"Esse homem gosta é de burguês, não de pobre. Ele já falou que vai trazer a polícia para tirar nossa mercadoria."
A camelô Regina Silva falava alto ao se aproximar da calçada onde Celso Russomanno, candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PRB, tirava foto com eleitores. "Se é contra camelô, o que veio fazer na Lapa?", perguntava Regina.
Naquela manhã, o candidato já havia sido chamado de "fascista" e questionado por suas declarações contrárias ao Uber. Outras pessoas preferiram criticar quem estava ali por uma selfie. "Puxa-saco de político, heim? Que vergonha", disse um adolescente que passava pela roda.
Demonstrações de hostilidade e indiferença também foram registradas nas campanhas de rua de outros dos principais candidatos à prefeitura de São Paulo.
João Doria (PSDB) e Marta Suplicy (PMDB) foram chamados de "golpistas". Fernando Haddad ouviu gritos de "comunista" em agenda na praça Roosevelt, no centro paulistano.
Essas reações não são exclusividade da capital paulista. Consultores políticos ouvidos pela BBC Brasil disseram que, em todo país, as eleições de 2016 ficarão marcadas pela agressividade e indiferença da população.
Segundo os entrevistados, num cenário de crise, com o processo de impeachment de Dilma Rousseff e as investigações da Lava Jato, a descrença atingiu um ápice. Somada ao desânimo geral, a timidez da campanha teria afastado de vez o brasileiro.
"A cada ciclo eleitoral percebe-se o eleitor mais distante. Agora, o descrédito está chegando ao fundo do poço por causa dos escândalos. A sociedade está dando as costas à política e nesta eleição o fenômeno é evidente", diz Gaudêncio Torquato, professor aposentado de comunicação política da USP.
Os candidatos tiveram menos tempo (e dinheiro) para divulgar propostas, pois a mudança da legislação eleitoral proibiu as doações de empresas. A falta de recursos e a impossibilidade de se expor de outras formas fizeram com que os candidatos fossem mais às ruas, palco dos embates.
Consultor político há 30 anos, Torquato afirma que foi necessário incrementar a mobilização popular para compensar o dinheiro curto.
"É melhor os candidatos se submeterem ao eleitor indignado do que ficarem escondidos em casa. Antes de a agenda começar, aconselhei um cliente a comprar três pares de sapato, porque correr a rua era preciso."
Eleitor raivoso
Foi durante os corpo a corpo com os eleitores que Gil Castillo, profissional da área há 25 anos, viu os maiores desafios, principalmente para quem tenta a reeleição.
"Os candidatos têm uma dificuldade maior de andar nas ruas, de apertar a mão, tem muita gente indiferente e até hostil. Neste ano, o sentimento do eleitor é raivoso", diz ela, que também preside a Associação Latinoamericana dos Consultores Políticos.
Em agenda no centro de São Paulo no começo de setembro, o atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), foi confrontado por um grupo contrário a uma reintegração de posse. Eles gritavam e tentavam impedir Haddad de falar. Quando o petista chamou um dos manifestantes para conversar, o homem exaltou-se, chamou-o de "almofadinha" e mostrou o dedo do meio.
Nos eventos acompanhados pela BBC Brasil era comum ver assessores cercando os candidatos e selecionando quem se aproximava, na tentativa de evitar situações constrangedoras.
Mas mais do que a agressividade, o que preocupa os especialistas do ramo é a indiferença. As pesquisas de opinião mostram que parcela expressiva dos brasileiros pretende votar branco ou nulo.
No caso da capital paulista, 9% dos paulistanos adotaram essa postura, segundo o último levantamento do Ibope. Outros 3% não souberam ou não responderam. Somado, o grupo é maior do que aquele que apoia Luiza Erundina (5%) e está colado ao de Haddad (13%).
Para o professor de comunicação política da UFRJ Marcelo Serpa, é como se a isenção fosse tão importante que se tornasse um outro competidor.
"Ganha a eleição quem for capaz de conquistar mais fortemente os indiferentes. A vingança do eleitor não é dizer que o político é filha de uma mãe boazinha, é cruzar a rua quando o vê."
Recorde de nulos e brancos?
Além da "lei da indiferença", o presidente da Associação Brasileira de Conselheiros Políticos, Carlos Manhanelli, diz que crescem no Brasil outras duas regras: a da procrastinação e da efemeridade.
A primeira, explica, diz respeito à maior demora para definir o voto. De acordo com o Datafolha, na segunda-feira 34% dos paulistanos admitiram a possibilidade de mudar sua escolha até domingo.
A segunda trata da pouca importância que o brasileiro dá à participação na eleição. A decisão torna-se algo efêmero, sem relevância.
Nesse cenário, os entrevistados apostam em níveis recordes de votos brancos e nulos. Eles dizem que em grandes cidades como São Paulo, o percentual pode chegar a 20%.
A previsão de recorde nos nulos e brancos é também uma constatação sobre o esgotamento da política partidária no país.
"Com essa campanha, estamos fechando o ciclo da velha política, que já vem se desgastando há muito tempo. Os cidadãos estão saturados", diz Gaudêncio Torquato.
Ele diz que, apesar de mal-avaliada há bastante tempo, a classe política brasileira já pertenceu ao "Olimpo" da cultura de massa, dividindo espaço com cantores e jogadores de futebol. Eram tratados de forma "mitológica" pela imprensa, na expressão usada pelo filósofo Egard Morin.
"As pessoas admiravam os políticos, queriam tocar, abraçar, como os atores da televisão. O setor foi tirado desse Olimpo para viver no inferno, sob o fogo da indignação."
Torquato cita Fernando Collor como exemplo de olimpiano: bonito e atlético, era admirado pela população e pela imprensa. No entanto, dizem os consultores entrevistados, foi com o mesmo Collor que começou a derrocada da política brasileira. Ao congelar a poupança, ele teria sido a primeira grande decepção pós-redemocratização.
População mais exigente
O fato de as pessoas estarem mais distantes dos partidos não significa que ela estejam alienadas ou preocupam-se menos com temas importantes, dizem os entrevistados. Pelo contrário. Os brasileiros estariam mais exigentes antes de apoiar um nome.
Para o presidente da Sociedade Brasileira dos Profissionais e Pesquisadores de Comunicação e Marketing Político, Roberto Macedo, nas grandes cidades as pessoas já optam por candidatos mais coerentes e menos levianos - ou que ao menos passem essa impressão.
"A população minimamente entende que o futuro prefeito ou vereador deve ter alguma coerência e equilíbrio."
Macedo vê essa percepção como a "ponta do iceberg" de uma postura mais crítica, que ainda está em formação. "Começou com mais nas manifestações em 2013. É a característica de uma consolidação democrática."
Diante dos questionamentos do povo, candidatos e campanhas eleitorais terão que mudar, diz a consultora Gil Castillo.
Para ela, será preciso ouvir mais e prometer menos. As ideias expostas deverão ser críveis. A rua terá que ser um espaço comum da política, e não só nas eleições.
"As pessoas estão muito frustradas, porque viram promessas que não poderiam ser cumpridas. Teremos que lidar de forma mais verdadeira: citar apenas o que pode de fato ser realizado. Fórmulas quadradas ou comunicação de uma via só não funcionam mais."
Reportagem de Ingrid Fagundez
fonte:http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37511373#orb-banner
foto:http://www.fatosdesconhecidos.com.br/quem-vai-ganhar-a-proxima-eleicao-aprenda-a-prever-o-resultado-das-eleicoes/
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