30/05/2015

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Nos subterrâneos da pedofilia

Os resultados iniciais de uma investigação sobre a pedofilia no Reino Unido revelam a atividade de uma nebulosa rede, da qual, segundo dados ainda sujeitos a confirmação definitiva, participariam 1.432 cidadãos, entre eles, 76 políticos, 43 empresários ou executivos da indústria musical, e 175 oriundos da televisão, cinema e rádio. Iniciada no ano passado, a Operação Hydrant, dirigida por Simon Bailey, já colocou atrás das grades algumas personalidades como, por exemplo, o famoso publicista Max Clifford. Segundo Bailey, há centenas de milhares de vítimas. Somente neste ano, o número de denúncias de agressões sexuais aumentou em 71%, em relação a 2012.
Entre as 116 mil denúncias previstas para 2015, 52.446 remontam aos anos 1970, 1980 e 1990. Como disse ao The Guardiano deputado trabalhista Tom Watson: “Por gerações fechamos os olhos para o escândalo de abuso infantil na Grã-Bretanha”. Em 2012, Watson foi o primeiro a delatar a rede pedófila “ligada ao Parlamento de Westminster, e ao número 10 de Downing Street, o endereço de premier”.
De fato, em março deste ano, veio à tona outra bomba para macular a imagem da nação. Em entrevista ao Mail on Sunday, um deputado trabalhista contou que Margaret Thatcher condecorou o deputado liberal Cyril Smith, isso embora corressem rumores de que ele abusava de menores. Por coincidência, as investigações sobre o condecorado cessaram. Ele morreu tranquilo, em 2010. Como, aliás, a estrela midiática da BBC, Jimmy Savile, durante décadas um “predador sexual” de crianças, inclusive daquelas incapacitadas nos hospitais por ele bondosamente financiados. Savile morreu enquanto dormia, em outubro de 2011.
Sentada a uma mesa do elegante bar do Hipódromo de Longchamp, em Paris, a britânica Victoria Haigh avalia: “Nada vai mudar em relação aos pedófilos no Reino Unido”. Jóquei campeã e treinadora de cavalos, Victoria, de 43 anos, é vítima da rede de pedofilia britânica. Perdeu a custódia da primeira filha, agora com 11 anos, para o então marido, David Tune. Motivo: acusou-o de abusar da menina, então com 4 anos. Ao tentar se aproximar da filha em um estacionamento, foi condenada a três anos de prisão, em dezembro de 2011. Ficou presa por nove meses. Voltou à cadeia quando convidou a filha para o batismo da irmã, filha de outro casamento, Sapphire.
Victoria mudou-se para Paris. Antes de tudo, diz entre goles de San Pellegrino: “Queria protegê-la, embora eu tenha feito questão que Sapphire viesse ao mundo na República da Irlanda”. A filha de 4 anos, ruiva de olhos azuis, desenha ao nosso lado. Victoria diz sentir-se uma “refugiada”. Contratou uma advogada francesa para defendê-la na Corte Europeia. Objetivo: exigir o direito de se manifestar no Reino Unido. “A Justiça Britânica tratou o meu caso como se fosse aquele de um divórcio no qual se disputava a custódia de nossa filha.” No entanto, a filha mais velha, conta Victoria, “me falava que estava sendo abusada pelo pai”. À época, Victoria contestou o sistema jurídico britânico. Grave ofensa à Justiça do UK, que cuidou de se precaver. Resultado: foi considerada “mentalmente instável” e, assim, a filha mais velha voltou ao pai. As acusações de Victoria nem sequer foram investigadas.
Como apurou uma reportagem de CartaCapital em novembro de 2014, além de políticos e celebridades, estão envolvidos também juízes, advogados, psiquiatras e assistentes sociais. Os subterrâneos da rede pedófila britânica são sinuosos. E, como diz Victoria, “as pessoas dispostas a jogar luz sobre eles são silenciadas”.  No caso de Victoria, fonte também da matéria de 2014, a única opção era fugir do Reino Unido. Foi Ian Josephs, empresário de 83 anos formado em direito, quem a ajudou a ir para a República da Irlanda. Baseado no Sul da França, Josephs criou uma campanha por ele alcunhada Adoção Forçada. Objetivo: oferecer ajuda financeira a mães grávidas para sair do UK.
Josephs disse a CartaCapital: “Mais de 25 mil crianças anualmente são retiradas do poder de pais britânicos, a maioria dos quais não cometeu crimes”.  Acrescentou Josephs: “O sistema vale mais de 2 bilhões de libras por ano”. Essa soma, arrecadada graças às audiências em cortes secretas no Reino Unido, é repartida entre juízes, psiquiatras “domesticados” e assistentes sociais. 
Eis a questão: como definir o pedófilo? Normalmente, o adulto a abusar sexualmente de alguém com menos de 16 anos. Essa definição seria validada pelo fato de em vários estados dos EUA adolescentes poderem casar aos 16. Segundo o professor Michael Seto, psicólogo forense citado por Andrew Gilligan, do Daily Telegraph, pedófilo seria aquele com interesses sexuais por crianças pré-púberes, isto é, com menos de 12 anos. Atua em escolas, estabelecimentos de ajuda a crianças, centros religiosos etc. Essa escala etária parece um pouco rígida, visto que o amadurecimento das crianças varia. Em 1960, Josephs trabalhou no caso de uma mãe que perdeu o filho para a assistência social. O menino, de 12 anos, com QI de 150, elevadíssimo, estava recluso em uma escola quatro vezes mais cara que Eton, a escola privada de maior prestígio. Josephs indagou ao menino se o ensino era bom. “Péssimo.” Há algo de bom? “Sim, ganho dinheiro, e bastante, dormindo com os professores.” 
Apologistas da pedofilia não escasseavam no mundo acadêmico em 2014. Seminários em Cambridge questionavam se a pedofilia não seria algo “normal”. Gilligan cita o professor da Universidade de Essex, Ken Plummer, o qual escreveu, em 1981: “Dizem aos pedófilos que não passam de sedutores e estupradores de crianças... Dizem a eles que crianças são puras e inocentes, desprovidas de sexualidade...” Em 2012, Plummer escreveu: devido ao fato de a homossexualidade provocar menos “pânico”, “agora o novo pária é o pedófilo, o mais recente diabo popular...” Plummer ainda é apresentado no site da universidade como professor emérito. 

Reportagem de Gianni Carta
fonte:http://www.cartacapital.com.br/revista/852/nos-subterraneos-da-pedofilia-9898.html
foto:http://www.afogadosnews.com/2015/05/flores-pm-e-morta-pelo-ex-companheiro.html

Proibido fumar nos parques infantis de toda a França


O Governo socialista francês declarou guerra ao tabaco e anunciou uma nova medida: proibir o fumo nos parques infantis de todo o país. Não importa que estejam ao ar livre ou no centro de uma cidade muito poluída. O decreto anunciado ontem pela ministra da Saúde, Marisol Touraine, será divulgado no final do mês de junho e entrará em vigor no dia de sua publicação. Por isso, o ministério proclamou que as crianças, a partir de meados deste ano, poderão desfrutar de um meio ambiente sem fumo nos parques e jardins das cidades francesas. A multa por desrespeitar a nova regra será de 68 euros (240 reais), semelhante às que são impostas por não respeitar a norma fixada no código de saúde pública.
A França é um dos países que preveem maiores restrições para frear o tabagismo, responsável, de acordo com Touraine, por 78.000 mortes a cada ano no país. Uma das principais medidas, imposta em países como Brasil e Austrália, é a de obrigar as tabacarias a utilizar maços neutros de cigarro nos quais apareça a marca em tamanho discreto e 65% da superfície seja ocupada por advertências sobre as consequências do fumo para a saúde. Essa medida, aprovada no mês passado pelo Parlamento, como parte do Programa Nacional de Redução do Tabagismo, entrará em vigor em 1 de janeiro de 2017. Também não será permitido fumar dentro de carro particular quando a bordo estiver uma criança menor de 12 anos.
Algumas cidades e bairros da França aplicam há muito tempo a proibição de fumo nas áreas infantis de recreação. O decreto governamental estende tal interdição a todo o país. O Ministério da Saúde, que acaba de iniciar uma nova campanha contra o tabaco, propôs também nesta sexta-feira ao setor hoteleiro e de restaurantes a criação de uma placa que alerte para a existência de espaços livres de fumo. É uma maneira de incentivar esse tipo de área.
O constante aumento de fumantes na França, apesar do alto preço do tabaco, é um fenômeno que preocupa as autoridades sanitárias. O nível de tabagismo é superior ao dos países de seu entorno, incluindo a Espanha.

