30/09/2014

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Oito imigrantes morrem por dia tentando chegar a países mais desenvolvidos, mostra estudo

Relatório revela que 75% das 4 mil mortes do gênero em 2014 aconteceram em travessias do Mediterrâneo com destino à Europa.



Na tentativa de chegar a um país mais desenvolvido, morrem pelo menos oito imigrantes por dia, de acordo com o relatório "Viagens letais" divulgado ontem (29/09) pela OIM (Organização Internacional de Migrações). A maior parte destes é proveniente da África e do Oriente Médio, com a Síria e Eritréia como principais países de origem.

Apenas em 2014, quatro mil imigrantes morreram no trajeto para escapar da violência e da pobreza dos países de origem. Destes, mais de três mil perderam as vidas ao cruzar o Mediterrâneo para chegar ao continente europeu e outros 230 morreram na fronteira entre México e Estados Unidos. Essa média vem se mantendo há pelo menos 14 anos.
“O paradoxo é que em uma época em que uma em cada sete pessoas do mundo são imigrantes, nós observamos uma resposta extraordinariamente dura em relação à imigração nos países desenvolvidos”, afirma ao The Guardian o diretor da organização, William Lacy Swing.
Embora sejam estimativas alarmantes, o documento da OIM acredita que o número deva ser superior, pois não são todas as mortes que são registradas. Segundo analistas, para cada corpo de imigrante encontrado, há dois que permanecem desaparecidos.


“Embora vastas quantias de dinheiro sejam gastas para controlar dados na fronteira, muitas poucas agências coletam e publicam dados sobre as mortes dos imigrantes”, explicou ao jornal britânico Frank Laczko, autor do relatório.
“Nós precisamos colocar um fim nesse ciclo. Imigrantes sem documentação não são criminosos. São seres humanos que precisam de proteção, assistência e merecem respeito. É hora de fazermos mais do que contar o número de vítimas: é hora de engajarmos o mundo para parar com a violência contra imigrantes desesperados”, acrescenta Swing.
No início deste mês, a Frontex, agência que monitora as fronteiras externas da União Europeia, afirmou que mais imigrantes tentam chegar à Europa por via terrestre ou marítima em 2014 do que no auge da Primavera Árabe.



fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/38035/oito+imigrantes+morrem+por+dia+tentando+chegar+a+paises+mais+desenvolvidos+mostra+estudo.shtml
foto:http://jnpg.com.br/marinha-italiana-encontra-30-corpos-em-barco-de-imigrantes/

América Latina recebe o turismo de luxo

Governador Celso Ramos (SC) está, atualmente, na rota do turismo de luxo
A América Latina começou a receber a indústria de viagens de luxo, não só para atrair os viajantes de outras regiões, mas para convencer os seus de que o luxo também está em suas praias e cidades. “O luxo é uma experiência”, diz, convencida, Carla Guerrero, representante do escritório de turismo do Peru no México, no International Luxury Travel Market Americas (ILTM), a terceira edição da feira de viagens de luxo que foi realizada esta semana em Cancún. Os turistas estão voltando seus olhos para a América e alguns destinos tradicionais começaram a oferecer hotéis e serviços exclusivos que antes não havia por ali.
O crescimento econômico da América Latina favorece o setor de turismo como nunca aconteceu antes. A riqueza da região se concentra principalmente no Brasil e México (73%), o restante na Argentina, Colômbia e Peru. “Colômbia e Peru estão crescendo, mas são países pequenos, enquanto o problema de México e Brasil é que suas economias não estão crescendo no nível que se esperava”, destaca o analista político mexicano Javier Tello. No entanto, esses países concentram o maior número de milionários, o principal mercado da indústria turística de luxo. Segundo um estudo do banco UBS, no último ano a cifra de multimilionários na América Latina aumentou 37,8%, a maioria deles no México e Brasil.
Os dois países registraram níveis históricos de recepção de turistas no último ano. O México recebeu nos últimos sete meses cerca de 16,2 milhões de viajantes —20% mais do que no mesmo período do ano passado— e se transformou no segundo destino turístico da América, segundo dados do Governo mexicano. O Brasil, por sua vez, viu crescer exponencialmente o fluxo turístico nas cidades em que se realizou a Copa do Mundo em junho passado. Em 30 dias, o país recebeu cerca de 3,4 milhões de visitantes, e a previsão do encontro mundial de futebol fez a infraestrutura turística de luxo crescer 25% nos últimos dois anos.
A transformação dessa indústria no sentido de uma melhor compreensão das experiências fez da América Latina uma região apropriada para começar as mudanças. Algumas regiões que tradicionalmente não aparecem no mapa dos destinos turísticos de luxo avaliaram seu potencial e começaram a atrair as fortunas. “Nós queremos nos posicionar não apenas como um destino clássico cultural de Machu Picchu, mas como um destino diversificado e com um mosaico de atividades”, explica Carla Guerrero, do escritório de turismo do Peru. Além da oferta turística tradicional do Peru, o Governo do país procurou estimular em regiões próximas a Lima, a capital, e na Amazônia. Além disso, o Peru acrescentou a sua diversidade turística a oferta gastronômica de restaurantes premiados como Central e Astrid y Gastón, assim como a feira Mistura, que atrai cerca de 600.000 visitantes para conhecer a cozinha peruana. “O Peru está se tornando um polo que atrai toda a oferta gastronômica da região. Recebemos chefs de todas as partes do mundo e chefs peruanos que são muito reconhecidos no Peru.”
Na Costa Rica, o município de Pérez Zeledón também aproveitou a paisagem rural da região para instalar o hotel-butique-fazenda AltaGracia. “Este é um novo produto original da Costa Rica, que tenta reposicionar o país como um destino de luxo”, explica Cristina Jones, diretora comercial do hotel. Uma antiga fazenda em meio às montanhas e ao lado de plantações de café e de abacaxi é, além de um resort tranquilo e exclusivo, um novo motor da economia local que foi afetada pela imigração de seus habitantes para os Estados Unidos.
Os empresários de turismo percebem o crescimento da região e apostam na oferta de experiências que antes só eram disponíveis em países da Europa, Ásia e nos Estados Unidos. “Acertamos ao começar a apostar em um turismo butique e de luxo, em um momento em que o México começou a se sofisticar. Caminhamos em paralelo com o país e por isso tivemos sucesso”, explica Nacho Zuloaga, diretor comercial do Grupo Habita, que conta com 11 hotéis no México, quatro deles na capital, e um nos Estados Unidos. Turistas dos Estados Unidos, Alemanha, França e Espanha vão a empreendimento em busca das experiências de luxo latino-americano.

