03/04/2012

Leis mais rígidas tentam mudar cenário de atraso dos canaviais


O boia-fria moderno deve ter banheiros separados, garrafas de água gelada e uniforme padronizado, entre outros itens. Mas principalmente deve ter direito a condições dignas de trabalho que não coloquem sua vida em risco cotidianamente.

revolução silenciosa da mecanização no campo deve liquidar com a mão-de-obra pouco qualificada, que sempre esteve à disposição de empresários interessados em pagar pouco e oferecer péssimas condições de trabalho. Relatos de trabalho escravo e infantil sempre permearam o universo dos canaviais. Frederico Paes, presidente da Coagro (Cooperativa Agroindustrial do Estado do Rio), garante que conseguiu acabar com a prática centralizando a contratação dos funcionários. “São muitas fazendas para administrarmos. O que fizemos foi tirar da mão de terceiros, de atravessadores, a função de contratar e recrutar toda essa gente. Isso aumentou o nosso controle”, conta.
O assunto ainda causa rebuliço na região. Há dois anos, o Ministério Público Federal denunciou seis gestores da usina açucareira Santa Cruz, em Campos dos Goytacazes, no Rio, por reduzirem trabalhadores dos canaviais à condição de escravo. Segundo as investigações eles não tinham espaço adequado para alimentação e descanso, equipamentos de segurança e assistência médica, além de terem carteiras de trabalho retidas. Além disso, nem sempre eram pagos e, por vezes, pagavam para trabalhar.
O Ministério do Trabalho tem aumentado o cerco. Um cortador de cana contratado ganha em média R$ 622, além de gratificações por rendimento diário. Há exigências que devem ser cumpridas à risca pelos donos dos canaviais. Tais como: banheiros separados para homens e mulheres, garrafas térmicas individuais para água gelada, uniforme padronizado que cubra todo o rosto do cortador (incluindo acessórios de proteção, como óculos, bonés, botas e caneleiras até os joelhos).
Proprietário da fazenda Boa Vista, Edson Paes conta que o perfil ideal do boia-fria é aquele vindo da própria área rural. “O sujeito que vem da cidade grande não serve, traz problemas. Já tivemos casos de trabalhador envolvido com drogas e álcool, por exemplo. Precisamos de gente comprometida com o serviço”, analisa. O trabalho começa às 7h e só termina às 16h, com um intervalo de uma hora para descanso e almoço. Os ônibus que levam os cortadores já não podem mais transportar ninguém em pé, e os objetos cortantes devem ser posicionados na parte debaixo dos bancos. Aquele cenário de veículos lotados de gente coberta de todo tipo que é roupa para se proteger do sol é coisa do passado. Ainda que seja um passado bem recente.
Transformação social no campo
Entretanto, aos olhos do Sindicato Rural de Campos (SRC), não seria hora de intensificar as leis trabalhistas. “Estamos estudando com devida atenção esta questão do corte de cana na região e de que forma se sentem os primeiros impactos das máquinas já em operação. Vai haver uma grande mudança estrutural com o consequente enfraquecimento dos sindicatos rurais”, analisa José do Amaral, presidente do SRC.
Dados do sindicato apontam que a redução do trabalho no campo e consequente aumento de oferta de mão-de-obra pouco qualificada têm agradado ao setor da construção civil, que se mantém aquecido. A construção do Porto Açu, em São João da Barra, também é outro polo de absorção desta mão-de-obra proveniente dos canaviais. Para o sindicalista, a mecanização surgiu a partir de dois fatores primordiais: a pressão de órgãos ligados ao meio ambiente e as recentes normas do trabalhador. “Os próprios sindicatos estão fazendo uma autofagia dos trabalhadores do açúcar, ao exigirem de água gelada gasosa a refeição com sorvete”, ironiza José do Amaral. “É preciso ter condições de trabalho com respeito, mas sem abuso, sem exageros. O manuseio e corte de cana são atividades físicas excepcionais e seculares”, afirma.
Por “atividades físicas excepcionais” entende-se trabalho sob o sol forte, com roupas quentes, se curvando o tempo todo diante do solo, além de esforços nos braços e pernas. Em locais com a prática da queimada, ainda há o agravante de se respirar a fumaça que provoca bronquite, alergias e outras complicações respiratórias.

Reportagem de Valmir Moratelli
foto:davidarioch.wordpress.com

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