Diante do mais novo escândalo da política brasileira envolvendo quase toda cúpula do poder do Distrito Federal é interessante refletir sobre o que escreveu o economista e cientista político Luiz Carlos Bresser Pereira em 2006 para o jornal Folha de S.Paulo. Infelizmente as ponderações de Bresser Pereira continuam atuais e as denúncias de corrupção não param de acontecer no Brasil. Nem o risco de serem descobertos e todas as perdas que têm que suportar quando isto acontece são suficientes para afastar os políticos da corrupção.
A crise política sem fim e sem precedentes sugere algumas reflexões sobre o problema da ética na política. Nenhuma profissão é mais nobre do que a política porque quem a exerce assume responsabilidades só compatíveis com grandes qualidades morais e de competência. A atividade política só se justifica se o político tiver espírito republicano, ou seja, se suas ações, além de buscarem a conquista do poder, forem dirigidas para o bem público, que não é fácil definir, mas que é preciso sempre buscar. Um bem público que variará de acordo com a ideologia ou os valores de cada político, mas o qual se espera que ele busque com prudência e coragem. E nenhuma profissão é mais importante, porque o político, na sua capacidade de definir instituições e tomar decisões estratégicas na vida das nações, tem uma influência sobre a vida das pessoas maior do que a de qualquer outra profissão.
A ética da política, porém, não é a mesma ética da vida pessoal. É claro que existem princípios gerais, como não matar ou não roubar, mas entre a ética pessoal e a ética política há uma diferença básica: na vida pessoal deve-se esperar que cada indivíduo aja de acordo com o que Max Weber chamou a ética da convicção, ou seja, a ética dos princípios morais aceitos em cada sociedade já na política prevalece a ética da responsabilidade.
A ética da responsabilidade leva em consideração as conseqüências das decisões que o político adota. Em muitas ocasiões, o político é obrigado a tomar decisões que envolvem meios não muito nobres para alcançar os objetivos públicos. O político, por exemplo, não tem alternativa senão fazer compromissos para alcançar maiorias.
A expressão ética da responsabilidade é uma forma mitigada do clássico princípio republicano de Maquiavel de que os fins justificam os meios. Para o grande pensador florentino, fundador do republicanismo moderno, o interesse público era o critério essencial, mas diferentemente do conceito de ética da responsabilidade, ele justificava praticamente qualquer meio desde que visasse o interesse público.
Nessa contradição entre os fins públicos e os meios existe um problema de grau. É claro que o político deve ser fiel à sua visão do bem público, mas não pode ser radical tanto em relação aos fins nem aos meios. Não pode acreditar que detém o monopólio da definição desse bem: o político democrático e republicano tem a sua visão do interesse comum, mas respeita a dos outros. Por outro lado, ainda que o uso de meios discutíveis possa ser justificado em certas circunstâncias, é evidente que não podem ser quaisquer os meios utilizados. É preciso aqui também ser razoável: alguns meios são absolutamente condenáveis e portanto injustificáveis. Foi por isso que Weber, ao invés de ficar com a ética de Maquiavel, preferiu falar em ética da responsabilidade, para poder enfatizar o fator grau na escolha tanto dos fins quanto dos meios.
O político deve agir de acordo com a ética da responsabilidade, porque essa é a única ética compatível com o espírito republicano. Um grande número de políticos, porém, não age de acordo com ela. Muitos agem imoralmente como temos visto nesta crise. Sugiro que, adotando os critérios anteriores, há três tipos de imoralidade na política: imoralidade quanto aos meios, quanto aos fins, e quanto aos meios e aos fins.
A imoralidade quanto aos meios é aquela que resulta de os meios utilizados serem definitivamente condenáveis. A imoralidade quanto aos fins é aquela que se materializa quando falta ao político a noção de bem público: ainda que seu discurso possa afirmar valores, ele realmente busca apenas seu poder ou seu enriquecimento, ou ambos. Neste caso configura-se o político oportunista, que não tem outro critério senão seu próprio interesse. Há certos casos, em que a imoralidade é apenas em relação aos meios, outros, apenas quanto aos fins, mas geralmente é uma imoralidade tanto os meios quanto os fins: o político usa de quaisquer meios para atingir seus fins pessoais. Neste caso temos a imoralidade absoluta, o oportunismo, radical.
Quando pensamos nos principais responsáveis pela atual crise moral, o que vemos é que poucos foram imorais apenas em relação aos meios, utilizando meios condenáveis como a corrupção e o suborno, mas se mantendo fiéis a seus valores. A maioria é constituída de políticos que traíram todos os seus compromissos e passaram a adotar políticas econômicas que até o dia anterior criticavam acerbamente. Não agiram de acordo com a ética da responsabilidade ou mesmo com a ética de Maquiavel, mas de acordo apenas com seu interesse em se compor com os poderosos ou com os que pensam serem os poderosos aqui e no exterior. Seu único objetivo era e continua a ser sua permanência no poder. Um desses políticos acabou de perder o poder em um dos episódios mais lamentáveis de nossa história o outro continua a fazer campanha como se não fosse responsável por nada. Esse tipo de política, porém, tem vida curta nas democracias.
foto: Luiz Carlos Bresser Pereira (fonte:pt.wikipedia.org)
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