31/01/2011

A violência contra imigrantes e a omissão internacional






Artigo realizado em 2010 para a disciplina Proteção Internacional dos Direitos Humanos ministrada pela doutora Inês Wernberg de Roca para o curso de doutorado da Universidade de Buenos Aires UBA):


No final de agosto deste ano foram encontrados 72 corpos em uma fazenda no México, perto da fronteira com os Estados Unidos. Quatro brasileiros estavam entre os mortos. Todos eles imigrantes sem documentação, vindos de diversos países e que estavam tentando entrar ilegalmente nos Estados Unidos.
No início do ano confrontos entre imigrantes africanos, policiais e moradores de Rosarno, na Calábria (Itália), deixaram mais de 60 feridos, entre os quais, três violentamente espancados com barras de ferro. Em fevereiro, também deste ano, na África do Sul, segundo notícia publicada no site da Amnesty International [1]  "pela segunda vez em menos de oito meses, refugiados e imigrantes foram obrigados a fugir por causa da ameaça de uma multidão armada”.
Estes exemplos, de várias partes do mundo, servem para ilustrar de uma forma geral as adversidades que os imigrantes, especialmente os ilegais, mas também aqueles que estão regularmente no país, enfrentam nos países onde decidiram viver.
Uma população mundial de quase 200 milhões de pessoas que vivem sem nenhuma garantia dos seus direitos essenciais. Os quais, segundo o Pacto de San José da Costa Rica (também chamado de Convenção Americana Sobre Direitos Humanos) de 1969 – ratificado pelo Brasil em 1992 - afirma em seu preâmbulo:  “não derivam do fato de ser a pessoa nacional de determinado estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos de pessoa humana, o que justifica uma proteção internacional”[2].
Em abril deste ano a Organização Internacional do Trabalho (OIT), preocupada com este panorama da imigração mundial lançou o estudo “Migração Internacional do Trabalho: uma abordagem baseada em direitos”[3], o qual analisa as tendências de migração internacional do trabalho, seus impactos sobre a origem e os países de destino, além das condições de trabalho dos migrantes.
O estudo também faz um apelo para a cooperação bilateral, regional e multilateral entre governos, parceiros sociais e outras partes interessadas “para melhorar a governança do processo de migração, assegurar a proteção dos trabalhadores migrantes, e benefícios para o desenvolvimento seguro da migração laboral para todas as partes”.
Segundo Schwarz (2010)[4]:

A afirmação de que a imigração constitui, no século XXI, a principal fronteira dos direitos humanos convida à reflexão e sugere duas idéias: a primeira, de que a imigração está pondo à prova a capacidade do mundo de universalizar os direitos humanos; a segunda, de que a imigração está desvelando a face dupla com que atuam os países centrais, generosos quando se trata de plasmar declarações internacionais de direitos humanos, mesquinhos na hora de fazer efetivos esses mesmos direitos dentro dos seus próprios territórios. (Schwarz, 2010, pág. 35).


No entendimento de SAYAD (1998, pág. 47-48)[5] enquanto a expansão econômica mundial, grande consumidora de imigração, precisava de mão-de-obra permanente e sempre numerosa, tudo concorria para assentar e fazer com que todos dividissem a ilusão coletiva que se encontra na base da imigração.
Seguindo este raciocínio, basta que as circunstâncias econômicas mudem e imponham uma nova avaliação dos lucros que é possível tirar dos imigrantes para que “ressurja naturalmente, contra a ilusão coletiva que permitia que a imigração se perpetuasse, a primeira definição do imigrante como trabalhador provisório e da imigração como uma estadia literalmente provisória”.
Com as crises econômicas que abalaram o mundo estes imigrantes passaram a ocupar postos de trabalhos dos cidadãos de origem e assim viraram inimigos a ser combatidos e expulsos. A xenofobia alimenta-se também de situações como esta. E ao mesmo tempo, o agravamento da crise econômica nos países mais pobres também alimenta as ondas de migração, gerando um círculo permanente, diante do qual é possível assistir de forma contínua a transgressão aos direitos fundamentais dos imigrantes.
Para ZAMBERLAM (2004)[6]:

Submetendo os migrantes, desde o início, à formas conflitivas e antagônicas de integração na sociedade de adoção retira a possibilidade de a pessoa ter qualidade de vida, exercer a sua consciência crítica, manter a identidade política em que ela é o sujeito da construção de sua história e, com isso, perder sua identidade de poder reivindicar os direitos básicos de cidadão.( ZAMBERLAM, 2004, pág. 15).

E ainda para MARTINE (2005, p. 48)[7] “as fronteiras se abrem para o fluxo de capitais e mercadorias, mas estão cada vez mais fechados aos imigrantes”. Uma situação que para o autor é responsável pelo aumento do tráfico de pessoas pelas fronteiras. O que vai ao caminho aposto ao que dispõe a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e seus familiares, aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1990, mas que só entrou em vigor em 2003.  A qual dispõe em artigo 7º[8]:
Os Estados Partes comprometem-se, em conformidade com os instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos, a respeitar e a garantir os direitos previstos na presente Convenção a todos os trabalhadores migrantes e membros da sua família que se encontrem no seu território e sujeitos à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião ou convição, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou social, nacionalidade, idade, posição económica, património, estado civil, nascimento ou de qualquer outra situação.

Diante de tudo isso é inevitável não questionar se os crimes cometidos contra os imigrantes, ilegais ou não, que constituem uma afronta aos direitos humanos universais e de forma coletiva – já que geralmente são cometidos contra grupos de imigrantes -, não deveriam ser julgados pela Corte Internacional de Justiça, principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas com amplos poderes para julgar todas as causas do direito internacional. Talvez esta providência ajudasse a colocar um fim na violência que os imigrantes continuam sofrendo sem que haja uma interferência mais severa por parte dos Estados.

BIBLIOGRAFIA
MARTINE, G. A Globalização Inacabada. Migrações Internacionais e Pobreza no Século XXI. In. Serviço pastoral do Migrante (Org.). Travessia na De$ordem Global: Fórum Social das Migrações. São Paulo: Paulinas, 2005.

MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: HUCITEC, 1997.

PATARRA, Neide L. (coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. Campinas: FNUAP, volume 1, 1995.
TRUYOL Y SERRA, Antonio. Fundamentos de derecho internacional publico. 4.ed. Madri: Editorial Tecnos, 1977.
SAYAD, Abdelmalek. Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo:Edusp, trad. Cristina Murachco, 1998.

SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Imigração: a fronteira dos direitos humanos no século XXI. Revista Internacional Direito e Cidadania, n. 7, set. 2010.

SEITENFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Introdução ao Direito Internacional Público. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

ZAMBERLAM, J. O Processo Migratório no Brasil e os Desafios da Mobilidade Humana na Globalização. Porto Alegre: Ed. Pallotti, 2004.




[3] http://www.oitbrasil.org.br/topic/tip/news/news_148.php

[4] SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Imigração: a fronteira dos direitos humanos no século XXI. Revista Internacional Direito e Cidadania, n. 7, set. 2010.

[5] SAYAD, Abdelmalek. Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo:Edusp, trad. Cristina Murachco, 1998.

[6] ZAMBERLAM, J. O Processo Migratório no Brasil e os Desafios da Mobilidade Humana na Globalização. Porto Alegre: Ed. Pallotti, 2004.

[7] MARTINE, G. A Globalização Inacabada. Migrações Internacionais e Pobreza no Século XXI. In. Serviço pastoral do Migrante (Org.). Travessia na De$ordem Global: Fórum Social das Migrações. São Paulo: Paulinas, 2005.



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