Poucos dias depois de assumir o comando
do Tribunal Superior do Trabalho, o ministro Ives Gandra Filho (foto esq.) declarou ao
jornal O Globo que a Justiça do Trabalho ainda é
muito paternalista, pois “dá de mão beijada R$ 1 milhão para um trabalhador”,
por danos morais, quando não há nada previsto na legislação trabalhista sobre
este tema.
O novo presidente também sinaliza divergir de colegas sobre a
jurisprudência contrária à terceirização — no atual entendimento do TST, é
impensável que um empregador subcontrate serviços de outras empresas para
executar atividades essenciais.
“Não adianta ficar com briga ideológica de que não pode
terceirizar na atividade-fim, só meio. Não existe mais a empresa vertical, em
que você tem do diretor ao porteiro, todo mundo faz parte do quadro da empresa.
Hoje, você funciona com cadeia produtiva. A gente precisa urgentemente de um
marco regulatório.”
Em cenário de aperto na economia, Gandra Filho avalia que o
governo federal deveria flexibilizar a legislação trabalhista e permitir que
empresas e sindicatos possam fazer acordos fora da CLT, desde que os direitos
básicos sejam garantidos. “A nossa Constituição prevê a flexibilização de
direitos em crise econômica”, afirma.
Leia a entrevista:
O Globo — A decisão do STF que autoriza
prisão após decisão de segunda instância se aplica à Justiça trabalhista?
Ives Gandra Filho — Esse princípio, aplicado na esfera
criminal, tem que ser aplicado a todas as áreas, na Justiça do Trabalho e na
Justiça Federal. A mesma coisa no setor privado e no setor público. Se a União
está deixando de pagar precatório, se está enrolando demais, tem que dizer:
olha, já teve duas decisões, você pode recorrer para ao STJ, ao STF, mas você
vai ter que começar a pagar.
O Globo — O que precisa para ser
aplicado às demais áreas?
Ives Gandra Filho — A decisão de um juiz ser revista por um
tribunal. A partir daí, 3ª instância, 4ª instância, é só para ver se seu
direito está sendo interpretado de forma uniforme em todo o país. O TST, o
Supremo não têm que julgar todas as causas, não são tribunais de Justiça. A
justiça se faz em duas instâncias e a uniformização é que se faz nos tribunais
superiores. O que nós podemos fazer aqui no TST é interpretar os dispositivos
que tratam dos recursos à luz dessa jurisprudência do Supremo. Ou seja, ser
mais parcimonioso quanto a dar liminar ou cautelar suspendendo a execução.
O Globo — Já não é assim?
Ives Gandra Filho — Hoje, a execução antes do trânsito em
julgado é provisória. Você pode chegar até a penhora. No caso do pagamento
imediato, na maioria das vezes o trabalhador tem que pagar uma caução, porque
se a situação se reverter, ele vai ter que devolver e aí diz que não tem
condições porque já gastou tudo. O efeito da decisão do STF é que se vai
começar a admitir que levante o dinheiro. No fundo, a gente vai ter que
decidir, fazer adequações. Mas, de qualquer forma, se a 2ª instância referendou
a decisão da 1ª instância, você já pode começar a executar.
O Globo — A medida poderá reduzir o
tempo dos processos?
Ives Gandra Filho — Se
um processo leva dez anos, cinco na primeira para a segunda instância e fica
cinco parado aqui, você conseguiria um efeito imediato de reduzir esse tempo
pela metade e depois esperaria para ver se referenda ou não. Acho que o mais
importante não é a redução do prazo, mas a eficácia: botar o bandido na cadeia
mais rápido ou então você receber mais rápido o que tem direito.
O Globo — A legislação trabalhista
precisa de reforma?
Ives Gandra Filho — A gente tinha que ter era uma legislação
trabalhista que pegasse fundamentalmente os direitos comuns a todos os
trabalhadores, como 13º salário, férias, adicional noturno, de periculosidade,
horas extras, FGTS e Previdência. O que diz respeito às condições específicas
de cada categoria deveria ser na base de convenção e acordo coletivo, porque
quem mais entende de cada ramo são eles (empresas e trabalhadores). Defendo a
prevalência do negociado sobre o legislado, semelhante àquilo que o próprio
governo soltou que foi o PPE (Programa de Proteção ao Emprego do Ministério do
Trabalho).
O Globo — Mas o PPE não está impedindo
as demissões.
Ives Gandra Filho — O problema é que o governo, do ponto de
vista econômico, não tem mais confiabilidade. Por mais isenta que a presidente
Dilma esteja hoje com tudo o que houve em termos de desmandos, houve opções
erradas do governo, houve desgoverno e, por outro lado, há denúncias muito
palpáveis de corrupção. No momento em que você perde a credibilidade, não
adianta. Qualquer outro que ocupe o lugar dela agora contará com mais confiança
da população do que ela. Lembro da época do Collor que, no final do governo,
montou o ministério dos notáveis. Não deu para salvar, porque já tinha passado
do limite.
O Globo — A reforma trabalhista poderia
ajudar na crise? Como?