Reportagem de Gabriela Cañas
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/29/internacional/1432908363_324618.html
foto:https://danybraido.wordpress.com/2008/10/09/outono-em-paris/

Quem matou Alberto Nisman?

Em janeiro deste ano, um promotor argentino foi encontrado sem vida ao redor de uma poça de sangue no banheiro de seu apartamento, dias antes de divulgar um relatório contra o governo da presidente Cristina Kirchner. O correspondente da BBC Wyre Davies foi até Buenos Aires para entender as circunstâncias dessa estranha morte que continua a abalar a Argentina.
No início deste ano, em meio a um período crítico em que a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, tentava recuperar a combalida economia do país, de olho nas eleições de outubro, um episódio atingiu o centro nervoso do governo.
Dentro de um luxuoso apartamento na área portuária de Buenos Aires, um promotor de 51 anos chamado Alberto Nisman se preparava para divulgar um relatório polêmico. Ele acusaria o governo argentino de ajudar a acobertar o pior ataque terrorista da história do país.
Horas antes de ele apresentar o relatório ao Congresso, Nisman foi encontrado morto em seu apartamento, localizado no 13º andar de um prédio luxuoso da capital Buenos Aires, com um único disparo na cabeça. Rapidamente, os argentinos começaram a se questionar: foi um suicídio ou um assassinato?
E se realmente tiver sido um assassinato, quem estaria por trás de sua morte? A resposta a essa pergunta encontra-se em uma sucessão de fatos ocorridos há 21 anos.
Atentado
No dia 18 de julho de 1994, um ataque a bomba destruiu a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), o principal centro comunitário judaico do país. A explosão foi tão forte que o prédio ruiu, matando 85 pessoas.
Muitas das provas foram perdidas ou contaminadas, ora deliberadamente ou por incompetência, e nunca ninguém foi condenado pelo envolvimento no atentado.
O ataque atingiu o coração da comunidade judaica, com cerca de 400 mil integrantes, uma das maiores fora de Israel. O prédio foi então reconstruído sob forte esquema de segurança com altos muros que impedem qualquer nova ameaça.
Nisman, um promotor midiático e por vezes obsessivo, vinha investigando o atentado há mais de uma década, tentando solucionar um caso para o qual ninguém ainda havia conseguido encontrar respostas.
Mas, nos últimos meses, o promotor começou a angariar inimigos no alto escalão do governo argentino.
Alegando que houve uma tentativa de acobertar a suposta participação do Irã no atentado, Nisman abriu um processo criminal contra a presidente argentina, Cristina Kirchner, e o chanceler do país, Hector Timerman.
O promotor confiava em poucas pessoas e ocasionalmente trabalhava de seu apartamento. Ele estava ali no dia 18 de janeiro deste ano quando foi encontrado morto.
Flagrado deitado em seu banheiro cercado de uma poça de sangue e com uma arma próxima a seu corpo, muitas pessoas com boas conexões na Argentina imediatamente presumiram que Nisman havia se suicidado. Até a própria presidente Kirchner, em sua página no Facebook, sugeriu que o procurador tinha ceifado a sua própria vida.
Outro lado
Mas uma pessoa se recusa a acreditar nisso desde o início. Ex-companheira de Nisman, Sandra Arroyo Salgado viveu com o promotor por 17 anos e é mãe de suas duas filhas.
"Não tenho dúvida, de que por causa do jeito que ele era, sua personalidade, ele nunca tiraria a própria vida", disse ela à BBC em uma entrevista exclusiva em sua casa, localizada em um subúrbio chique nos arredores de Buenos Aires.
"Ele era extremamente cuidadoso com sua saúde e tinha medo de morrer jovem. Por isso, quando me contaram que ele tinha sido encontrado morto e uma arma foi encontrada no local, sabia que alguém o havia matado".
No momento da morte de Nisman, Salgado estava em viagem ao exterior e, quando voltou à Argentina, ficou surpresa com a rápida velocidade do exame post mortem e o insucesso em preservar as provas encontradas no apartamento do promotor.
Assim, embora ela e Nisman estivessem separados, Salgado ─ que é juíza ─ começou suas próprias investigações.
"A única coisa que estamos buscando é a verdade", disse ela. "Minha equipe de investigadores analisou as fotos e o vídeo da autopsia oficial e chegou à conclusão que a morte de Alberto certamente não foi acidental".
"É como se as autoridades responsáveis pela investigação estivessem ignorando completamente o fato de que Alberto foi encontrado morto apenas quatro dias depois de ter acusado a presidente do país de nada menos do que um possível acobertamento de um ataque terrorista que resultou na morte de 85 pessoas".
Provas
Dezenas de imagens foram registradas pela polícia argentina no apartamento de Nisman. Elas apontavam para uma total falta de preparo das autoridades.
Algumas imagens mostram várias pessoas andando pelo apartamento, sem qualquer roupa especial. As evidências foram inapropriadamente manipuladas. Por exemplo, em dado momento, a polícia permitiu que a mãe de Nisman lavasse os pratos sujos que haviam sido deixados na pia e que, muito possivelmente, teriam pistas que ajudariam a desvendar o mistério.
A equipe de Salgado também alega que as digitais não foram tiradas de provas consideradas "chave" como um computador que, segundo ela, investigadores ligaram sem a devida cautela.
A arma achada na cena também parece ter sido manipulada e deixada em outro lugar, de novo longe do procedimento padrão nesses casos.
Apenas depois da insistência de Salgado foi que um teste à base de Luminol (substância química que permite identificar vestígios de sangue) foi realizado semanas depois da morte de Nisman. O teste mostrou que houve uma tentativa de lavar o sangue de algum objeto na pia do banheiro.
Mas a mulher a cargo da investigação oficial sobre a morte de Nisman, a também promotora Viviana Fein, nega que tenha havido qualquer procedimento incorreto por parte da polícia.
"É comum na Argentina não usar essas roupas especiais", disse Fein à BBC. "Já estive em muitas cenas como essa e não usei o tipo de roupa que os especialistas usam simplesmente porque não tocamos em nada. Não havia sangue em nenhum lugar fora do banheiro, o lugar onde Nisman morreu".
A rivalidade entre as duas mulheres ─ Sandra Arroyo Salgado e Viviana Fein ─ atraiu as atenções do país. Acredita-se que investigação oficial conduzida por Fein provavelmente chegará à conclusão de que Nisman se matou, mas a equipe liderada por Salgado alega que as provas sugerem justamente o contrário.
Ferimento
Uma das peças desse quebra-cabeças, contudo, é o ferimento causado pela bala que transpassou a cabeça de Nisman.
Muitos suicidas que se matam com armas de fogo efetuam o disparo posicionando a arma ao lado da cabeça ou de frente a ela. Mas a bala que matou Nisman entrou por cima, e por trás de sua orelha direita ─ um cenário não impossível, mas altamente improvável, dizem especialistas.
Outras dúvidas foram lançadas sobre a posição em que a arma foi encontrada. As fotografias tiradas de Nisman pela polícia mostram o corpo contorcido do promotor deitado em uma poça de sangue no banheiro, com a arma debaixo de seu ombro esquerdo, embora o disparo tenha perfurado o lado direito de sua cabeça.
"Uma possibilidade, se ele disparou contra si mesmo, seria que a arma tivesse caído, ou sido lançada para o lado", diz Ignacio Prieto, um dos principais repórteres investigativos da Argentina. "Mas é difícil imaginar como a arma poderia ter feito uma trajetória de 180 graus; é muito estranho".
Na opinião de Prieto, o cenário aponta para o envolvimento de outras pessoas na morte do promotor ─ uma teoria, diz ele, amparada por criminologistas da Interpol, a polícia internacional.
"Os especialistas dizem que a cena foi montada, eles colocaram o corpo de uma certa forma, a arma de outra e até usaram uma toalha para arrumar o corpo".
Testes também não encontraram vestígios de pólvora na mão de Nisman.