Reportagem de Sonia Corona
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/27/economia/1411785131_756774.html
foto:http://nossojornalsc.blogspot.com.br/2011/12/santa-catarina-tera-empreendimento-de.html

Tribunal espanhol suspende referendo de independência da Catalunha

O Tribunal Constitucional da Espanha suspendeu o referendo sobre a independência da comunidade autônoma da Catalunha, no nordeste do país.
A corte disse que é necessário primeiro analisar os argumentos de que a votação prevista para 9 de novembro teria violado a Constituição espanhola.
O pedido de análise foi feito pelo governo central em Madri.
O governo da Catalunha, uma das regiões mais ricas do país, assinou no último sábado um decreto que ordena a realização do referendo.
Mas o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, disse a repórteres que a votação não é "compatível com a Constituição" do país.
"Ninguém terá permissão para dividir a Espanha", disse ele em pronunciamento na televisão depois de uma reunião de emergência de seu gabinete.

Protesto

Centenas de milhares de catalães participaram de um protesto em Barcelona recentemente, exigindo direito de votar sobre a questão.
Diante da recusa do governo em dar mais autonomia à região, os protestos ganharam força depois do referendo de independência realizado na Escócia, em que a separação do Reino Unido foi recusada por 55% dos eleitores.
Muitos manifestantes espanhóis também traziam bandeiras escocesas.
Com 7,5 milhões de habitantes, a Catalunha responde por aproximadamente 16% da população da Espanha e é uma das regiões mais ricas e industrializadas do país.
Também é onde existe um forte apelo pela independência entre os habitantes. Com o aprofundamento da crise econômica espanhola, este sentimento tornou-se ainda mais forte.
Horas depois de o líder catalão Artur Mas ter assinado o decreto no último sábado, dezenas de milhares de pessoas foram às ruas durante uma celebração anual realizada em Barcelona protestando pelo direito de realizar o referendo.
"La Diada", como é conhecido o aniversário do fim do cerco a Barcelona durante a guerra de secessão espanhola no século 18, tornou-se uma exibição de força do movimento pela independência.

'Consulta'

Em 19 de setembro, o Parlamento regional da Catalunha aprovou, por 106 votos a 28, a realização do referendo pela independência, conhecido localmente como "consulta".
Artur Mas, que foi reeleito em dezembro de 2012, diz que pode usar leis locais para realizar a votação, apesar de o governo central dizer que precisa dar sua permissão para tal.
"Não posso fingir que será fácil, mas não basta protestar uma vez por ano", disse ele na televisão catalã no último final de semana. "O futuro é algo que se conquista. Não é algo que recebemos de presente. Devemos conquistá-lo."
Mas só passou a apoiar a independência total recentemente. Desde 2007, ele tornou-se líder do movimento que busca revitalizar o nacionalismo catalão, conhecido como Refundação do Catalanismo.
Uma pesquisa do jornal espanhol El País mostrou que 45% dos catalães são a favor de cancelar o referendo se o tribunal constitucional o declarar ilegal.
Só 23% querem que ele siga em frente de qualquer maneira.

fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140929_espanha_referendo_catalunha_independencia_rb#orb-banner
foto:http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=26&did=163447

