31/01/2011

O mundo dos refugiados

A situação dos refugiados no mundo (seja por questões políticas, conflitos armados ou tragédias ambientais) há tempos vem tirando meu sono. Realmente me incomoda o tratamento dispensado a estes seres humanos no momento mais crucial de suas vidas, incluindo aí não apenas a sociedade civil e os governos, mas inclusive os organismos internacionais. O que se percebe é que passado o impacto inicial causado pelas tragédias (não importa de que natureza sejam), quando deixam de ocupar a primeira página dos veículos de comunicação e a consciência geral foi de certo modo apaziguada pelas doações, tudo volta ao normal e eles são abandonados a sua própria sorte.
Antes de publicar um artigo sobre o tema que elaborei para a disciplina Proteção Internacional dos Direitos Humanos, ministrada pela doutora Inês Wernberg de Roca no curso de Doutorado que realizo na Universidade de Buenos Aires (UBA),"A violência contra imigrantes e a indiferença internacional",publico uma reportagem do jornal alemão Der Spiegel. O texto é de Dialika Krahe e foi veiculado esta semana no portal UOL. Leiam com atenção:



"As pessoas que buscam asilo na Alemanha esperam encontrar liberdade e prosperidade. Em vez disso, muitas terminam em campos de detenção capazes de destruir a alma, no meio do nada, sem ter o que fazer além de aguardar a deportação. Mas o sistema é bastante adequado para muitos na Alemanha.
Sete vezes por dia, um ônibus verde e branco para em uma estrada perto da aldeia de Horst, no estado de Mecklenburg-Pomerânia Ocidental, norte da Alemanha. Contra um pano de fundo de florestas e campos, ele despeja os recém-chegados ao país de suas esperanças e sonhos. Mulheres somalianas descem do ônibus juntamente com homens da Macedônia, crianças da Sérvia e idosos, alguns trazendo apenas um pente no bolso.
Eles concluíram longas viagens, a pé, em caminhões, em botes infláveis, trens e aviões. Deixaram para trás guerras, bombas e perseguição. Em muitos casos, seu único motivo para fugir foi escapar da fome. Ali Reza Samadi, do Afeganistão, desceu do ônibus nessa parada, depois de viajar por dois anos. Jamshid, do Irã, ficou ali de pé olhando para o campo. E para Prince, de Gana, aquela não era a Alemanha que esperava.
Todos acreditavam que em um país com tal abundância, prosperidade, segurança e direitos humanos seria fácil encontrar um lugar para viver. Em vez disso, acabaram em um campo de refugiados na Estrada Nacional 5, em Mecklenburg-Pomerânia Ocidental. Seu novo lar está sob o comando de Wolf-Christoph Trzeba, um homem que, na visão dos estrangeiros, ergueu uma cerca entre eles e o paraíso.
"Um negócio muito complicado"
Trzeba, 50 anos, está sentado em uma sala fortemente iluminada no Escritório Federal de Migração e Refugiados, com uma garrafa térmica cheia de café sobre a mesa e as mãos cruzadas na frente do peito. "Este é um negócio muito complicado", ele diz.
Um homem magro com uma boca peculiar e óculos redondos, Trzeba é o diretor do campo de refugiados Nostorf-Horst. O negócio a que ele se refere tem a ver com ordem, com as 25 nacionalidades diferentes que se chocam em seu campo e com controle e deportação.
Recentemente, ele teve de justificar seus atos em diversas ocasiões. Pode-se notar isso em sua voz, que parece ao mesmo tempo cansada e irritada, ou em seu rosto, que é tenso e quase nunca se suaviza enquanto ele fala. Os jornais escreveram sobre seu campo, ele diz, os políticos falaram sobre ele, organizações de direitos dos refugiados realizaram demonstrações diante de seus portões e ele foi várias vezes confrontado com palavras como "desumano", "isolamento" e "prisão".
Trzeba serve-se de uma xícara de café. Uma chuva pesada cai no pátio lá fora, onde uma jovem afegã empurra um bebê em um carrinho enquanto um menino cigano chapinha com sandálias. "Eles vêm para cá, por isso têm de aceitar as condições daqui", diz Trzeba. As pessoas sempre podem alegar que cada residente deveria ter um quarto individual com banheiro, ele diz. "Mas onde você traça a linha?"
O apelido é "Guantánamo"
O campo de Nostorf-Horst fica escondido em uma área de floresta em um antigo quartel do exército da Alemanha Oriental, perto do que foi a fronteira da Alemanha Ocidental. No passado, soldados cujo dever era proteger uma Alemanha da outra marchavam pelo pátio aqui.