Técnico de informática

A arma que matou Nisman era uma antiga Bersa calibre 22. O revólver pertencia a um técnico de computador de 38 anos, Diego Lagomarsino, que trabalhava com o promotor.
Em uma entrevista coletiva caótica depois que o corpo foi descoberto, Lagomarsino negou ser parte de uma conspiração para matar seu chefe. Posteriormente, ele contou à BBC sua versão dos acontecimentos ─ que Nisman lhe pediu a arma emprestada porque não confiava mais nos guarda-costas da polícia que o acompanhavam e queria proteger suas filhas.
"Eu não tinha escolha. Alberto era um homem difícil de dizer não", conta.
Lagomarsino diz que levou a arma ao apartamento de Nisman na noite de 17 de janeiro, um sábado, e então saiu. Ele acrescenta que talvez tenha sido a última pessoa a ver o promotor vivo antes de sua morte por volta do meio-dia de domingo, tal como indica a autopsia.
Mas Sandra Arroyo Salgado diz que Lagomarsino tem mais explicações a dar depois que seus investigadores concluíram que Nisman morreu muito mais cedo, na noite de sábado.
Nisman vinha falando quase sem parar ao telefone com jornalistas e políticos nos dias anteriores a sua potencialmente explosiva acareação no Congresso ─ que deveria ocorrer na segunda-feira ─, mas na noite de sábado esse homem ativo permaneceu atipicamente em silêncio. O jornal de domingo permaneceu intocado do lado de fora de seu apartamento. Por quê?
"Acredito que a hora em que ele morreu foi quando ele parou de fazer telefonemas, porque ele era uma pessoa que falava constantemente ao telefone", diz a ex-mulher.
"É inconcebível, inconcebível que ele não tenha feito uma única chamada por tantas horas. A primeira coisa que ele fazia de manhã, durante todo o tempo em que estivemos juntos, era pegar o jornal, lê-lo e era exatamente o que ele faria já que as notícias sobre ele pipocavam na imprensa".
Protestos
As dúvidas sobre se o caso está sendo investigado de forma imparcial e independente estão sendo sentidas por toda a sociedade argentina.
Exatamente um mês depois que o corpo de Nisman foi encontrado, centenas de milhares de argentinos caminharam sob chuva torrencial por Buenos Aires, protestando contra a impunidade ─ um sentimento de que, mais uma vez, outro crime de grandes proporções inevitavelmente permaneceria sem solução por causa da incompetência judicial e a interferência política.
Por outro lado, a presidente Cristina Fernandéz de Kirchner não parece se incomodar com as dúvidas sobre a isonomia do processo.
Conhecida pelo temperamento combativo, ela tem repetidamente ridicularizado manifestantes e críticos. Sugerindo, inclusive, que alguém tenha matado Nisman como forma de minar seu governo, Kirchner condenou o ex-promotor e seu relatório.
A tensão entre eles data de pelo menos janeiro de 2013, quando a Argentina assinou um acordo com o Irã, estabelecendo a criação de uma "comissão da verdade" para uma investigação conjunta do atentado à Amia. Nisman, que trabalhou sobre o caso por 17 anos e acusou formalmente várias figuras iranianas de alto escalão em 2006, não pôde conter sua raiva.
No rádio e na TV, ele acusou Kirchner e seu chanceler, Hector Timerman, de agir inconstitucional e ilegalmente para interferir no processo judicial.
Nisman argumentaria mais tarde que o governo estava tentando firmar um pacto com Teerã como forma de aumentar o comércio bilateral entre os dois países e ajudar a combalida economia argentina.
Timerman, que tal como Nisman é judeu, disse à BBC ser "inconcebível" que ele, de todas as pessoas, trairia as memórias daqueles que morreram no atentado à bomba e disse que as acusações de Nisman contra ele e a presidente não tinham fundamento.
"Sei que ele rascunhou uma ordem de prisão contra mim e eu me defenderei no tribunal. Somente confio na lei, eu irei ao tribunal para provar minha inocência", diz Timerman, para quem o relatório de Nisman é um documento juridicamente incorreto.
"Fizemos mais do que qualquer outro governo para buscar os culpados por esse terrível crime contra a Amia, mais do que qualquer outro governo", retruca.
Sabe-se, por documentos liberados pelo Wikileaks, que Nisman visitava regularmente a embaixada americana em Buenos Aires. Ele teria tido acesso a briefings secretos de inteligência que provavelmente influenciaram sua investigação sobre o ataque. Nisman também teria ligações estreitas com o serviço secreto de Israel, a Mossad.
Depois que Nisman morreu, Timerman enviou cartas abertas a Washington e a Israel, alertando os dois países a não intervirem em assuntos internos da Argentina.
"Acredito que há países cujos serviços de inteligência operam em outros países sem a autorização desses últimos", disse o chanceler argentino.
Questionado pela BBC sobre se o envio das cartas tem relação com o caso Nisman, Timerman foi lacônico.
"Não enviamos cartas sem provas", retrucou.
Agência de inteligência
O que não está sob dúvida é o papel desempenhado pela agência de inteligência interna da Argentina na vida do promotor e, para alguns, em sua morte também.
Ao longo de décadas, o diretor de operações da SI, como a agência é conhecida, foi Antonio "Jaime" Stiuso, um homem tão esquivo quanto a única imagem que existe dele.
Ele trabalhou conjuntamente com Nisman no caso Amia, fornecendo ao promotor escutas telefônicas e outras informações sensíveis sobre o caso.
Assim como Nisman, Stiuso também caiu em desgraça com o governo após se opor ao controverso acordo com o Irã e quando as divisões chegaram à SI, ele foi demitido. Agora está foragido e acredita-se que tenha deixado o país.
Talvez Nisman tenha pagado um preço alto por tomar um lado num jogo perigoso.
O famoso juiz argentino Luis Moreno Ocampo tem um interesse especial na história. Ele diz que, durante a ressaca dos anos de chumbo da ditadura argentina, espiões exerciam um enorme poder sobre o sistema judiciário, do qual Nisman fazia parte.
"Nas décadas de 1970 e 1980, o nosso sistema de inteligência funcionava como um braço das atrocidades cometidas pela ditadura. Isso já acabou", insiste Moreno Ocampo.
"Mas o caso Nisman expôs que governos democráticos não mudaram o funcionamento do sistema de inteligência. Eles não estão mais cometendo atrocidades, mas gerenciam dinheiro para fins políticos, espionam membros da oposição, controlam juízes e promotores que querem investigar o governo. É isso que temos aqui. E o caso Nisman expôs isso", opina.

Segredos

Numa cidade cheia de segredos e suspeitas, a única pessoa que realmente se aproximou de Nisman e, diz ele, deu ao promotor a arma da qual sairia o tiro fatal foi o técnico de informática Diego Lagomarsino. Mas alguns acreditam que ele também era um agente de inteligência.
Lagomarsino teve, como chegou a ser levantado, um papel na morte de Nisman?
"Não", disse ele enfaticamente à BBC. Seu trabalho era meramente cuidar do computador do promotor argentino.
"Tenho a verdade ao meu lado, eu sei que não fiz isso e isso deixa a minha consciência livre. Deus sabe que eu não fiz isso. Eu sei que não fiz isso. E tudo será provado no final", afirma Lagomarsino, com a voz embargada.
"Quando tudo isso tiver terminado, eles pedirão perdão a mim. Eu os perdoarei", acrescenta.
Esse assassinato vem chacoalhando a Argentina, mas em ano de eleição, o governo do país parece ansioso para encerrar o caso rapidamente e engavetá-lo para sempre.
Integrantes do governo se lançaram numa campanha de difamação de Nisman, acusando-o de ser mulherengo e desviar recursos públicos de seu gabinete. Fotos dele ao lado de jovens mulheres, aparentemente tiradas de seu telefone celular, foram vazadas à imprensa argentina.
Enquanto isso, a investigação de Nisman sobre o acobertamento do caso Amia foi oficialmente arquivada.
A ex-mulher do promotor relembra à BBC uma conversa entre ele e sua filha mais velha dias antes de sua morte, em que ele enfatizava a importância do relatório.
"Ele disse a ela: Eu estou trabalhando por algum tempo em algo muito importante. Você ficará orgulhosa do meu trabalho", conta Salgado, repetindo a conversa entre pai e filha.
"Mas às vezes na vida não escolhemos os momentos em que as coisas acontecem, e tenho de apresentar esse relatório agora, é um grande projeto sobre o qual venho trabalhando por muito tempo e há um risco de que, se eu não o fizer agora, é possível que eu nunca consiga mostrá-lo para o Congresso, e que eu perca o meu emprego", acrescentou Nisman à filha.
Nisman nunca chegou a apresentar o documento ao Congresso argentino. O relatório foi desacreditado por alguns, mas outros que conheciam Nisman dizem que ele estava convencido de que estava perto da verdade e certamente não se suicidaria.
Diante de tantas informações, sobram perguntas.