Candidatos ignoram maior crise hídrica da história, diz ambientalista

Embora o Brasil viva a maior crise hídrica de sua história, o tema está à margem do debate eleitoral, afirma o geógrafo Mário Mantovani, diretor da organização SOS Mata Altântica.
"Nenhum candidato tem dado à questão a atenção que ela merece, o que diz muito sobre o forte retrocesso que tem havido na agenda ambiental brasileira", ele afirma. A crise hídrica só entrou no debate eleitoral nos estados que enfrentam situação mais crítica, como São Paulo.
Em entrevista à BBC Brasil, Mantovani cita duas ações humanas que, segundo ele, ajudam a explicar o cenário atual. Uma delas é o desmatamento na Amazônia, que teria alterado o regime de chuvas no Centro-Sul do país. A outra, o afrouxamento das regras de proteção florestal nas margens de rios, chancelada pelo novo Código Florestal.
"Desde 1973, não conheço momento que foi pior para o meio ambiente. Este governo riscou o setor ambiental do mapa", diz Mantovani. Segundo ele, a presidente Dilma Rousseff encara a área unicamente como empecilho para a autorização de grandes obras.
O governo federal rejeita as críticas (leia abaixo a resposta do secretário Executivo do Meio Ambiente, Francisco Gaetani).
A SOS Mata Atlântica elaborou 14 propostas para os presidenciáveis. Das quatro que tratam da gestão das águas, Mantovani destaca duas: incluir a sociedade nos comitês que gerem as bacias hidrográficas e cobrar pelo uso de água de todos os usuários, especialmente agricultores. Hoje isento de custos, o grupo é responsável por 80% do consumo de água no país, segundo ele.
A BBC Brasil entrevistou Mantovani na mesma semana em que três notícias agravaram as preocupações com a crise hídrica nacional. Em Minas, o diretor do Parque Nacional da Serra da Canastra, Luiz Arthur Castanheira, anunciou que a principal nascente do rio São Francisco secou; em Itu (SP), um protesto contra a falta d'água terminou em confronto com a polícia militar; e o pesquisador da Unicamp, Antônio Carlos Zuffo, afirmou que água do sistema Cantareira, principal fonte de abastecimento da cidade de São Paulo, pode acabar em 50 dias.
Veja os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - Você escreveu que a crise hídrica é no fundo uma crise ambiental. Por quê?
Mário Mantovani: Essa crise mostrou que APP (Área de Preservação Permanente) de cinco metros nas beiras de rio, a "escadinha" que o Ministério do Meio Ambiente propôs no Código Florestal, era uma farsa. Não pode haver no mesmo rio um proprietário com cinco metros de proteção, outro com 30 metros e outro com 15.
Aqueles torrões secos nas imagens das represas são causados por erosão laminar. São filos que vão se depositando conforme a água baixa e formam blocos. Foi a primeira vez que a hidrovia do Tietê parou em São Paulo. O rio está sem proteção.
Todo ano temos 20 centímetros de erosão laminar na hidrovia. Em dez anos, são dois metros de terra que vão parar dentro da represa. Na mesma represa, em Avanhandava, por causa do adubo que se usa e que vai parar na água, a proliferação de algas é violentíssima.
Outro problema é que no sistema Cantareira (principal fonte de abastecimento da cidade de São Paulo), assim como em qualquer parte do Brasil, 80% da água é usada para a agricultura. O Brasil exporta água em forma de produtos agrícolas, mas essa conta não é feita. A água não é um insumo que tenha valor.
BBC Brasil – Como resolver esse problema?
Mário Mantovani: Se a bacia tiver estresse hídrico, o comitê que faz sua gestão tem que dar menos outorgas para a agricultura. Há pivôs (máquinas para irrigação) no Brasil sem nenhum controle. Na região metropolitana de São Paulo, nas cabeceiras do Tietê, onde a água é pouca, não existe um cadastro dos irrigantes.
Quando o Banco do Brasil financia um agricultor na beira d'água, tem que cobrar que ele faça curva de nível, terraçamento, que cuide da Reserva Legal, da APP.
BBC Brasil – A seca não é a maior responsável pela falta d’água?
Mário Mantovani: As secas acontecem há muito tempo. O que existe é um encurtamento dos intervalos entre uma e outra. A evapotranspiração (água lançada na atmosfera pelas árvores) da Amazônia diminuiu absurdamente. Estamos falando de água que precipitava no Centro-Oeste, no Sul e no Sudeste. Mudou o regime de chuvas, mudou o regime de ventos, mudou o regime de umidade.
É evidente que estamos passando por uma crise muito grande. Quando se fala de clima, parece que é coisa de Deus. Mas estou falando de coisas práticas que dependem da gente: erosão, manejo de solo.