Hoje os oficiais são homens vestidos de terno, como Trzeba, membros do órgão de asilo e guardas uniformizados. Suas ordens são para proteger a fronteira entre afluência e dificuldade, riqueza e pobreza, campos de refugiados e sonhos. Seu trabalho é pôr ordem na imigração e monitorar os estrangeiros que chegam à Alemanha - todos os afegãos, iranianos e kosovares. Eles incluem pessoas como Ali Reza, um alfaiate do Afeganistão, o ganense Prince, 22 anos, um torcedor fanático do time de futebol St. Pauli de Hamburgo, e o iraniano Jamshid, que cola pedaços de papel com palavras em alemão na porta de seu armário. Sua função é abrigar essas pessoas, investigar suas histórias e deportá-las. Os moradores chamam o campo de "Guantánamo".
As cercas do campo cortam a paisagem, fazendo-a parecer uma área militar restrita. Situado do outro lado da estrada do órgão de asilo, o campo abriga cerca de 450 refugiados. Os moradores - homens, mulheres e crianças - vivem em quartos de 16 metros quadrados, quatro pessoas por quarto. Os móveis são escassos - pouco mais que um armário e uma cadeira em cada quarto - e os quartos não são maiores que as celas de prisão. Qualquer pessoa que queira entrar ou sair tem de se registrar com o guarda no portão e mostrar sua carteira de identidade. Ninguém tem permissão para deixar o distrito administrativo onde se localiza o campo.
Trzeba recosta-se na cadeira. "Humano", ele diz. "Absolutamente humano."
Debate público
As pessoas que buscam asilo tornaram-se novamente um tema de debate público na Alemanha, desde que começaram a fugir das zonas de guerra no Iraque e no Afeganistão e que a exigência de visto para países como Sérvia e Macedônia foi abolida. O debate é alimentado pelo fato de que o número de candidatos a asilo na Alemanha voltou a subir, 49,5% em 2010. A discussão gira em torno de questões como moradia adequada para os que buscam asilo, o espaço que um refugiado deve ter, a qualidade das refeições e se os detidos devem ter acesso a armários com fechadura.
As principais perguntas são quanto tempo se pode esperar que as pessoas fiquem em campos e o que se deve fazer com as pessoas que a Alemanha não quer: elas podem ser deportadas, e nesse caso, para que países? Por exemplo, o ministro do Interior alemão, Thomas de Maizière, recentemente decidiu que os refugiados não podem mais ser enviados de volta para a Grécia, porque os procedimentos de asilo de lá não estão de acordo com os padrões de direitos humanos alemães.
Também tem a ver com duas visões de mundo que se chocam. A primeira é a dos candidatos a asilo, para os quais a Alemanha tem tanto de tudo - segurança, prosperidade, direitos humanos - que pode ser generosa. A segunda é a daqueles que dizem que a Alemanha só pode preservar sua segurança e prosperidade se aceitar apenas as pessoas que podem ser úteis para o país. Todas as outras deveriam ser colocadas em centros de detenção, deportadas ou "toleradas" (termo que se refere aos estrangeiros que não têm o direito de ficar na Alemanha, mas cuja deportação foi temporariamente suspensa).
Essas visões levam a duas conclusões opostas: ou os candidatos a asilo esperam demais do país ou a Alemanha lida com eles com demasiada dureza.
Não é melhor que a prisão
Algumas semanas atrás, candidatos a asilo na Alemanha chamaram a atenção para sua situação fazendo uma greve de fome em hospedarias e campos em lugares como Augsburg, Böbrach e Denkendorf. Alguns fizeram greve de fome em Nostorf-Horst, o que tornou conhecido o nome de seu campo. Os manifestantes lembraram aos alemães que eles existem, cerca de 50 mil buscadores de asilo que tentam obter a entrada em um país no meio de um debate acalorado sobre como pescar os imigrantes mais inteligentes, melhores e mais ricos nas correntezas da migração global.
Ali Reza Samadi, o alfaiate afegão, foi o primeiro a fazer greve de fome no campo de Nostorf-Horst. Ele mora em um dos vários prédios em forma de U pintados de cinza e branco, em um quarto num longo corredor bem iluminado. Ele divide o quarto com outros dois homens, e dorme em uma cama de metal marrom-escuro com um colchão fino. Não tem nada além de alguns artigos de roupa em seu armário, e a esperança que às vezes o transporta além dos limites do campo.