Reportagem de Wyre Davies
fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/05/150529_quem_matou_alberto_nisman_argentina_lgb#orb-banner
foto:http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/01/comunidade-judaica-na-argentina-pede-justica-apos-morte-de-nisman.html

Itália: Número de menores imigrando sozinhos preocupa autoridades e ONGs de acolhimento

Desenho feito por menor mostra trajeto de barco entre a Líbia e a Itália
Enquanto o Parlamento Europeu discute o número de imigrantes refugiados que cada país terá que receber, a organização Save The Children revela um dado preocupante: o crescente número de menores estrangeiros não acompanhados que, sozinhos, enfrentam as águas do Mediterrâneo ou as montanhas do Afeganistão em busca de uma vida melhor.  A dimensão da emergência se traduz em números: só de janeiro a maio deste ano, foram registrados na Itália 1.686 menores não acompanhados.  
O número está em constante aumento. Segundo dados publicados pelo Ministério do Trabalho italiano, em 2014 foram registrados 14.243 menores não acompanhados – 54% a mais do que em 2013.  Eles provêm de zonas de guerra e conflitos sociais, como Gâmbia, Somália, Eritreia, Síria e Palestina. Mas vêm também do Afeganistão, Grécia, Bangladesh e do leste europeu.  Destes, 95% são do sexo masculino. Eles têm, em média, 17 anos, e 7,4% registram idade inferior a 15. A Sicília e o Lazio – onde fica Roma – são as regiões que mais acolhem os refugiados no país. 
Na Itália, existem duas portas principais de entrada para imigrantes não documentados: por meio do canal da Sicília, atravessado por barco e usado, principalmente, por imigrantes do continente africano, e a cidade de Trieste, que fica na divisa com a Croácia, por onde os imigrantes, vindos de países asiáticos e do leste europeu, chegam a pé ou dentro de contêineres.
Segundo Renato Mingardi, coordenador da área de imigração do Centro de Solidariedade Don Lorenzo Milani, uma ONG de Veneza que trabalha com acolhimento de menores, o número crescente de crianças e adolescentes que imigram sozinhos deve ser visto como uma mudança no paradigma da imigração. “Até há pouco tempo, quem imigrava era o pai ou o irmão mais velho, sempre a figura responsável pela família, economicamente falando. Para os que ficavam, significava não haver mais meios de subsistência”, diz.
Para Renato, o fim das cotas de ingresso para trabalhadores estrangeiros também ajudou nessa mudança. “Agora a história é outra, não tem mais trabalho, a Europa está em crise, então se opta pelo pequeno porque sabem que ele não será repatriado e que receberá, na medida do possível, instrução e educação no país que lhe hospitalizará.” Segundo o educador, existe uma eficiente rede de informação. “Antes de decidirem o processo imigratório, as pessoas se informam. Com a internet ficou muito fácil conversar com quem já enfrentou o mesmo percurso e se informar sobre as leis do país para onde estão mandando os filhos, no caso, as leis italianas”, diz. 
Processo imigratório
“O fato de uma família colocar um filho num barco sozinho é inaceitável para nossa cultura, mas o que você faria se fosse a única chance de salvar teu filho?”, questiona Renato.  Em todo caso, diz, qualquer decisão é tomada em família. É o caso do jovem afegão Mohammed*, que chegou à Itália cinco anos atrás, quando tinha 17 anos. “Foi uma decisão tomada junto com a minha família. Não podia mais continuar no Afeganistão, tinha ficado muito perigoso para mim”, diz.
Apesar de ter organizado tudo com a família, Mohammed não tinha a menor ideia de como seria o percurso até a Itália. “A gente imagina que será de uma forma, mas na verdade é difícil. Se soubesse que era tão perigoso, não teria partido”, diz. Ele não gosta de falar sobre a viagem porque “traz horríveis lembranças”.
Mohammed deixou o Afeganistão com US$ 300 (cerca de R$ 950) e chegou à Grécia com US$ 50 (aproximadamente R$ 160). Metade da viagem já havia sido paga por seus pais antecipadamente. “Esse é um modo para estabelecer contato com os traficantes de pessoas e chegar ao país já sabendo onde deve ir e quem procurar, facilita um pouco o percurso”, diz.  Ele explica que carregar muito dinheiro para pagar os traficantes durante a viagem é perigoso porque  “eles acabam sabendo e podem te roubar ou matar para tê-lo”. “Durante a viagem, você trata com vários passer [como são chamados os traficantes humanos], um ou mais de um em cada país que pisa. A rede é criminosa e muito perigosa.”
“Ninguém faz uma viagem dessas por fazer. Quem entra nessa história é porque realmente não vê outro modo de escapar. Eu achei que morreria. Várias vezes quis voltar para casa, mas não podia”, diz.  O jovem afegão atravessou quatro países até chegar à Itália. Brincando, disse que nunca andou tanto na vida: caminhou em trechos entre o Afeganistão e atravessou a pé a fronteira entre o Irã e Turquia. De lá, conseguiu um lugar num velho barco em direção à Grécia, que, porém, afundou em meio ao mar. “Lembro-me de famílias com crianças de colo e nós, com a água batendo no peito, tendo que encher um bote inflável com a boca para não morrer ali no meio do nada.”
“Na Grécia, conheci um grupo de 21 afegãos e me juntei a eles. Pagamos um passer que nos colocou num contêiner dentro de um caminhão que estava vindo para a Itália. O caminhão pegou a balsa com destino ao porto de Brindisi [no sul da Itália]. Mas o caminhoneiro só nos liberou quando estávamos no norte do país, próximos a cidade de Pádua”, diz. Mohammed e o grupo foram detidos pela Polícia Rodoviária e encaminhados a um centro de identificação de imigrantes. Posteriormente, ele foi levado ao abrigo Don Lorenzo, onde conheceu Mingardi.
Libertar o cérebro
Mas a história imigratória da família de Mohammed começou antes que eles decidissem que o garoto partiria sozinho para a Itália. “Na época dos talibãs, era muito difícil para as mulheres poderem estudar, assim sendo, meus pais nos levaram para o Paquistão e minhas duas irmãs puderam seguir com os estudos. Ficamos lá até a chegada dos americanos. Meu pai acreditou na história que contaram, de que foram levar a paz, e resolveu voltar para sua terra. O problema é que, quando chegamos, vimos que não era nada daquilo que tinham contado. Nos sentimos enganados. Desde então, reina a insegurança no Afeganistão. Os americanos não foram lá levar a paz, mas a guerra, nos engaram, usaram nossa terra para testarem suas armas.”
O jovem fala todas as semanas com seus pais e eles continuam a dizer que a situação é insuportável. “Meu país ainda está em guerra”, diz.  Apesar de ter um contrato de trabalho e de poder trazer seus pais para a Itália, ele diz que, nesse momento, não pensa nisso. “Penso em minhas irmãs. Elas não podem ser deixadas sozinhas lá, é muito perigoso ser uma jovem mulher no meu país, prefiro que meus pais fiquem com elas para protegê-las”, diz.
Mesmo já tendo passado cinco anos da sua viagem, Mohammed não consegue “se dar” paz. Foi em busca de tranquilidade que o jovem decidiu deixar o trabalho de mediador cultural e intérprete nas comissões que julgam pedidos de asilo político. “Era como rever minha história sempre, mas eu queria esquecê-la. Gostava daquele trabalho, mas tive que parar, porque precisava libertar meu cérebro.”
Bombas em Gaza
A história de Yusuf*, de 16 anos, não é muito diferente da de Mohammed.  Ele fugiu de Gaza com o amigo Ahmed, também de 16 anos, e chegou a Lampedusa em fevereiro passado. Foi levado ao centro de acolhimento da ilha, onde a ONG Save the Children presta assessoria jurídica e serviços de mediação cultural. Yusuf contou sua história aos voluntários da ONG que o acolheram. Segundo o adolescente, ele deixou Gaza por causa da guerra. “Você não pode caminhar 200 metros sem saber se uma bomba vai explodir ao seu lado. Tudo ao meu redor era guerra e morte. Fugi porque queria mudar minha vida”. 
Yusuf, que não frequentou a escola e mal sabe escrever seu nome, relatou com precisão a viagem de 13 horas, de barco, para a Itália. "Fomos colocados em um barco onde o capitão nos disse estávamos indo para a Itália. Tivemos de comprar os nossos próprios coletes salva-vidas. Aqueles que não puderam pagar ficaram sem. Havia cerca de 250 pessoas no barco. Os traficantes tinham armas e nos ameaçaram. Não podíamos falar com eles, caso contrário, disseram que nos jogariam no mar ou atirariam em nós. O barco estava com problemas e parou duas vezes. As mulheres e crianças começaram a chorar. Entrava água no barco e ficamos com medo de afundarmos. Foi aí que o capitão chamou a guarda costeira italiana, que veio nos resgatar.”
Desaparecimentos
Dentro da questão dos menores estrangeiros não acompanhados que chegam à Itália, existe uma realidade ainda mais assustadora: os menores que simplesmente desapareceram. Dos 14.243 menores não acompanhados registrados na Itália ano passado, de 3.707 se desconhece o paradeiro. Existe uma investigação no Ministério Público de Palermo que indaga o problema.  Segundo Amália Settineri, procuradora do caso, essas menores podem estar sendo usados pela máfia para o tráfico de drogas e até mesmo para trabalho nos campos agrícolas no sul do país.
Para Carlotta Sami, porta voz do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) para o sul da Europa, os dados são “alarmantes”. “Estes menores têm direito a proteção internacional”, diz. O ministro do Interior, Angelino Alfano, porém, observa que esses menores têm entre 16 e 18 anos e que trazem no bolso um contato de parente ou amigo de família que mora em algum país da Europa. “O que quer dizer que quem desaparece não necessariamente é porque caiu nas mãos da máfia”, afirma.
Já Mingardi, da ONG Don Lorenzo, diz que existem duas variáveis que fazem esse número ser tão relevante. “A realidade é que muitos não querem ficar na Itália e desaparecem dos centros de acolhimento antes de serem identificados, porque o destino final do processo imigratório deles não é a Itália e sim outro país. Outro ponto é a situação problemática das estruturas de acolhimento na Itália: são superlotadas, não oferecem um percurso de integração e deixam os garotos sozinhos”, diz.
O educador também aponta o dedo para o Tratado de Dublin, que obriga os imigrantes a pedirem asilo no primeiro país onde colocam os pés. “Então se desembarcam na Itália e não pretendem ficar, fogem antes de serem identificados para poderem fazer o pedido de asilo no país que escolheram como destino”.
Segundo uma pesquisa realizada em 2014 pela Comissão Europeia, que se intitula European Migration Network, o número de menores estrangeiros não acompanhados com direito à proteção internacional é em crescente em toda a comunidade. Mas, dos 12.685 menores registrados ano passado em toda a Europa, menos de mil entraram com pedido de asilo na Itália. O destino preferencial desses menores é Alemanha, França, Inglaterra, Áustria e Suíça. “O que prova a tese de que a maioria não quer ficar na Itália”, diz Mingardi.
Em relação à precariedade e superlotação das estruturas de acolhimento, a senadora Silvana Amati, do Partido Democrático, denunciou a situação no parlamento. “As comunidades estão superlotadas e são insuficientes em relação ao número de menores que devem receber, como consequência direta muitos menores não encontram abrigo e acabam sendo colocados em estruturas para adultos ou acabam fugindo de mais uma situação de deságio social”, disse.
Para tentar reverter o problema, o Ministério do Interior liberou 4,5 milhões de euros para programas de acolhimento neste ano.