BBC Brasil - O governo diz que as taxas de desmatamento estão nos níveis mais baixos da história.
Mário Mantovani: Do ponto de vista da Mata Atlântica, que só tem 8% da área original, não existe ação de governo. O desmatamento continua ocorrendo. É aquilo que prevíamos com o Código Florestal. Ficou evidente que os donos de terra aproveitaram a aprovação do código e meteram fogo.
Hoje 80% da madeira que sai do Brasil é ilegal. Continua uma barbárie sem nenhum controle. Desde 1973, não conheço momento que foi pior para o meio ambiente. Este governo riscou o setor ambiental do mapa. Ele reduziu o meio ambiente a licenciamento (etapa para autorização de obras), jogando nele a culpa por sua incompetência em realizar transposições, Belo Monte etc.
Na ditadura acompanhei a construção das usinas de Balbina, Tucuruí, a rodovia Transamazônica. Eram projetos dos militares. Estamos vendo o mesmo filme, só que agora é mais perverso, porque naquela época não havia mecanismos para reduzir impactos.
O Brasil deixou de buscar as alternativas em energia. Todos os parques eólicos do Brasil em 2014 estão desligados, não estão interligados na rede.
BBC Brasil - A crise hídrica tem recebido espaço adequado no debate eleitoral?
Mário Mantovani: Nenhum candidato (à Presidência) tem dado à questão a atenção que ela merece, o que diz muito sobre o forte retrocesso que tem havido na agenda ambiental brasileira. Fico preocupado quando falamos de crise da água pensando só no abastecimento. Hoje 80% dos rios no Brasil recebem esgoto, como na época medieval.
O cocô da casa cai no primeiro córrego e vai para outro, que contamina rios e tudo. No Brasil 80% das doenças são de origem hídrica, como na África. Você vê um candidato falando em construir hospitais, mas não em evitar doenças.
Nossa relação com a floresta era de usurpá-la. Durante muitos anos só se regularizava terra se derrubasse a floresta. Nossa relação com a água é igual. Quando se fala em cobrar pelo uso de água na agricultura, a bancada ruralista é contra. Isso sabota qualquer política de água que o Brasil pudesse ter.
BBC Brasil - Os principais candidatos à Presidência dizem ter como prioridade o desenvolvimento e o crescimento do PIB. A preservação ambiental é compatível com essa lógica?
Mário Mantovani: Claro. Veja as melhores empresas. O Wal Mart disse a todos os fornecedores que só aceitará os que tiverem sustentabilidade. A Souza Cruz (fabricante de cigarros) tem o menor uso de veneno do mundo, porque sabe que custa caro.
As empresas de celulose no Brasil são as melhores do mundo, porque têm mais do que 20% da Reserva Legal, proteção maior do que 30 metros de cada lado do rio. Passou a ser um ativo estar acima da legislação ambiental.
*****
Veja abaixo os principais trechos da resposta do secretário executivo do Meio Ambiente, Francisco Gaetani:
- A energia hidrelétrica é uma opção estratégica do país e a ecologicamente mais adequada. O foco nos gargalos de infraestrutura é fundamental para o desenvolvimento nacional. O licenciamento ambiental vem se especializando e modernizando. As decisões do Ibama têm sido fundamentadas e validadas pela Justiça;
- O desmatamento na Amazônia teve as taxas de expansão mais baixas das últimas décadas. A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi criada e está sendo implementada. A Política Nacional de Mudança Climática é uma realidade. Um novo Código Florestal - equilibrado e aderente à realidade brasileira - foi aprovado e se encontra em processo de implementação. Este é um excepcional momento da agenda ambiental no país;
- É preciso distinguir o desmatamento legal do ilegal. A Mata Atlântica abrange um vasto conjunto de Estados brasileiros. O combate ao desmatamento ilegal depende não apenas do governo federal mas também dos órgãos estaduais. O Governo prepara um Plano Nacional de Recuperação de Vegetação Nativa para ser implementado após a implementação do Cadastro Ambiental Rural;
- A agenda de saneamento básico é um dos maiores desafios nacionais, embora dependa fundamentalmente da ação de Estados e municípios. O Ministério das Cidades tem mudado o patamar dos investimentos destinados a enfrentar o problema;
- O Conselho Nacional de Recursos Hídricos conta com a ativa participação da sociedade civil. Os comitês federais de bacias são muitos e todos contam a participação da sociedade civil, conforme previsto em lei.