Nada durante seis dias
Ele geralmente fica parado junto da cerca, usando sandálias e jeans, e com olheiras escuras embaixo dos olhos, um rapaz que parece muito mais velho do que é. Perto da hora do almoço, famílias ciganas, kosovares e etíopes, carregando xícaras e colheres, se reúnem perto da entrada do refeitório. Mas Ali Reza não quer mais esperar na fila pela comida, nem hoje nem amanhã. Ele não come há seis dias - nem pão nem batatas, nada.
"A Somália também está participando", um afegão grita do outro lado do pátio. Jamshid, o iraniano, se une a Ali na cerca, assim como Alef de Jalalabad e Prince de Gana - uma comunidade global atrás das grades. Os caminhos que os trouxeram à Alemanha são tão diferentes quanto os motivos que eles deram às autoridades para ter fugido. Ali Reza diz que fugiu das bombas em Kandahar. Uma ameaça de morte obrigou Prince a deixar Gana, escondido em um navio de contêineres. Os taleban acusaram Alef de ser um espião, e Jamshid contou aos alemães que as autoridades islâmicas o perseguiam no Irã. Todos esses refugiados embarcaram em suas jornadas em busca de uma nova vida em um lugar seguro.
A vida que encontraram na Alemanha não é melhor que a prisão, segundo eles.
"Por que alguém existe no mundo quando não há um lugar para ele?", diz Ali Reza. É uma pergunta em que ele não consegue parar de pensar.
Cada vez menos esperança
Três meses e vinte dias atrás, ele conta, depois de passar dois anos correndo e se escondendo, chegou à Alemanha de ônibus e pensou que seu futuro estivesse prestes a começar. Ficou na estação rodoviária de Hamburgo, carregando uma mochila e alguns artigos de roupa. Disse que quis vir para a Alemanha porque o país, "conhecido por seus direitos humanos", o atraiu.
Ele foi ao Departamento de Registros de Candidatos a Asilo em Hamburgo. Os oficiais lhe deram uma passagem de trem para Nostorf-Horst. Sentado no trem, ele viu os prédios da cidade lá fora lentamente desaparecerem e dar lugar a campos e florestas.
Nostorf-Horst é conhecido como um centro de recepção inicial, dos quais existem cerca de 20 na Alemanha. Quando Ali Reza apresentou seu pedido de asilo, o intérprete lhe disse que ele só precisaria ficar três meses. Quando chegou ao campo, recebeu um conjunto de roupas da loja do campo, incluindo roupa de baixo, sandálias e camisetas - o uniforme de um refugiado. Ele tentou se sentir em casa nos 4 metros quadrados de espaço que lhe couberam. Logo percebeu que não havia chave para trancar a porta e que seus companheiros de quarto tentavam manter a comida fresca no peitoril da janela. Ele compreendeu que receberia uma mesada de 40,90 euros (cerca de R$ 106,00).
Ali Reza descobriu que muitos estavam no campo há mais tempo do que previam. Havia Alef de Jalalabad, um rapaz de 22 anos com o rosto marcado por cicatrizes e olhos tristes, que estava em Nostorf-Horst há oito meses. E havia Prince, de Gana, também 22 anos, que já estava ali havia 11 meses. Ele ouviu falar sobre outros que eram obrigados a viver no campo por um ano e meio. A cada dia e a cada nova história que escutava, Ali Reza sentia cada vez menos esperança.
Matando o tempo
Trzeba sabe quem é Ali Reza, ele diz, mas acrescenta que não sabe nada "sobre uma greve de fome de verdade". Ele nos leva em uma excursão pelos corredores. "Não temos nenhuma área proibida aqui", diz. Há famílias de ciganos paradas nos corredores e crianças que andam de um quarto para outro de meias. "Apesar do espaço reduzido, conseguimos ter uma vida comunitária ordenada", diz Trzeba. "Ordenado" é uma palavra que ele aprecia.
Um dia na vida de um morador do campo começa cedo, de maneira "ordenada". A hora de levantar é 7, quando os moradores correm para conseguir um lugar na sala de chuveiros. Há três salas com azulejos brancos no final de cada corredor, com sanitários, pias e chuveiros. O odor forte de urina paira no ar diante dos banheiros, que dezenas de pessoas compartilham. As cabines de chuveiro são abertas. Qualquer um que deseje ser limpo em Nostorf-Horst não pode se preocupar demais com a privacidade. "Os africanos não se importam", diz o funcionário do banheiro, "mas as pessoas do mundo árabe não gostam muito." Elas têm chuveiros separados, ele explica.