Reportagem de Janaína César/Roma
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/40535/italia+numero+de+menores+imigrando+sozinhos+preocupa+autoridades+e+ongs+de+acolhimento.shtml
imagem:Héðinn Halldórsson/Save The Children/

29/05/2015

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Argentina: “Hay que democratizar el Poder Judicial”

Jueces, fiscales, legisladores, dirigentes políticos y militantes de derechos humanos debatieron sobre la judicialización de la política y la politización de la Justicia. Advirtieron sobre los vínculos de la corporación judicial con los poderes concentrados.




“¿Cuándo se judicializa la política? Cuando no se tiene mayoría. La judicialización es el resultado de la debilidad de los poderes conservadores, que embarran la cancha para tratar de evitar una mayor legitimidad de la transformación y la ampliación de derechos. La politización de la Justicia es lo contrario, es lo que tenemos que hacer, es la razón del surgimiento de Justicia Legítima.” La reflexión del ex canciller Jorge Taiana cerró el último panel del tercer encuentro nacional de Justicia Legítima, que se desarrolló ayer ante un colmado auditorio de la Biblioteca Nacional y del que participaron no sólo jueces y fiscales, sino también dirigentes políticos, militantes de derechos humanos, una antropóloga y un periodista.
“Somos una molestia para el statu quo judicial y está bien que lo seamos”, dijo con orgullo la jueza María Laura Garrigós de Rébori. La presidenta de Justicia Legítima recapituló la historia reciente y sugirió que “somos un actor importante al menos periodísticamente: todas las semanas aparecemos en los diarios, no siempre para bien”. Destacó como un logro haber pasado de “una anarquía asambleística” a una asociación con núcleos en varias provincias, recordó la división de los actores judiciales ante el debate por la democratización de la Justicia y dijo que conserva “más de 50 comunicados contra esas leyes”. “Todos tienen el mismo lenguaje. Algún día alguien estudiará si fue una única mano”, propuso. “Las decisiones del Ejecutivo respecto del Poder Judicial dividieron aguas y nosotros quedamos de un lado, no porque estemos con el Ejecutivo, sino porque queremos democratizar el Poder Judicial”, afirmó. Durante el último año “los medios nos convirtieron en enemigo número uno y algunos de nuestros miembros aparecieron como ‘el fiscal de JL’ o ‘el juez de JL’, sin decir nada pero dando a entender que no eran buenos”, recordó. “Ultimamente ese achaque de que actuábamos políticamente trascendió y los que no están con nosotros también demuestran su ideología política”, agregó y citó al fallecido Enrique Petracchi: “El juez que cree que no tiene ideología es un cangrejo que no sabe que es crustáceo”. “Hoy ya nadie niega que la realidad se lee a través de la ideología, así que esa pretendida crítica tuvieron que dejarla de lado y las cosas son más transparentes”, celebró.
Leopoldo Moreau, que se presentó como “el último mohicano del radicalismo”, explicó que la politización de la Justicia se dio “a medida que la democracia aumentó sus tensiones con los grupos corporativos” y diferenció los ’90, cuando “buscaban resguardar privilegios que esa etapa les otorgaba”, de la última década, cuando “judicializaron la política para contrarrestar los avances de la democracia”. Lamentó que el fenómeno “implica la renuncia de la política a su rol” y que “adquirió una particular visibilidad y salvajismo”. El dirigente radical consideró que “el caso Nisman desnudó la existencia de una mafia judicial articulada con las mafias de los servicios de Inteligencia, todos ellos sirviendo a intereses corporativos, que creyeron que se daban las circunstancias para crear un golpe blando en la Argentina”. Lamentó que “miembros de la Corte que rumiaban sus diferencias con los intentos de democratización hayan decidido ponerse a la cabeza del partido judicial” y calificó como “un episodio patético” al “proceso anticipado de reelección del presidente de la Corte, que puso al desnudo que su titular trabaja en inteligencia con los sectores de la oposición que sistemáticamente bloquean la posibilidad de completar su integración”. Por último consideró que la democratización judicial es una deuda pendiente de la democracia y destacó la importancia de introducir el tema en el debate electoral.
Hugo Vaca Narvaja, juez federal de Córdoba, repasó la historia que dio origen al control de constitucionalidad difuso por el cual todo juez puede declarar inconstitucional una ley del Congreso. “Si es bueno o malo depende del grado de responsabilidad de los magistrados”, explicó, y recordó que “en los últimos tiempos vimos por ejemplo a un juez dictar una cautelar sobre una ley como la de medios”. “Ahí podemos palpar la gravedad de la invasión de poderes. ¿Cómo un juez de primera instancia de cualquier lugar del país puede paralizar una ley sancionada por casi todos los representantes del pueblo?”, planteó. “Es la discusión de fondo de este sistema”, sostuvo, y consideró que la declaración de inconstitucionalidad “debe ser utilizada de manera escueta y puntual ante situaciones de gravedad”. Durante sus seis meses como juez lo hizo dos veces: para cuestionar la facultad del Servicio Penitenciario de Córdoba de mantener a los internos encerrados durante casi 24 horas en celdas de 2x3 y “por las requisas íntimas a las que sometían a los parientes de los internos”. “Mi postura tuvo muchísima resistencia del Ministerio Público Fiscal, es una lucha diaria”, admitió, y aclaró que “accedí a la magistratura desde la calle, de donde sólo ingresa el siete por ciento de los aspirantes”. “Me siento una especie de oso panda judicial”, bromeó.