Reportagem de João Fellet
fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140926_eleicoes2014_crise_hidrica_candidatos_jf_rm#orb-banner
foto:http://guiame.com.br/noticias/eleicoes-2014/ong-diz-que-candidatos-ignoram-maior-crise-hidrica-da-historia.html#.VCp_MWddVzk

29/09/2014

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O terror governa o novo califado

“Meu primo foi ao mercado e, quando voltou ao carro com as compras, tinha levado uma multa por estacionamento irregular”, escandaliza-se Sirwan, um curdo iraquiano que fugiu do avanço dos jihadistas do Estado Islâmico (EI). Foi em Raqqa, a cidade síria transformada em capital do califado proclamado pela organização. Perto das decapitações, da expulsão das minorias religiosas e do abominável tratamento reservado às mulheres, uma infração de tráfico pareceria anedótica. No entanto, dá ideia de até que ponto o grupo tenta se transformar em um Estado. Depois de invadir amplas áreas da Síria e do Iraque (cerca de 130.000 quilômetros quadrados, o equivalente a Áustria e Suíça juntas), governa oito milhões de pessoas, conta com um exército, dispõe de financiamento próprio e hasteia uma bandeira.
“É mais que um grupo insurgente que se esconde nas montanhas. O tamanho e o alcance de suas conquistas territoriais e o número de seus combatentes (31.000 segundo a CIA), sustentam essa ideia, mas além disso tenta governar. Criou um sistema nas cidades sob seu controle, primeiro em Raqqa e agora em Mossul”, assinala por telefone Julien Barnes-Dacey, especialista no Iraque e Síria do European Council on Foreign Relations (ECFR).
Trata-se uma complexa estrutura administrativa que promulga leis, arrecada impostos, administra a justiça, e até provê serviços sociais. No ápice da pirâmide está Ibrahim al Badri, mais conhecido como Abu Bakr al Baghdadi, proclamado califa Ibrahim em junho. Al Baghdadi, que concentra em sua pessoa a suprema autoridade religiosa e política, conta com dois homens de confiança, um para as províncias sírias e outro para as iraquianas; um conselho consultivo (shura) que dirime assuntos ideológicos e religiosos; um conselho militar, e um gabinete que se encarrega de finanças, segurança interna e propaganda.
Em abril de 2013, às vésperas da conquista de Raqqa pelo então chamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), essa cidade de casas baixas e tons ocre se orgulhava de ser a primeira “libertada” da ditadura de Bashar al Asad. Seus habitantes, menos conservadores que os de Alepo, diziam se sentir mais próximos de seus vizinhos iraquianos. Não podiam imaginar que um ano mais tarde, depois de se desfazer dos outros grupos que expulsaram os soldados do regime, o EIIL ia derrubar os marcos da fronteira. Em certa medida, combinou a violência e a efetividade no combate da Al Nusra, o grupo vinculado à al Qaeda do qual se desgarrou, com a capacidade administrativa de Ahrar al Sham, a milícia salafista que até então governava a cidade.
“O Estado Islâmico desenvolveu em Raqqa uma rede de instituições políticas e sociais sem precedentes”, diz Gabriel Garroum, um jovem cientista político sírio-catalão que acaba de concluir uma tese sobre o governo do EI nessa cidade. “No mês do Ramadã, por exemplo, deu 2.000 libras sírias [uns 30 reais] a cada família sunita e mais 1.000 por cada filho”, assinala.
Além dos centros de leitura e estudos religiosos, abriu escritórios de “serviços islâmicos” (encarregados do abastecimento de água e eletricidade, conserto de estradas, etc), de arrecadação de impostos, de ajudas sociais a órfãos, e inclusive, de proteção ao consumidor. É o modelo que transferiu ao restante das cidades conquistadas como Manbij, El Bab, Deir Ezzor, no norte da Síria, e agora Mossul, no norte do Iraque.
“Os serviços ajudam a atrair as pessoas, em especial os pobres que não têm outra alternativa para se ganhar a vida”, aponta num correio eletrônico Lina Khatib, diretora do Centro Carnegie no Oriente Médio.
De onde sai o dinheiro? Se em seus primeiros tempos o EI dependia dos donativos de ricos simpatizantes do Golfo, dos resgates de sequestros e do saque dos territórios conquistados, hoje os especialistas concordam que o grupo administra uma economia auto-sustentável graças aos impostosque impõe aos habitantes nas zonas que controla e, sobretudo, ao contrabando de petróleo.
Baixo pretexto da zakat, a contribuição obrigatória que constitui um dos cinco pilares do Islã, os milicianos extorquem transportadores e comerciantes. Os viajantes falam de postos de controle onde são obrigados a abrir a carteira e entregar uma porcentagem do dinheiro que levam. Os proprietários de lojas também recebem a visita desses peculiares coletores de tributos que, em prova da obsessão burocrática com a contabilidade, entregam recibos com o selo do EI registrando o pagamento. Alguns dizem que antes gastavam mais para subornar os agentes do regime.
Mas é sobretudo o contrabando de petróleo que financia a quimera docalifado. O EI controla pelo menos três campos de extração na Síria e cinco no Iraque. Embora possua apenas uma refinaria, também utiliza pequenas instalações móveis, que foram alvo dos últimos bombardeios da força aérea norte-americana. Uma fração do combustível que não utiliza é vendida localmente, e a maior parte é contrabandeada para a Turquia, o que rende entre cinco e sete milhões de reais por dia, segundo Luay al Khatteeb, diretor do Instituto de Energia do Iraque e assessor do Parlamento de Bagdá.
“Estão loucos e realmente acreditam que estão montando um Estado”, afirma um jovem ativista que teve de se refugiar na Turquia por causa da perseguição do EI e que se mostra convencido de que, no momento, a vida em Raqqa está “muito ruim”.
Contudo, a chegada do EI levou segurança e estabilidade à maioria das áreas conquistadas depois de anos de guerra civil (na Síria) ou de conflito sectário (no Iraque). Embora muitos fujam da férrea imposição das normas e da obsessão de controlar até os mínimos detalhes da vida, quem fica aprecia a diminuição dos delitos, a clareza de seus éditos, e até mesmo menos corrupção.
“Tiraram partido do descontentamento dos sunitas tanto na Síria como no Iraque, que se sentiam não só abandonados por seus respectivos governos, como também ameaçados pela aliança liderada pelo Irã”, interpreta Barnes-Dacey.
Mais ainda, transformaram-se “na voz dos sunitas”, em vista de sua falta de representação efetiva e legítima em uma ampla zona que se estende de Beirute a Bagdá. A questão é se esse modelo brutal de governo é sustentável, o que vai depender tanto de sua capacidade de se ocupar da população como das alternativas que oferecerem os Governos sírio e iraquiano.
“O EI carece de experiência técnica, o que significa que não poderá criar instituições de Estado viáveis. Além disso, é uma entidade que nenhum país do mundo reconhece como legítima. Isso torna impossível converter-se em um Estado no sentido tradicional”, aponta Khatib.
Embora tenham conseguido manter abertos mercados, padarias e postos de gasolina, enfrentam dificuldades com as grandes infraestruturas. Em Raqqa, seu paradigma, mal conseguem quatro horas de eletricidade diária e o fornecimento de água está criando problemas em um lago próximo. O próprio Al Baghdadi reconheceu essa falta de profissionais qualificados. Em uma recente mensagem de áudio (cuja transcrição pode ser lida aqui), o autoproclamado califa pedia engenheiros e médicos para ajudar a construir seu Estado.
Por isso, a brilhante estratégia de comunicação do grupo não se limita a difundir façanhas bélicas e as brutais decapitações de estrangeiros que lhe renderam a condenação mundial. Os propagandistas do EI também mostram seu paraíso em cores e alta definição. “O ambiente é bom, sabe?”, assegura desde Raqqa um combatente britânico identificado como Abu Abdula al Habashi no vídeo Saudações do Califado estreado no Ramadã. Outros milicianos aparecem distribuindo pistolas de brinquedo a um grupo de crianças em um parque, brincam com elas, carregam no colo… “Há uma grande festa acontecendo”, afirma Abu Shuaib al Afriki ao final do vídeo de 20 minutos de duração.
Mas esse paraíso também gera contrapropaganda. Nesta semana, um vídeo gravado por uma mulher de forma clandestina em Raqqa mostra uma cidade cheia de combatentes estrangeiros e suas famílias, tomada pelas armas, na qual as mulheres não podem sair sozinhas à rua e têm de andar cobertas com o niqab (um véu que só deixa os olhos descobertos).