O desjejum é servido às 7h30, e qualquer um que não estiver lá na hora, que pena! Centenas de pessoas de até 25 países diferentes fazem fila diante do balcão de comida. Muitas vezes as filas se formam do lado de fora, e quando as coisas demoram, dizem os refugiados, a espera pode levar até uma hora. Às vezes há altercações. Recentemente, por exemplo, houve uma discussão a gritos entre somalianos e afegãos, que acabaram se atacando com facas.
Os moradores recebem pão, geleia e chá para o desjejum. Então voltam para seus quartos, onde não há nada a fazer além de voltar para a cama, olhar para a parede e matar o tempo. A maioria dos refugiados do campo é jovem, de 20 a 25 anos, e também há algumas crianças, que normalmente teriam de frequentar a escola. Os refugiados adultos estão em um momento da vida em que deveriam estar aprendendo, trabalhando e formando famílias. Mas não há escola para frequentar nem trabalho para fazer. É como se a vida tivesse se tornado uma sala de espera.
Jardim de infância trancado
O diretor Trzeba diz que há um curso de alemão que os moradores podem fazer. Um professor vem ao campo dois dias por semana, das 13h30 às 14h30 - uma hora de aula para centenas de pessoas.
Trzeba também diz que há uma área de exercícios. A sala acarpetada, do tamanho de um quarto de criança, contém algumas peças de equipamento de halterofilismo - para centenas de pessoas.
Ele menciona um quarto cheio de brinquedos, que é chamado de jardim de infância. Mas as portas estão trancadas. "Temos mais de 130 crianças", diz o gerente do jardim de infância, "mas não é possível cuidar anos de tantas" - e por isso o jardim de infância fica fechado.
Em consequência, a vida cotidiana no campo é modulada principalmente pelas refeições. Mulheres de face rosada usando toucas e empunhando colheres, atrás do balcão de alimentos, anunciam "batatas", "ovos", "carne" para os que esperam na fila. As mulheres servem dos caldeirões de alumínio porções generosas nos pratos dos refugiados. O jantar é às 17 horas, e qualquer um que sentir fome depois disso terá de esperar a manhã seguinte. Alguns moradores vão dormir às 19, em vez de passar a noite sentindo fome. Eles não têm permissão para cozinhar em seus quartos.
Durante a greve de fome, os grevistas usaram lençóis para fazer faixas que diziam: "Abaixo Horst" e "Onde estão os direitos humanos?" Eles falavam pashto, dari e inglês, gritavam através da cerca, mostravam seus documentos de asilo e alguns apontavam para seus ferimentos de guerra. Foi uma pequena revolta, uma demonstração de sua perplexidade e desespero pelo fato de serem alimentados e guardados em um campo, em vez de poderem viver em liberdade.
"Inexplicável", diz Trzeba. "Afinal, eles vêm nos procurar porque dizem ser perseguidos politicamente."
A decisão de fugir
Alguém como Ali Reza está mais interessado em uma cama e uma refeição quente. Ele vem de Kandahar, a capital da província no sul do Afeganistão que os taleban e as tropas da Otan disputam há anos. É o tipo de lugar onde homens-bomba estão constantemente explodindo e balas perdidas cortam o ar. "Quando saía de minha casa de manhã, não sabia se uma bomba ia explodir ao meu lado a qualquer momento", diz Ali Reza. Ele conta que presenciou a morte de um amigo em uma explosão.
Ele morava com sua mãe e trabalhava como alfaiate em uma pequena oficina no mercado. Então veio a guerra e sua cidade desmoronou. Não havia mais trabalho, nem vida comum - só medo. Ali Reza decidiu fugir.
Primeiro pegou um ônibus até a fronteira iraniana e então a atravessou a pé. Tinha levado uma mochila com roupas e US$ 1.500 para o passador, e havia costurado outros US$ 200 em um espaço sob a gola de seu paletó. Na cidade de Urmia, ele se uniu a um grupo de 25 pessoas, entre as quais muitas crianças, que partiu para as montanhas em direção à Turquia.
O passador o revistou, diz Ali Reza, e encontrou e tomou o dinheiro que levava escondido no paletó. "Se eu tivesse me defendido, ele apenas teria me deixado para trás", diz. Ali Reza conta que pensou muito em morrer. As montanhas eram perigosas; havia ursos, e também o risco de ser alvo dos tiros de guardas de fronteira. Ele diz que tinha ouvido histórias sobre refugiados que foram sequestrados, estranhas histórias sobre pessoas que arrancariam seu rim ou fígado para vender.
