20/07/2011

Escândalo ligado ao crédito para o consumidor revela o endividamento alarmante dos cidadãos chilenos



Com um crescimento de 6% a 7% em 2011, a economia chilena é uma das mais vigorosas da América do Sul e a mais forte dos países da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE), o “clube dos ricos” do qual o país se tornou membro em janeiro.
No entanto, em Santiago, um escândalo envolvendo uma das maiores marcas do setor de lojas de departamentos, a La Polar, expôs as fragilidades do modelo ultraliberal: um consumo a crédito que vem acompanhado de um superendividamento alarmante do cidadão e de um controle estatal insuficiente do mercado. Esse escândalo foi descrito como a versão chilena dos subprimes (os créditos hipotecários de risco americanos) responsáveis pela crise que começou em 2008.
Símbolo de um Chile que vem enriquecendo e consumindo, a La Polar vendia, em suas 44 lojas, roupas, eletrodomésticos, produtos de informática para a classe média e os mais pobres, por meio de um cartão de crédito da loja facilmente concedido. A cadeia oferecia um pagamento que podia ser feito ao longo de vários anos. Essa “democratização” do consumo, em um país onde a desigualdade social é grande, fez com que seu presidente, Pablo Alcalde, fosse apontado por seus pares, em 2009, como o melhor empresário da década. O ícone publicitário das lojas era o popular jogador de futebol chileno Ivan Zamorano, ele mesmo originário de uma família humilde.
Mas o slogan da La Polar, “llegar y llevar” (chegar e levar), resultou em uma fraude para cerca de 400 mil consumidores. Suas dívidas não pagas eram renegociadas sem seu conhecimento a uma taxa de juros exorbitante. Dessa forma, clientes que haviam feito uma compra de US$ 150 (cerca de R$ 236) se viram com uma dívida de US$ 3 mil. O objetivo: esconder as dificuldades financeiras da empresa, que está na Bolsa desde 2003.
O caso, descoberto por um pequeno escritório de advocacia que alertou o Serviço Nacional dos Consumidores (Sernac), levou à demissão do presidente e de uma dezena de executivos. Ele compromete duas empresas de auditoria, mas também dois dos órgãos do governo encarregados de fiscalizar o setor. Além disso, os diretores da La Polar recebiam bônus que lhes eram pagos em ações da empresa de acordo com os resultados falsificados. Alguns diretores, vendo que a empresa estava indo mal após queixas, venderam suas ações, o que constitui um crime de uso indevido de informação privilegiada.
Punições exemplares
O escândalo fez as ações da La Polar despencarem na Bolsa – 42% em um dia – , levando com elas as de outras cadeias de lojas chilenas. Os fundos de pensão que haviam investido na empresa perderam US$ 250 milhões. A La Polar presente na Colômbia ia abrir no país cinco novas lojas. Hoje, um novo diretor está à frente da companhia e um grande conglomerado chileno comprou 10% da La Polar, na tentativa de fazer com que as ações voltem a subir.
O superendividamento dos cidadãos chilenos chegou a US$ 62 bilhões em 2009, quase US$ 4 mil por habitante. O número de cartões de crédito disparou: mais de 20 milhões, ou seja, cerca de quatro cartões por família, sendo que três quartos deles são cartões de lojas. Oito em cada dez famílias chilenas estão endividadas, segundo números oficiais. Nas camadas mais modestas da população, onde se encontra  1,2 milhão de clientes da La Polar, o endividamento atinge 60% das rendas.
Em um país pequeno como o Chile, “o mercado está nas mãos de uns poucos empresários que se encontram em todas as diretorias”, observa um diplomata europeu. O presidente de direita, Sebastián Piñera, destituiu de suas funções quatro diretores da La Polar que também faziam parte de conselhos administrativos de empresas públicas. Ele quer punições exemplares e novos projetos de lei para regular o mercado.
Piñera, um empresário bilionário que fez fortuna sobretudo com a introdução dos cartões de crédito no Chile nos anos 1980, ressaltou que as práticas da La Polar já vinham acontecendo há anos, criticando os governos precedentes de centro-esquerda.



Reportagem de Christine Legrand para o jornal francês Le Monde
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2011/07/19/escandalo-ligado-ao-credito-para-o-consumidor-revela-o-endividamento-alarmante-dos-cidadaos-chilenos.jhtm
Tradução: Lana Lim

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