Reportagem de  Ángeles Espinosa, Natalia Sancha, José Miguel Calatayud e Óscar Gutiérrez
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/27/internacional/1411823415_594409.html
foto:http://brasil.elpais.com/brasil/2014/08/20/internacional/1408557242_879445.html

Protestos pró-democracia em Hong Kong desafiam Pequim

Hong Kong vive dias de tensão em função da disputa sobre como será eleito o próximo líder dessa região chinesa.

Neste domingo, a polícia usou gás lacrimogêneo para dispersar milhares de manifestantes pró-democracia no distrito financeiro e imediações do governo local pró-Pequim.
Autoridades locais classificaram a manifestação como "ilegal" e receberam "forte apoio" do governo chinês.
O protesto foi inicialmente organizado pela Federação de Estudantes de Hong Kong, mas recebeu apoio do movimento Occupy Central, que tem incomodado as autoridades chinesas.
O Occupy Central tinha planejado ocupar o movimentado distrito financeiro de Hong Kong na quarta-feira e resolveu antecipar a mobilização para este domingo para se solidarizar com os estudantes, que estão protestando desde sexta-feira.
No sábado, a polícia já foi acionada para desalojar a sede do governo, ocupada por estudantes.
Após os confrontos, autoridades locais anunciaram que 78 ativistas foram presos neste domingo e 70 no sábado.
As eleições para o governo local só ocorrerão em 2017, mas no mês passado o governo chinês emitiu uma resolução que lhe permite vetar candidatos.
Ativistas pró-democracia começaram a se mobilizar contra a medida, o que culminou nos confrontos deste fim de semana.
Entenda quem está protestando em Hong Kong e por que o "Occupy Central" incomoda tanto autoridades chinesas:

O que quer o "Occupy Central"?

Trata-se de "um movimento de desobediência civil" proposto por defensores da democracia em Hong Kong e apoiado por grupos estudantis.
Os ativistas querem uma reforma política e eleições democráticas que sigam padrões internacionais.
O movimento assegura que pode mobilizar 10 mil pessoas na primeira fase das manifestações.
Ele toma seu nome do movimento "Occupy Wall Street", que em 2011 foi lançado nos EUA para protestar contra a desigualdade social.

O grupo pode ter sucesso em suas demandas?

Hong Kong é uma região administrativa especial dentro da China.
Seus habitantes têm liberdade de expressão e direito de protestar, mas não podem eleger seu governo de forma direta.
Até os organizadores do Occupy Central admitem que é pouco provável que eles possam influenciar as decisões do governo chinês no curto prazo, mas muitos vêem o ato de sair às ruas como uma forma de começar a pressionar pela mudança.
No passado, algumas manifestações de fato tiveram sucesso.
Uma polêmica lei de segurança nacional foi abandonada depois de protestos em 2002, por exemplo.
O governo local também desistiu de obrigar as escolas a darem aula de "educação patriótica" depois de manifestações contra a iniciativa.
A questão é que as exigências do "Occupy Central" e dos estudantes dessa vez são mais ambiciosas: eles pedem mais democracia, o que tende a ser visto como uma afronta direta a autoridade de Pequim.

Pode haver uma escalada de violência?

Os organizadores insistem que seus protestos não pretendem ser violentos.
Neste domingo ocorreram confrontos, mas no fim do dia a Federação dos Estudantes de Hong Kong e Chan Kin-MAn, um dos líderes do Occupy Central, fizeram um apelo para os ativistas se dispersarem, temendo que a polícia pudesse usar balas de borracha contra eles.
Muitas manifestações em Hong Kong de fato são pacíficas e bem organizadas. Mas as tensões têm se acirrado na região nos últimos anos, conforme a política local se torna mais polarizada.
Recentemente, também ocorreram alguns confrontos entre manifestantes pró-democracia e simpatizantes do governo central de Pequim.
Críticos do "Occupy Central" temem que os organizadores não sejam capazes de controlar a multidão - e também é impossível prever que tipo de resposta o governo local pode dar ao movimento.
Em julho, 500 pessoas foram presas por "reunião ilegal" em um protesto pró-democracia visto como um ensaio para o "Occupy Central".

O "Occupy" tem apoio em Hong Kong?

O tema parece dividir opiniões na região.
Tanto as manifestações pró-democracia quanto as que defendem o governo central de Pequim têm reunido milhares de pessoas, mas as últimas são menos comuns - e a mídia local tem publicado que algumas pessoas seriam pagas para participar delas.
Um número significativo de pessoas parece querer mais democracia, mas muitos temem que os protestos possam provocar respostas enérgicas de Pequim ou prejudicar a economia.

Quem são os líderes do Occupy?

Os principais organizadores do movimento são o professor de direito Benny Tai, o professor de sociologia Chan Kin-man e o clérigo Chu Yiu-ming.
Todos são considerados figuras moderadas do movimento pró-democracia de Hong Kong.
O "Occupy Central" também é apoiado por partidos políticos e grupos estudantis, como a Federação dos Estudantes de Hong Kong.
E entre os estudantes, um dos líderes proeminentes é Joshua Wong, preso no sábado, mas já libertado.