Alicia Ruiz, jueza del Tribunal Superior de Justicia porteño, reflexionó a partir del “pánico moral que asalta a algunos sectores” cuando se habla de judicialización de la política o viceversa. Partió de la base de que la sociedad está atravesada por conflictos que expresan y cuestionan relaciones de poder. “El antagonismo es un dato que no puede ser eludido ni erradicado”, advirtió, y lo contrastó con “el discurso de la institución judicial, que elude su carácter social y político”. “Muchos jueces sirven a fines que desconocen. La distancia entre lo que creen que hacen y lo que hacen tiene efectos perversos cuando se trata de afianzar modelos democráticos de organización social y política”, advirtió. Explicó que “derecho y política son en algún punto inseparables” y que la particularidad actual es que “estamos enfrentados a dos modelos que pugnan por la hegemonía”. El desafío es no perder de vista que “el derecho sirve en la medida que puede diferenciarse de otros subsistemas sociales”. “Si los jueces creen que tienen que regir los destinos de la Nación defendiendo un proyecto en términos de la política, tienen que dejar ese lugar y trasladarse a otros lugares. Quienes defendemos la democratización no queremos abandonar el espacio de la lucha contrahegemónica, queremos defenderlo en los términos y con los límites en que es posible desde el Poder Judicial”, diferenció. “Es una batalla que vale la pena dar y que desde el espacio del derecho estamos en condiciones de dar de manera peculiar pero con fuerte incidencia en la vida de todos”, concluyó.
El primer panel lo cerró la defensora general Stella Maris Martínez. Reivindicó que integren Justicia Legítima personas que no provienen de la corporación judicial pero también quienes ocupan altos cargos porque “luchamos contra las malas prácticas que nos dan ventajas”. Admitió que desde el Poder Judicial “estamos dando una imagen espantosa” aunque consideró que “la gran responsable de todo esto es la política”. “Más de 30 años de democracia no han alcanzado para construir una política a la altura de la República, de la democracia. El rol que algunos colegas están ocupando, a mi entender equivocados, es porque no hay un movimiento político que tome su lugar y dé alternativas, enfrente, represente”. Actores judiciales ocupan el lugar de la política “con instrumentos muy peligrosos: es terrible que el Parlamento apruebe una ley y un grupo impida que se aplique con un amparo”, advirtió. Celebró la aprobación en el Senado de las leyes orgánicas de los ministerios públicos fiscal y de la defensa pero advirtió que “ya hay personas que se han juntado buscando sobre qué punto pueden plantear la inconstitucionalidad”. Recordó el avance que significa la ley de ingresos democrático y contó que no faltan defensores enojados que le plantean “¿cómo no voy a poder nombrar a mi hijo?”. Al final propuso “empujar, reclamar, insistir, reivindicar valores verdaderos y sumar a la sangre nueva”. “Tenemos que tratar de estar en todas partes, que nos sigan diciendo que somos los malos, que no nos puedan hacer callar”.
El fiscal Félix Crous recordó que “la politización de la justicia no es un fenómeno nuevo” sólo que “cuando se politizó en términos elitistas, aristocratizantes y antipopulares no mereció una crítica feroz”. Destacó que “todos los anticuerpos del Poder Judicial se activaron ante las leyes para democratizarlo” y repudió a quienes “se atribuyen para sí una suerte de tercera Cámara del Congreso que con un uso bastardo de las cautelares están dispuestos a neutralizar la actividad legislativa”. Se mostró pesimista sobre una reforma desde el Poder Judicial. “Sólo se podrá afectar este panorama por la acción de la política, que es la más pura de una sociedad organizada. Nada bueno se puede esperar de los recursos con los que cuenta el Poder Judicial en sus entrañas”, advirtió.
La antropóloga María José Sarrabayrouse hizo una detallada caracterización del Poder Judicial, repasó privilegios naturalizados como la exención del Impuesto a las Ganancias o el carácter vitalicio de la magistratura, contrastó la visión de un rol “pretendidamente neutral” de los operadores frente a la política como “el reino de la parcialidad” y como consecuencia la negación “del carácter político de la conformación judicial”.
Noemí Labrune, histórica militante de la APDH Neuquén, contó la experiencia local de la reforma del Código Procesal y del juicio por jurados y coincidió con Crous en que “el Poder Judicial es una roca muy dura y hace falta una fuerte incidencia de lo político” para modificarlo. El periodista Roberto Caballero destacó la importancia de que “los jueces entiendan que es un trabajo y no un título nobiliario” y consideró que en su actual conformación “la Corte es la expresión bonsai” de la que existió hace una década.
Taiana definió el rol histórico de la administración de justicia como “legitimadora de un orden social injusto y desigual” y consideró la estrategia de reformarla “fue limitadísima”. Durante el gobierno de Raúl Alfonsín destacó “la moderación en el sistema político” y el hecho de que “el Juicio a las Juntas relegitimó al Poder Judicial en su conjunto, con lo cual pudo evitar transformaciones más profundas”. En los ’90, el primer intento de reformar el Código Procesal Penal se frustró “por la resistencia de la estructura de poder, en particular de los jueces federales”. “Esa deuda se está tratando de saldar”, dijo, y citó como ejemplo “la media sanción de ayer (por el miércoles) en el Senado, que la oposición y la prensa concentrada presentan como una especie de crimen de lesa humanidad”. La renovación de la Corte a partir de 2003 fue “un paso formidable pero limitado”, dijo. “Se pensó que una buena Corte iba a permear doctrinas e interpretaciones que mejoraran el sistema en su conjunto pero no sucedió, seguimos teniendo una estructura judicial muy elitista, muy ineficiente y muy subordinada a los poderes concentrados”, lamentó. “Esa tarea pendiente efectivamente no va a ser un proceso de auto-renovación desde adentro. Se puede avanzar en propuestas pero el rol político esencial de la administración de justicia, que es garantizar la justicia para todos y en particular los derechos humanos y los derechos económicos, sociales y culturales de los más vulnerables, requiere de una transformación que tiene que venir desde afuera del Poder Judicial: desde el sistema político y probablemente ni siquiera del Parlamento sino de una reforma constitucional”, afirmó Taiana. “Es una tarea política para todos los que estamos aquí en cuanto reclamo y exigencia para el próximo gobierno, y si es del Frente para la Victoria con mucha más razón”.

fonte:http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-273780-2015-05-29.html
foto:http://doomar.blogspot.com.br/2012_01_01_archive.html