Ele se separou do grupo em Istambul, onde dividiu um quarto com outros afegãos. Trabalhou em bicos durante seis meses para ganhar os US$ 3.500 de que precisava para chegar à Itália. Precisaria de ainda mais dinheiro para alcançar a Noruega, onde tinha parentes que esperava que o ajudassem.
Melhores condições na Noruega
Ali Reza é um das dezenas de milhares de refugiados que chegam à Europa através da fronteira entre Turquia e Grécia todos os anos. Quase 90% dos imigrantes ilegais que entram na União Europeia passam pela Grécia. Eles incluem afegãos, iranianos e norte-africanos. Os campos gregos estão superlotados há muito tempo, e o governo agora pretende construir uma cerca em parte da fronteira.
Ali Reza conseguiu chegar a Roma, e dali foi para a França. Viajou de trem, constantemente temendo ser revistado. Ele lembra que se fartou com um "kebab" na estação ferroviária de Hamburgo. Então rumou para Oslo, onde pediu asilo.
Foi colocado em um campo lá. "Era completamente diferente daqui em Nostorf-Horst", diz. "Deram-nos panelas para cozinhar, havia um ônibus circular e cada refugiado recebia 300 euros por mês." Reza teve aulas de norueguês e se dedicou aos estudos. Em breve ele conta que pôde ajudar outros afegãos fazendo traduções. À noite, porém, era dominado pelo medo quando a polícia vinha apanhar os refugiados que seriam deportados. Tudo correu bem durante os primeiros meses. Então, quase um ano depois de sua chegada, eles iriam buscá-lo. Seu pedido de asilo fora rejeitado. Desta vez o medo levou Ali Reza para a Alemanha.
Ele combateu o tédio em Nostorf-Horst até que, depois de três meses, uma autoridade veio ao seu quarto e lhe entregou um cartão amarelo. Todos em Nostorf-Horst sabem o que isso significa. Amarelo é ruim. Amarelo significa até um ano e meio no campo. Esse era o tempo que as autoridades passariam tentando mandar o refugiado de volta para a Noruega. Ele é um caso dos chamados "Dublim 2", por causa do regulamento da UE de 2003 que atribui a responsabilidade pelo processo de asilo ao primeiro país a que o refugiado chegou (a Noruega, que não é membro da UE, também é signatária dessa resolução). Como Ali Reza já tinha pedido asilo na Noruega, a Alemanha podia mandá-lo de volta. A Alemanha quase não deporta ninguém para o Afeganistão hoje em dia, mas a Noruega sim. Uma transferência para a Noruega significaria o fim da viagem de Ali Reza.
Ele quis falar com alguém que pudesse responder a suas perguntas. Mas não tinha habilidade suficiente com o idioma, nem um intérprete, e não havia ninguém para lhe explicar as coisas. Depois de três meses e 20 dias em Nostorf-Horst, Ali Reza decidiu parar de comer. "Não queremos muito", ele diz. "Apenas queremos viver em nossos quartos, aprender alemão, consultar um médico, cozinhar, poder nos defender."
Visita noturna
Quando se pergunta a Trzeba por que essas coisas não são possíveis em seu campo, ele responde que o centro de recepção inicial não se destina a permitir que os candidatos a asilo se envolvam em esforços de integração significativos. "O candidato a asilo não está aqui para conhecer pessoas, mas para fazer seu caso avançar", diz Trzeba, acrescentando que os legisladores alemães não pretendiam que fosse diferente.
Alguém que será deportado recebe uma carta dizendo que ele ou ela tem duas semanas para encontrar um advogado e apelar. Esta única exigência, mesmo que eles pudessem compreendê-la, é suficiente para destruir as perspectivas da maioria dos que buscam asilo. Onde eles poderiam encontrar um advogado? Viajar até uma cidade como Hamburgo, onde haveria ajuda de organizações como o conselho de refugiados da cidade ou o Café Exil, um café onde voluntários ajudam os buscadores de asilo a lidar com a burocracia alemã, é proibido. Deixar o distrito administrativo onde se situa o campo é considerado uma infração. Uma advogada independente vai ao campo duas vezes por semana: uma mulher para 450 moradores.