Qual o ponto de vista da China?

O Partido Comunista da China não quer que o movimento seja percebido como um desafio a sua autoridade.
O presidente chinês, Xi Jinping, parece ter tomado uma posição mais dura contra dissidências desde que assumiu o poder, em 2013.
E a mídia estatal chinesa recentemente acusou "forças estrangeiras" de se intrometerem nos assuntos de Hong Kong, promovendo "sentimentos separatistas".
Por isso, especula-se sobre a possibilidade de a China se envolver em uma repressão ao "Occupy Central" se não estiver satisfeita com a maneira com a qual autoridades locais estejam lidando com o grupo.
Mas o mais provável é que esse seja apenas um último recurso, tendo em vista as possíveis repercussões internacionais e sobre os negócios de uma intervenção direta.

fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140925_hong_kong_ru#orb-banner
foto:http://oglobo.globo.com/mundo/protesto-pela-democracia-reune-pelo-menos-200-mil-em-hong-kong-13090557

“Transformamos problemas cotidianos em transtornos mentais”

Allen Frances (Nova York, 1942) dirigiu durante anos o Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM), documento que define e descreve as diferentes doenças mentais. Esse manual, considerado a bíblia dos psiquiatras, é revisado periodicamente para ser adaptado aos avanços do conhecimento científico. Frances dirigiu a equipe que redigiu o DSM IV, ao qual se seguiu uma quinta revisão que ampliou enormemente o número de transtornos patológicos. Em seu livro Saving Normal (inédito no Brasil), ele faz uma autocrítica e questiona o fato de a principal referência acadêmica da psiquiatria contribuir para a crescente medicalização da vida.
Pergunta. No livro, o senhor faz um mea culpa, mas é ainda mais duro com o trabalho de seus colegas do DSM V. Por quê?
Resposta. Fomos muito conservadores e só introduzimos [no DSM IV] dois dos 94 novos transtornos mentais sugeridos. Ao acabar, nos felicitamos, convencidos de que tínhamos feito um bom trabalho. Mas o DSM IV acabou sendo um dique frágil demais para frear o impulso agressivo e diabolicamente ardiloso das empresas farmacêuticas no sentido de introduzir novas entidades patológicas. Não soubemos nos antecipar ao poder dos laboratórios de fazer médicos, pais e pacientes acreditarem que o transtorno psiquiátrico é algo muito comum e de fácil solução. O resultado foi uma inflação diagnóstica que causa muito dano, especialmente na psiquiatria infantil. Agora, a ampliação de síndromes e patologias no DSM V vai transformar a atual inflação diagnóstica em hiperinflação.
P. Seremos todos considerados doentes mentais?
R. Algo assim. Há seis anos, encontrei amigos e colegas que tinham participado da última revisão e os vi tão entusiasmados que não pude senão recorrer à ironia: vocês ampliaram tanto a lista de patologias, eu disse a eles, que eu mesmo me reconheço em muitos desses transtornos. Com frequência me esqueço das coisas, de modo que certamente tenho uma demência em estágio preliminar; de vez em quando como muito, então provavelmente tenho a síndrome do comedor compulsivo; e, como quando minha mulher morreu a tristeza durou mais de uma semana e ainda me dói, devo ter caído em uma depressão. É absurdo. Criamos um sistema de diagnóstico que transforma problemas cotidianos e normais da vida em transtornos mentais.
P. Com a colaboração da indústria farmacêutica...
R. É óbvio. Graças àqueles que lhes permitiram fazer publicidade de seus produtos, os laboratórios estão enganando o público, fazendo acreditar que os problemas se resolvem com comprimidos. Mas não é assim. Os fármacos são necessários e muito úteis em transtornos mentais severos e persistentes, que provocam uma grande incapacidade. Mas não ajudam nos problemas cotidianos, pelo contrário: o excesso de medicação causa mais danos que benefícios. Não existe tratamento mágico contra o mal-estar.
P. O que propõe para frear essa tendência?
R. Controlar melhor a indústria e educar de novo os médicos e a sociedade, que aceita de forma muito acrítica as facilidades oferecidas para se medicar, o que está provocando além do mais a aparição de um perigosíssimo mercado clandestino de fármacos psiquiátricos. Em meu país, 30% dos estudantes universitários e 10% dos do ensino médio compram fármacos no mercado ilegal. Há um tipo de narcótico que cria muita dependência e pode dar lugar a casos de overdose e morte. Atualmente, já há mais mortes por abuso de medicamentos do que por consumo de drogas.
P. Em 2009, um estudo realizado na Holanda concluiu que 34% das crianças entre 5 e 15 anos eram tratadas por hiperatividade e déficit de atenção. É crível que uma em cada três crianças seja hiperativa?
R. Claro que não. A incidência real está em torno de 2% a 3% da população infantil e, entretanto, 11% das crianças nos EUA estão diagnosticadas como tal e, no caso dos adolescentes homens, 20%, sendo que metade é tratada com fármacos. Outro dado surpreendente: entre as crianças em tratamento, mais de 10.000 têm menos de três anos! Isso é algo selvagem, desumano. Os melhores especialistas, aqueles que honestamente ajudaram a definir a patologia, estão horrorizados. Perdeu-se o controle.
P. E há tanta síndrome de Asperger como indicam as estatísticas sobre tratamentos psiquiátricos?