Ives Gandra Filho — Não só ajudaria, mas resolveria
praticamente. Por exemplo, muitas empresas pagam o transporte do trabalhador
(buscam e levam) e a Justiça do Trabalho entende que é o horário que você fica
está à disposição e conta como hora extra, mesmo que você esteja sentado, não
fazendo esforço, não produzindo nada. A empresa poderia sentar com o sindicato,
dar algumas vantagens compensatórias e flexibilizar esse disposto da CLT, que
fala do tempo à disposição do empregador.
O Globo — O que a própria justiça
trabalhista poderia fazer para aliviar a crise?
Ives Gandra Filho — Discutir a jurisprudência. Este Tribunal
pode colaborar mais ou menos com a superação da crise econômica, se levar em
consideração o efeito que pode ter uma decisão no modelo econômico.
O Globo — Poderia dar um exemplo?
Ives Gandra Filho — Hoje você tem praticamente, em toda a
reclamação trabalhista, pedido de indenização por danos morais. O simples fato
de eu ter sido despedido me causou uma dor tão grande diz o trabalhador. E quem
sai feliz despedido? Ninguém. Mas não há nada na legislação trabalhista sobre
este tema. Você pega a legislação civil e começa aplicar na Justiça do
Trabalho, sem parâmetros, sem critérios. O TST poderia criar esses parâmetros.
Outro exemplo é ampliação da teoria do risco: você está indo para o trabalho no
seu carro e vem outro e bate em você e você se machuca muito. Quem bateu? Um
terceiro. Não é que o TST entende que é acidente de trabalho e a empresa fica
responsável e tem que arcar com tudo, inclusive danos morais.Tem gente que
ganha R$ 100 mil, R$ 500 mil. Virou uma loteria.
O Globo — A crise pode estimular acordos
entre as partes?
Ives Gandra Filho — Sim. Em vez de impor às empresas
determinadas decisões que terão um impacto muito grande, o juiz deveria tentar
fazer acordo. Em dissídios nacionais, chego a gastar horas, mas eu fecho o
acordo e, assim, consigo evitar a greve, como foi o caso mais recente dos aeronautas.
A primeira coisa que um juiz deveria fazer é tentar conciliar, depois ele vai
julgar. O TST pode começar a estimular as conciliações. O juiz pode ser
promovido, quanto mais conciliações ele tiver.
O Globo — Os empregadores se queixam que
a Justiça do Trabalho fica sempre do lado do trabalhador.
Ives Gandra Filho — A Justiça Trabalhista continua sendo
muito paternalista. No mundo não é assim. Nos EUA, tem muito mais ação na base
e a maior parte de resolve através de acordo, depois de uma primeira decisão.
Aqui, no Brasil, você quer ir até o Supremo. Quanto mais paternalista,
principalmente em época de crise econômica, menos você contribui para
superá-la. A nossa Constituição prevê a flexibilização de direitos em crise
econômica. Se você não admite essa flexibilização, pensa que está protegendo o
trabalhador a ferro e fogo. É como se quisesse revogar a lei da gravidade por
decreto, revogar a lei do mercado. Você vai quebrar a cara. Se você pegar
algumas ações, não tem condição, a gente dá de mão beijada R$ 1 milhão para um
trabalhador, que se trabalhasse a vida toda não ia ganhar aquilo.
O Globo —Mas a reforma trabalhista é
tabu no governo do PT.
Ives Gandra Filho — Acho que os fatos vão pressionando de
tal forma que, tanto a jurisprudência, quanto as decisões governamentais, como
aconteceu com o PPE, caminham para mudanças. Esse governo foi o que bateu mais
contra a prevalência do acordado sobre o legislado e esse programa é claramente
de flexibilização, ao permitir redução de salário e de jornada para período de
crise. Os fatos vão se impor.
O Globo — O TST tem se posicionado
contra a terceirização na atividade-fim. Qual é a sua opinião?
Ives Gandra Filho — Não adianta ficar com briga ideológica
de que não pode terceirizar na atividade fim, só meio. Não existe mais a
empresa vertical, em que você tem do diretor ao porteiro, todo mundo faz parte
do quadro da empresa. Hoje, você funciona com cadeia produtiva. A gente precisa
urgentemente de um marco regulatório. A única coisa que não se admite é você
ter duas pessoas trabalhando ombro a ombro no mesmo local, fazendo a mesma
coisa, um sendo de uma empresa e outro de outra, um ganhando a metade do
salário do outro.
O Globo — E sobre a decisão do governo
de permitir o uso do FGTS como garantia no crédito consignado?
Ives Gandra Filho — A finalidade do FGTS é garantir [o
sustento do trabalhador] durante um tempo depois da despedida. Já existem
várias exceções para o saque, como doença grave, aposentadoria, compra da casa
própria e, à medida que você vai abrindo exceções para uma série de coisas que
não são aquelas pelas quais ele foi criado, na hora em que você precisar, não
terá nada. Do ponto de vista jurídico, é mais uma exceção; do ponto de vista
econômico, de racionalização do sistema, acho que, aparentemente ajudando o
trabalhador, no fundo, você está prejudicando.
foto:http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=110739
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