(publicado no portal UOL)
Allan Gerson*
A notável decisão da administração Obama de realizar o julgamento de Khalid Shaikh Mohammed e de outros autores do atentado de 11 de setembro em uma corte civil de Nova York, em vez de usar a estrutura convencional de tribunal militar, se baseia em um pilar fundamental: é a coisa moralmente certa a se fazer. Ela mostrará tanto a amigos quanto a inimigos que, ao contrário da administração Bush, a Casa Branca de Obama é realmente comprometida com o Estado de direito.
Por todo o mundo, ao que tudo indica, espectadores grudarão nas telas de TV enquanto testemunham a Justiça americana: o conjunto completo dos direitos processuais do devido processo concedidos ao criminoso comum, agora aplicado, pela primeira vez, aos malfeitores do 11 de setembro
Na verdade, é provável que um julgamento em Nova York tenha o exato efeito oposto, demonstrando que a decisão de contornar o aparato do tribunal militar carece de força moral. A força moral, como articulada na lei internacional prevalente quase desde seu início, requer que distingamos atos em tempos de guerra dos atos em tempos de paz. Em tempos de guerra, o parâmetro muda. As liberdades civis individuais podem ser abreviadas para bloquear um perigo iminente. Tribunais militares eram tradicionalmente estabelecidos com esse objetivo, distinguindo o criminoso comum que age fora da lei do soldado que obedece a um código de conduta que entra em conflito com nossas próprias crenças fundamentais.
Ao afastar os processos de um tribunal militar, levando-os para uma corte federal, destruímos essa distinção moral fundamental entre beligerantes e não-beligerantes. As famílias das vítimas do 11 de setembro acreditam, com razão, que seus entes queridos morreram como resultado de atos de guerra. Elas acreditam, com razão, que o Islã radical declarou uma jihad global contra os Estados Unidos. Elas acreditam, com razão, que o principal réu, Khalid Shaikh Mohammed, era um soldado-chave nessa guerra, e que ele não era um assassino comum, mas sim um criminoso de guerra.
Se, de fato, o 11 de setembro foi um ato de guerra, então por definição um tribunal militar é o local apropriado para julgar criminosos de guerra. Isso nunca foi responsabilidade de cortes civis. Assim, não é relevante se o apelo da administração Bush por uma guerra ao terrorismo foi de fato tecnicamente uma guerra. O que é relevante é que o Islã radical declarou guerra contra os Estados Unidos; que o 11 de setembro foi a expressão deliberada de seus planos de guerra; e que seus perpetradores, sob a lei internacional e dos EUA, não eram nada menos do que criminosos de guerra.
As razões citadas pelo procurador-geral Eric Holder e outros proponentes de uma transferência dos tribunais militares não se sustentam, feita uma análise mais profunda. A afirmação - sugerida ou implícita - de que tribunais militares são processos fechados e que um julgamento civil, pelo contrário, é aberto, simplesmente não é verdadeira. O tribunal militar mais aberto de todos os tempos foi o convocado em Nuremberg em 1946; ali foram realizadas 403 sessões públicas do julgamento de grandes criminosos de guerra nazistas.
Além disso, não havia restrições ao acesso pela imprensa, inclusive de câmeras. No que diz respeito a tribunais militares atuais, não há proibições em suas leis governantes quanto a ser totalmente aberto ao público.
Ainda que seja verdade que tribunais militares, no passado, não concederam aos réus toda a salvaguarda processual aplicável em um julgamento criminal, isso mudou nos últimos anos. O Parágrafo 949l (c) da Lei de Comissões Militares de 2009 diz especificamente que o ônus da prova, que recai sobre o governo, não é nada menos do que aplicável em um julgamento criminal: para além de qualquer dúvida razoável. Além disso, as concessões para o uso de testemunho indireto e prova obtida por coação foram eliminadas pela Lei de Comissões Militares de 2009. Se alguém realmente quiser ter um "espetáculo" da justiça dos EUA, não há um modelo melhor do que o que as cortes militares fariam.
Por fim, o uso de um tribunal militar seria entendido em todo o mundo. Nenhum outro país além dos Estados Unidos jamais sugeriu que crimes de guerra deveriam ser julgados em cortes comuns. A verdadeira vantagem moral está em demonstrar que as cortes militares podem cumprir a promessa do Estado de direito.
Independentemente do que será adotado - uma corte civil a um enorme custo adicional, ou uma corte militar - não deveríamos nos iludir pensando que um julgamento em qualquer um dos locais servirá como uma lição de moral que poderá ser ensinada ao mundo - tanto para os males de 11 de setembro, quanto para a justiça a seus perpetradores. Nuremberg, que envolveu crimes de uma magnitude muito maior, após um breve alvoroço acabou juntando interesse público ocasional somente quando uma testemunha dramática era apresentada. A maioria das sessões em Nuremberg, e certamente aquelas diante de um tribunal civil ou militar contemporâneo, são vistas pela audiência como tediosas e repetitivas.
Há ainda outro custo por se abrir mão do caminho tradicional. As famílias do 11 de setembro não merecem ser duplamente vitimadas: pela atrocidade em si, e pela falsificação da história para criar a impressão de que seus entes queridos foram vítimas de algum assassino perverso que zombou da lei. Na verdade, essas mortes foram causadas por uma facção do Islã radical que iniciou a guerra contra os Estados Unidos e fez das milhares de pessoas no World Trade Center seu alvo principal. Atos de guerra merecem ser tratados como atos de guerra.
*Allan Gerson, ex-vice-procurador geral da República dos EUA e assessor de Assuntos Internacionais na administração Reagan, representa as famílias do atentado de 11 de setembro em seu processo contra diversas instituições financeiras sauditas.
Tradução: Lana Lim
Fonte da foto: Cena do Julgamento de Nuremberg: deolhonopoder.blogspot.com
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