R. Esse foi um dos dois novos transtornos que incorporamos no DSM IV, e em pouco tempo o diagnóstico de autismo se triplicou. O mesmo ocorreu com a hiperatividade. Calculamos que, com os novos critérios, os diagnósticos aumentariam em 15%, mas houve uma mudança brusca a partir de 1997, quando os laboratórios lançaram no mercado fármacos novos e muito caros, e além disso puderam fazer publicidade. O diagnóstico se multiplicou por 40.
P. A influência dos laboratórios é evidente, mas um psiquiatra dificilmente prescreverá psicoestimulantes a uma criança sem pais angustiados que corram para o seu consultório, porque a professora disse que a criança não progride adequadamente, e eles temem que ela perca oportunidades de competir na vida. Até que ponto esses fatores culturais influenciam?
R. Sobre isto tenho três coisas a dizer. Primeiro, não há evidência em longo prazo de que a medicação contribua para melhorar os resultados escolares. Em curto prazo, pode acalmar a criança, inclusive ajudá-la a se concentrar melhor em suas tarefas. Mas em longo prazo esses benefícios não foram demonstrados. Segundo: estamos fazendo um experimento em grande escala com essas crianças, porque não sabemos que efeitos adversos esses fármacos podem ter com o passar do tempo. Assim como não nos ocorre receitar testosterona a uma criança para que renda mais no futebol, tampouco faz sentido tentar melhorar o rendimento escolar com fármacos. Terceiro: temos de aceitar que há diferenças entre as crianças e que nem todas cabem em um molde de normalidade que tornamos cada vez mais estreito. É muito importante que os pais protejam seus filhos, mas do excesso de medicação.
P. Na medicalização da vida, não influi também a cultura hedonista que busca o bem-estar a qualquer preço?
R. Os seres humanos são criaturas muito maleáveis. Sobrevivemos há milhões de anos graças a essa capacidade de confrontar a adversidade e nos sobrepor a ela. Agora mesmo, no Iraque ou na Síria, a vida pode ser um inferno. E entretanto as pessoas lutam para sobreviver. Se vivermos imersos em uma cultura que lança mão dos comprimidos diante de qualquer problema, vai se reduzir a nossa capacidade de confrontar o estresse e também a segurança em nós mesmos. Se esse comportamento se generalizar, a sociedade inteira se debilitará frente à adversidade. Além disso, quando tratamos um processo banal como se fosse uma enfermidade, diminuímos a dignidade de quem verdadeiramente a sofre.
P. E ser rotulado como alguém que sofre um transtorno mental não tem consequências também?
R. Muitas, e de fato a cada semana recebo emails de pais cujos filhos foram diagnosticados com um transtorno mental e estão desesperados por causa do preconceito que esse rótulo acarreta. É muito fácil fazer um diagnóstico errôneo, mas muito difícil reverter os danos que isso causa. Tanto no social como pelos efeitos adversos que o tratamento pode ter. Felizmente, está crescendo uma corrente crítica em relação a essas práticas. O próximo passo é conscientizar as pessoas de que remédio demais faz mal para a saúde.
P. Não vai ser fácil…
R. Certo, mas a mudança cultural é possível. Temos um exemplo magnífico: há 25 anos, nos EUA, 65% da população fumava. Agora, são menos de 20%. É um dos maiores avanços em saúde da história recente, e foi conseguido por uma mudança cultural. As fábricas de cigarro gastavam enormes somas de dinheiro para desinformar. O mesmo que ocorre agora com certos medicamentos psiquiátricos. Custou muito deslanchar as evidências científicas sobre o tabaco, mas, quando se conseguiu, a mudança foi muito rápida.
P. Nos últimos anos as autoridades sanitárias tomaram medidas para reduzir a pressão dos laboratórios sobre os médicos. Mas agora se deram conta de que podem influenciar o médico gerando demandas nos pacientes.
R. Há estudos que demonstram que, quando um paciente pede um medicamento, há 20 vezes mais possibilidades de ele ser prescrito do que se a decisão coubesse apenas ao médico. Na Austrália, alguns laboratórios exigiam pessoas de muito boa aparência para o cargo de visitador médico, porque haviam comprovado que gente bonita entrava com mais facilidade nos consultórios. A esse ponto chegamos. Agora temos de trabalhar para obter uma mudança de atitude nas pessoas.
P. Em que sentido?
R. Que em vez de ir ao médico em busca da pílula mágica para algo tenhamos uma atitude mais precavida. Que o normal seja que o paciente interrogue o médico cada vez que este receita algo. Perguntar por que prescreve, que benefícios traz, que efeitos adversos causará, se há outras alternativas. Se o paciente mostrar uma atitude resistente, é mais provável que os fármacos receitados a ele sejam justificados.
P. E também será preciso mudar hábitos.
R. Sim, e deixe-me lhe dizer um problema que observei. É preciso mudar os hábitos de sono! Vocês sofrem com uma grave falta de sono, e isso provoca ansiedade e irritabilidade. Jantar às 22h e ir dormir à meia-noite ou à 1h fazia sentido quando vocês faziam a sesta. O cérebro elimina toxinas à noite. Quem dorme pouco tem problemas, tanto físicos como psíquicos.

Reportagem de M.P.O.
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/26/sociedad/1411730295_336861.html
foto:http://solucaoperfeita.com/elisabete/como-se-libertar-da-dependencia-dos-ansioliticos-passo-a-passo