Os novos ‘inquisidores’ tomam conta da rede

Em 19 de agosto de 2014, uma jovem jornalista e escritora decidiu publicar no Twitter suas impressões sobre o machismo vigente na sociedade espanhola e começou a enumerar situações do seu “dia a dia” que lhe pareciam sexistas. Começou: “Fui à biblioteca estudar como todas as manhãs e o rapaz que estava na minha frente me perguntou se queria tomar um café”. A shitstorm (“tormenta de merda”, como chamam os especialistas) que ela provocou é das mais angustiantes de que se tem notícia. “Você é muito feia para eu te convidar para um café”, “Menos biblioteca e mais médicos para tratar seu retardamento”, “Fique tranquila, ninguém vai violar alguém como você”, “Te convidar para um café não sei, mas jogar amendoins com certeza”, “Como seus pais se conheceram? A única hipótese que cogito é que sejam irmãos”... São apenas alguns dos exemplos menos ofensivos entre as barbaridades que disseram a ela durante os dias que se seguiram: milhares de tuítes, alguns com imagens desagradáveis e de sexo explícito. Ela apagou seu post alguns dias depois, mas no lugar deste continuou circulando a captura de tela de suas palavras para poder manter a orgia de piadas embora ela não quisesse permanecer no olho desse furacão.
À margem de se a percepção dela foi exagerada ou não, desatou-se uma violência verbal contra essa jovem que ainda não se diluiu. Ela já não quer nem falar do assunto. Aquele tuíte significou tornar-se alvo dos mais indecentes e tenazes machistas da Rede; dias, semanas e meses de piadas sexistas. Não é casual que esses linchamentos tenham um viés claramente machista: embora as mulheres representassem 53% dos usuários do Twitter no começo de 2013, estudos posteriores mostraram um declive dessa proporção em favor dos homens, possivelmente porque o ecossistema da internet continua destilando muita testosterona. 72,5% dos casos de cyberbullying é sofrido por mulheres, segundo a organização Trabalhando para Deter o Abuso Online (WHOA, da sigla em inglês). As jornalistas recebem o triplo de mensagens abusivas que seus colegas homens, segundo Demos, e até a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) mostrou-se “alarmada” em fevereiro pelo crescente número de ameaças a mulheres jornalistas em ambientes digitais. Como explicou recentemente um artigo do Washington Post, são muitas as vozes feministas que estão dando um passo para trás na internet para fugir do clima irrespirável. A maior shitstorm da história provavelmente seja o Gamergate, que estalou também em agosto passado, no qual os homens da comunidade de videojogos atacaram grosseiramente as mulheres que criticavam o sexismo do setor.
Quando o Twitter começou a fazer sucesso na Espanha, começaram a acontecer raides em que os tropeços de um famoso congregavam uma multidão que se lançava sobre ele e, depois de desfrutar de um momento de massacre entre chacotas, insultos e hashtags, a manada se dissolvia tão fugazmente como tinha caído sobre a presa. Um caso excepcional foi aquele que David Bisbal escreveu durante a Primavera Árabe: “Nunca se viram as pirâmides do Egito com tão pouco trânsito, tomara que logo acabe a revolta”. A gozação que desencadeou ainda ressoa nos limites da galáxia interneteira. Naqueles mesmos dias, alguns tuítes parodiando o antissemitismo deixaram o diretor de cinema Nacho Vigalondo sem seu blog neste jornal. A imprensa começou a colocar entre as notícias mais vistas esses tropeços que incendiavam as redes sociais, gerando um ciclo de feedback com os usuários. Mas de um tempo para cá o fenômeno está ficando cada vez mais indiscriminado: não importa se é um político, um personagem popular ou um Zé ninguém. Não estamos dispostos a tolerar um deslize, nem sequer se tolera o arrependimento. Fazemos uma captura de tela de tudo para que não se possa esconder seu erro apagando-o, embora esse gesto equivalha a reconhecer de forma bastante explícita o equívoco.
É algo que está acontecendo em todo o mundo e talvez o exemplo mais paradigmático seja o que sofreu Justine Sacco. A vida dela descarrilou para sempre por culpa de um tuíte estúpido, uma piada infeliz e fora de lugar que provocou uma das maiores cenas de linchamento digital de que se tem notícia. Em apenas algumas horas, essa jovem relações-públicas com uma bem-sucedida carreira em Nova York passou do mais aprazível dos anonimatos ao estresse pós-traumático, a noites de pesadelos e porquês. Foram apenas 65 caracteres, não fez falta usar os 140 que o Twitter permite. Sacco publicou estas palavras justo antes de embarcar para a África do Sul para passar o Natal com a família: “A caminho da África. Espero não pegar Aids. É brincadeira. Sou branca!”. Foi o último tuíte de uma réstia de piadas horríveis e pouco corretas. Durante meia hora, até desligar o telefone celular dentro do avião, ela ficou atualizando a tela, mas ninguém deu bola. Tampouco ficou surpresa que seu tuíte tenha passado tão despercebido como os anteriores; ela só tinha 170 seguidores, garantia de escasso impacto. Em geral, um tuíte que não recebeu nenhuma interação durante esse tempo cairá no poço do esquecimento para sempre.
Mas isso não aconteceu. Logo depois de aterrissar, ao ligar o celular, tinha uma mensagem de alguém que não via desde os tempos de colégio: “Sinto muitíssimo ver o que está acontecendo”. O tuíte não apenas não tinha passado despercebido como também se tornou alvo de centenas de milhares de mensagens indignadas pelo racismo que destilava. O assunto foi o mais comentado nessa rede social durante horas e sua autora foi imediatamente julgada, condenada e sentenciada enquanto tirava um cochilo a 10.000 metros de altura: Sacco era uma “patricinha branca racista que zombava do sofrimento na África”. Vários tuítes pediam sua morte, desejavam-lhe violações que a contagiassem com o vírus da Aids e exigiam que sua empresa a despedisse. Este último objetivo se cumpriu imediatamente, depois que todos os meios de informação contaram como as redes sociais tinham descoberto o racismo da relações-públicas de uma importante companhia editorial. Tudo isso aconteceu durante as 11 horas do voo de Sacco, sem que a jovem pudesse se explicar ou se desculpar, apagar seu tuíte ou eliminar seus perfis de outras redes sociais que foram convenientemente estripados. Ninguém ficou do lado dela, ninguém publicou que talvez aquilo tudo fosse um exagero. O fenômeno foi tal que inclusive houve quem tenha ido do aeroporto da Cidade do Cabo para fotografar o momento em que Sacco chegava, para informar ao mundo.
“E então meu telefone começou a explodir”, recorda a própria Sacco no livro que o jornalista Jon Ronson acaba de publicar (So you've been publicly shamed, Pilcador, “Então você foi humilhado publicamente”), resultado de três anos dedicados a descobrir o que resta das pessoas que, como Sacco, passaram por esse terrível processo de desonra e vexame, uma espécie de apedrejamento na praça pública global que deixa cicatrizes em forma de resultados no Google. Sacco explicou a Ronson que seu tuíte só pretendia parodiar essa mentalidade tão de norte-americano branco que acredita viver numa bolha que o protege. Mas dá no mesmo. Uma vez que a manada digital desembesta é impossível detê-la e a sentença te acompanha para sempre: cada vez que alguém te procurar na internet, sua imagem devolverá esse retrato disforme e monstruoso criado com recortes de manchetes sensacionalistas, frases retiradas do contexto e fotos de seu passado resgatadas para te humilhar.
“Justine Sacco é a primeira pessoa que entrevistei que tinha sido destruída por nós”, escreve Ronson. Ele também entrou em contato com Lindsey Stone, uma jovem que compartilhava com uma colega uma diversão boba: fotografar-se desafiando cartazes. Fumando diante de cartazes de “Proibido fumar”, por exemplo. Até que em uma viagem de trabalho foram visitar o célebre cemitério de Arlington, em Washington, no qual repousam os que morreram pelos EUA. Lá, diante de um cartaz que pedia “Silêncio e Respeito”, Stone fotografou-se com o punho fechado e o dedo anelar esticado e fingindo gritar. E a amiga postou a foto em sua página do Facebook. Um amigo veterano de guerra disse a elas que a foto era desagradável, mas Lindsey explicou que se tratava de uma piada habitual e que não pretendia ser ofensiva. A foto caiu no esquecimento até que, quatro semanas depois, começou a percorrer foros e redes por causa da indignação dos mais patriotas. De novo, ameaças de morte e de violação, às quais se somaram insultos vexatórios por seu sobrepeso. E de novo um desejo cumprido imediatamente: que a jovem perdesse seu emprego. A caixa de mensagens da Life, a ONG que cuida de adultos com pouca capacidade intelectual em que Lindsey Stone trabalhava, se encheu de raiva contra a funcionária. “Literalmente, da noite para o dia perdi tudo o que conhecia e amava”, explicou algum tempo depois a jovem, que passou um ano sem sair de casa, afundada numa depressão, com noites truncadas por pesadelos.
A turba nasce nas redes, mas pode se tornar em algo muito real. Em maio do ano passado, uma tragédia sacudiu a Colômbia quando 33 meninos morreram queimados em um acidente de ônibus. Antes de entrar na aula em sua faculdade,Jorge Alejandro Pérez Monroy começou a tuitar piadas muito desagradáveis sobre a desgraça. Quando saiu da aula, uma multidão pedia sua cabeça diante de sua sala, disposta a linchá-lo. Ele só pôde sair dali depois que agentes anti-distúrbios investissem contra a multidão e vestido como um deles. Teve de mudar de celular, de faculdade, de curso e até de nome.
