatta ter sido autorizado a participar das
eleições já é um sinal de um sistema judiciário fraco no Quênia. "Ter sido
indiciado mancha sua credibilidade", explica.
Kony 2012
Apesar de nunca ter
ocupado um cargo de influência no governo, um dos fugitivos do tribunal se
tornou ainda mais famoso que os líderes já mencionados. Um vídeo viral da ONG
norte-americana Invisible Children popularizou a figura de Joseph Kony, chefe
do Exército de Resistência do Senhor (LRA na sigla em inglês), um grupo de
guerrilheiros que costumava operar em Uganda e que atualmente atua na República
Centro-africana, Congo e Sudão do Sul.
Apesar de a limitação
não se aplicar ainda ao presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta, e a seu vice,
William Ruto, eles correm sérios riscos de ser verem forçados a realizar apenas
viagens domésticas. Kenyatta e Ruto são acusados por crimes contra a
humanidade, incluindo assassinato, deportação forçada, perseguição e outros
atos relacionados à onda de violência que se seguiu às eleições de 2007, que
deixou mais de 1,2 mil mortos e 600 mil desabrigados. Ruto encontra-se neste
momento em Haia para assistir seu julgamento que aconteceu na última
terça-feira (28).
Joseph
Kony é procurado desde 2005, quando o TPI emitiu um mandado de prisão contra
ele e outros membros do LRA por crimes de guerra e contra a humanidade. O chefe
da guerrilha e seus seguidores são acusados de sequestrar, torturar, estuprar e
matar milhares de pessoas, ao longo de cerca de 30 anos. "De modo geral, o
vídeo foi positivo para o TPI ganhar visibilidade. Porém, Kony ainda está à
solta", lamenta o historiador Nielsen.
Dependência
Em março de 2013, as
operações de busca pelo líder do LRA foram suspensas na República
Centro-Africana por falta de cooperação do governo local. Acredita-se ainda que
o grupo rebelde esteja recebendo ajuda do exército do Sudão, segundo
denunciaram os Estados Unidos. Ao lado do TPI, porém, estão o Exército de
Uganda e militares norte-americanos, que continuam à procura de Kony.
Assim como ilustra o
caso do líder rebelde ugandense, Nielsen afirma que os tribunais internacionais
são dependentes de ferramentas diplomáticas e da colaboração de outros países
para ter sucesso, uma vez que não possuem uma polícia específica ou poder para
executar mandados de prisão por si sós. "Dizem que a política é a arte do
possível. O mesmo conceito se aplica para justiça penal internacional, que
tenta busca fazer o possível dada a constelação das relações internacionais e
de políticas do poder", afirma o historiador.
Na tentativa de aumentar
a colaboração por parte de países e organizações internacionais, é preciso que
o TPI consiga processar os acusados, acredita o historiador. A instituição já
absolveu, em 2012, o líder rebelde congolês Mathieu Ngudjolo Chui, sob a
justificativa de que a promotoria não foi capaz de provar além de qualquer
dúvida que ele havia sido responsável pelos crimes apresentados. Em março deste
ano, o tribunal divulgou um comunicado sobre sua decisão de retirar as
acusações contra o queniano Francis Kirimi Muthaura, ex-Chefe do Serviço Civil
daquele país, por falta de testemunhas.
Apesar das críticas ao
tribunal, tanto o historiador Nielsen quanto o jurista Mennecke acreditam que a
criação de um tribunal internacional permanente, capaz de processar os
responsáveis por crimes graves tenha sido relevante. "Todo mundo que pense
sobre a gravidade desses crimes cometidos irá concordar que seus responsáveis
devam ser punidos", afirma o jurista. O historiador, no entanto, é mais
cético em seu comentário: "O tribunal será considerado indispensável se
daqui a 15 ou 20 anos olharmos para a República Democrática do Congo, para a
Uganda, para o Sudão, e vermos que há menos mortes, menos instabilidade e menos
sofrimento. Afinal de contas, é para isso que o tribunal foi criado".
Reportagem de Carolina Krause e Marcel van Hattem
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita e pelo comentário!