À noite, os oficiais vão aos quartos, tiram da cama os que foram escolhidos para deportação e os levam para o aeroporto. Na linguagem burocrática de Trzeba, a operação é chamada de "execução da ordem de deportação". "Alguns deixam o território alemão voluntariamente", ele diz, "enquanto outros precisam de uma certa quantidade de incentivo."
Quando perguntado o que deveria mudar em seu campo, Trzeba diz: "Não há planos para mudar as circunstâncias, porque as circunstâncias não precisam de mudança". Ele simplesmente faz o que lhe mandam e somente vê o que é considerado politicamente desejável: organizar o campo de tal maneira que seus internos desenvolvam o desejo de voltar para onde vieram.
Direito jurídico
Essa não foi a intenção quando a Constituição da Alemanha, conhecida como Lei Básica, foi aprovada depois da era nazista e do fim da Segunda Guerra Mundial. O Artigo 16, Seção 2 da Constituição afirma: "As pessoas perseguidas por motivos políticos devem ter o direito de asilo". O direito de asilo estava mais firmemente enraizado na lei alemã do que nas leis de quase qualquer outro país. O asilo não deveria ser um ato de compaixão, mas um direito jurídico, e hoje esse direito é o motivo por trás do demorado processo de asilo da Alemanha.
Enquanto os refugiados vinham basicamente de países socialistas, o direito de asilo permaneceu inconteste. Em meados da década de 1980, o número de refugiados começou a aumentar acentuadamente. Entretanto, não eram mais as pessoas "perseguidas por motivos políticos" citadas na Constituição, e sim pessoas das regiões em crise no mundo: migrantes econômicos ou refugiados da pobreza ou de desastres naturais. As leis de asilo não tinham sido escritas para essas pessoas. Em 1985, 55 mil pessoas se inscreveram para obter asilo na Alemanha, e em 1991 o número havia subido para 256 mil. E quanto maior o número menos candidatos eram admitidos.
Quando a lei de asilo foi emendada em 1993, foi aprovada uma nova regra que exigia que as autoridades alemãs devolvessem os refugiados para "um terceiro país seguro" se eles tivessem entrado na Alemanha por aquele país. Os campos de espera foram estabelecidos em parte como elementos de dissuasão. Os números diminuíram, assim como os índices de admissão. Em 2010 o número voltou a crescer acentuadamente, pela primeira vez em vários anos, em parte porque as exigências de visto tinham sido suspensas para alguns países da Europa Oriental. Sérvios, montenegrinos e macedônios podiam agora entrar nos países da zona Schengen sem visto, e muitos aproveitaram a nova liberdade de viagem para pedir asilo na Alemanha. Em novembro, a UE ameaçou abolir novamente a isenção de visto. Em consequência, o número de pedidos voltou a diminuir nos últimos dois meses.
Entretanto, em 2010 houve 50% pedidos a mais que em 2009, num total de 41 mil. E as antigas perguntas continuam sem resposta: Quem deve ter permissão para viver na Alemanha? Como deve ser sua vida olá? Quem deve fazer parte da sociedade alemã?
"Prefiro morrer a voltar"
Algumas semanas depois da greve de fome, muitos dos refugiados foram libertados do campo de Nostorf-Horst. Prince foi mandado por 12 meses para um campo em Parchim, no nordeste da Alemanha. O amigo de Ali, o iraniano Jamshid, foi transferido para Wismar, no mar Báltico, onde tem aulas de alemão todos os dias. "Tudo está muito bem", ele diz em alemão coloquial quando perguntado sobre sua nova vida. Alef, de Jalalabad, recebeu seu aviso de deportação. Dezenas de outras pessoas foram distribuídas para outras instalações. Mas Ali Reza continuou no campo de Nostorf-Horst.
Um avião esperava em Hamburgo sob a neve num dia de dezembro. Ele seria deportado para a Noruega e de lá para o Afeganistão. Um advogado que um conselho de refugiados tinha encontrado para ele deu a notícia. Ali Reza desmaiou e foi admitido em uma clínica psiquiátrica, onde os médicos concluíram que é suicida, tem depressão severa e não pode ser transferido. "Prefiro morrer a voltar", ele diz.
Um jovem iraniano agora dorme na cama de Ali em Nostorf-Horst. Ele viveu em Plymouth, no Reino Unido, durante cinco anos, onde trabalhava e frequentava festivais de música. Quando ia ser deportado, algumas semanas atrás, decidiu que estava na hora de deixar a Inglaterra".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
imagem: jpn.icicom.up.pt

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita e pelo comentário!