“Nesses casos é ativado um componente de suposta justiça, no qual os linchadores se agarram com raiva a algum elemento moral que o justifique”, explica o sociólogo Javier de Rivera, especialista em redes sociais, coincidindo com as conclusões a que o próprio Ronson chega em seu relato. Os justiceiros da Web acreditam estar fazendo o bem, pondo as coisas em seu lugar, e que a única forma de fazê-lo é mediante essa humilhação pública. Ronson recorda que em 1787 se iniciou um movimento cívico nos Estados Unidos para acabar com o castigo da desonra pública, considerado mais cruel que os castigos físicos —mais regulados e que deviam ser infligidos em privado. De Rivera considera que são reproduzidas as normas de agressão básicas da antropologia: desumanizar e justificar. No Twitter, com seus 140 caracteres e as pequenas fotos de perfil, é fácil ignorar a empatia se não queremos estragar o espetáculo. Porque em todos esses casos foram poucos os estraga-prazeres que se atreveram a dizer: “Estamos nos excedendo”.
O linchamento funciona como espetáculo, como sempre foi. Mas, além disso, se incorporam outras dinâmicas digitais: “Talvez o diferencial seja que nas redes sociais temos de estar conscientes de que aquilo que fazemos pode acabar sendo criticado em qualquer parte do mundo, e por muita gente. Muito mais do que esperamos. Por isso, o linchamento digital tem uma dimensão, alcance e velocidade que não esperamos”, explica Esteban Moro, especialista em redes sociais da Universidade Carlos III de Madri. Em qualquer caso, o ecossistema digital espanhol parece menos propício a uma terrível tempestade perfeita contra um usuário porque está tão polarizado que qualquer tuíte ofensivo para muitos é rapidamente defendido por outros tantos. Para os que se enredam mais frequentemente nessas rinhas, as regras da turba e seus perigos são bem conhecidos, ao contrário do que ocorreu com as incautas dos casos anteriores. Todos os tuiteiros briguentos são bastante conscientes do que fazem quando retuitam barbaridades de outros e quando desejam que o seu erro fique registrado no Google, para prejudicar tanto agora como no futuro.
Talvez todo esse clima de tocaia tenha provocado o aparecimento de uma espiral de silêncio nas redes sociais, como mostrou um recente estudo do Pew Research: os internautas temem abordar determinados temas ou posições porque sabem que podem gerar uma resposta negativa contra si. E já não é só uma contestação negativa de um amigo ou conhecido, podem ser milhares de pessoas de qualquer ponto do planeta que desancam uma opinião sua. O problema é tão grave que até o próprio chefe do Twitter, Dick Costolo, reconheceu abertamente em um relatório interno vazado para a imprensa: “Não é nenhum segredo e todo mundo fala disso. Perdemos usuário após usuário por não enfrentar a questão dos assediadores. Nós somos péssimos na forma de lidar com os abusos e temos sido péssimos há anos”. Em março, a plataforma incluiu novas opções para que os usuários possam denunciar com mais facilidade os abusos. No entanto, como afirma uma das vítimas do Gamergate: “Tal como está estruturado atualmente, o Twitter ganha durante as campanhas de assédio, e nós perdemos”.
E depois? Os buscadores se transformam em uma cicatriz monstruosa no currículo das vítimas dos linchamentos digitais. Sacco e Stone produzem centenas de milhares de resultados no Google (a primeira foi objeto de 1,2 milhão de acessos ao Google naqueles dias). São pessoas comuns, obrigadas a fazer um mestrado apressado de gestão de crises e de defesa de sua imagem pública. “No momento, o melhor é não fazer nada. Qualquer tentativa vai ser vista com maus olhos, como um ato de censura, e vai gerar mais problemas”, diz o advogado Samuel Parra, do ePrivacidad.es, um escritório especializado em solucionar esses problemas. Essas pessoas anônimas têm de assistir silenciosas ao seu esquartejamento público e, depois de semanas ou meses, tentar recompor discretamente os pedaços. Aqui, como no caso dos políticos corruptos, não se aplica o tão na moda “direito ao esquecimento”, torpedeado pelo Google e que, na realidade, só é concedido em casos contados nos dedos, pouco divulgados e que ocorreram há décadas.
A única forma de resgatar a sua imagem das areias movediças do Google é tentar mudar pessoalmente os resultados, um “direito ao esquecimento” pago para os que podem dar-se ao luxo. Recorrer a especialistas que evitem que o mais horrível apareça entre as primeiras respostas do buscador. Parra, por exemplo, conseguiu anos depois que todas as páginas de Internet que publicaram um topless da revista Interviú o apagassem de seus servidores, fazendo com que desaparecesse do buscador. “Somos donos de nossa imagem, ninguém pode fazer circular uma foto nossa sem nosso consentimento”, explica. Às vezes, a melhor estratégia é criar conteúdo para empurrar para baixo os maus resultados —90% das pessoas não olham mais do que os primeiros links que o Google relaciona—, como fazem na Eliminalia: “As pessoas podem chegar a ficar traumatizadas pelo medo de que sua imagem online as impeça de encontrar trabalho”, afirma seu presidente, Didac Sánchez. Essa empresa, segundo Sánchez, ajudou um homem que foi assediado após se declarar antiaborto em redes sociais e um jovem perseguido depois de postar no YouTube um vídeo de denúncia de brutalidade policial na Catalunha.
Apesar disso, Parra não acha que estamos mais conscientes deste perigo: “As pessoas se preocupam unicamente quando chega a catástrofe, não há prevenção”. Os internautas deveriam aprender a se mover com cuidado, a conhecer as opções de privacidade de cada plataforma. Mas é uma responsabilidade exclusiva dos usuários? Twitter reconhece que “é uma porcaria” na hora de enfrentar os assédios. No caso de Lindsey Stone, a jovem admite que não sabia como estavam configuradas suas opções de Facebook: a foto era pública, por que assim estava por default, mas nem ela nem sua amiga sabiam disso. “Pensei muito nisso estes meses. O Facebook funciona melhor e ganha mais dinheiro quando todo mundo compartilha as coisas”, diz no livro de Ronson, que calculou que a buscas relacionadas com Justine Sacco proporcionaram ao Google centenas de milhares de dólares de lucro. Todos somamos nosso grão de areia em cada humilhação pública, mas sem dúvida há uma responsabilidade compartilhada por estas empresas que são a areia onde acontecem esses linchamentos. Cada vez que acende a pira dos inquisidores 2.0, há uma conta de lucros crescendo no calor das chamas no Vale do Silício.
Monica Lewinsky resume isso perfeitamente, agora que acaba de romper um longo silêncio que durou 17 anos, nos quais esteve lutando para recuperar as rédeas de sua vida, depois de cometer um erro de juventude: apaixonar-se pela pessoa equivocada, ter uma aventura com o presidente Bill Clinton enquanto era estagiária na Casa Branca. No dia 19 de março realizou uma conferência comovedora e combativa na qual relatou o inferno que quase a levou ao suicídio enquanto os demais brincavam com vestidos manchados. Para ela, o horror aconteceu antes da era das redes sociais, mas graças a fóruns e e-mails foi vítima do cyberbulling antes mesmo da invenção do conceito. Lewinsky fala porque quer lutar contra esta “cultura da humilhação” que se instalou na sociedade. “A humilhação pública é uma mercadoria e a desonra, uma atividade econômica. Como se ganha dinheiro? Cliques. Quanto maior a humilhação, mais cliques. Quanto mais cliques, mais renda com publicidade. Estamos em um ciclo alarmante (...) e alguém está ganhando dinheiro com o sofrimento de outras pessoas”. Para que a “humilhação como esporte” desapareça, Lewinsky —licenciada em psicologia social pela London School of Economics— propõe compaixão e empatia, colocar-se no lugar da pessoa que recebe tuites e manchetes.
“É preciso fomentar o aprendizado digital, integrar seu uso em nossos valores, para gerar outras dinâmicas menos destrutivas”, sugere o sociólogo De Rivera. Os usuários das redes sociais devem ser conscientes de que por trás de cada perfil há uma pessoa que, por pior que tenha sido seu erro, pode sofrer as consequências fora do ambiente digital e por muito tempo depois do aqui e agora. Uma demonstração exemplar de empatia foi realizada pela historiadora britância Mary Beard, assediada online por suas palestras feministas. A princípio, submetia seus assediadores à ignomínia para lhes dar uma lição, aproveitando seus muitos seguidores nas redes. No entanto, mais tarde, compreendeu que isto poderia prejudicá-los pessoalmente e começou a realizar conversas privadas com eles e inclusive a escrever cartas de recomendação. “Embora seja muito tonto, imprudente e nesse momento não muito agradável, não acho que um tuíte deveria arruinar suas perspectivas de emprego”, explicava Beard sobre seu assediador. Uma verdadeira lição vital.
Depois de conversar com uma dezena de pessoas que passaram por esse tormento, o jornalista Jon Ronson compara suas impressões, depois de ter olhado para os olhos dos linchados, com as que o levaram a se tornar vegetariano: “Sentia falta dos filés, mas não conseguia esquecer o matadouro”.

Reportagem de Javier Salas
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/23/ciencia/1429788932_491782.html
foto:http://www.escritor-leandro-campos-alves.com/products/santa-inquisi%C3%A7%C3%A3o-/