Regularmente, aproveitando as reuniões ministeriais ou as
cimeiras com os chefes de Estado e de governo, o coordenador para as operações
de contra-terrorismo da União Europeia, Gilles de Kerchove, presta conta dos
seus esforços e avança novas recomendações para uma “política europeia
anti-terrorismo”, mas com as agendas nacionais e as preocupações políticas
próprias de cada país a imporem-se, a sua missão tem-se revelado por vezes
inglória. “O essencial continua a ser nacional, os programas e as formas de intervenção
são decididas por cada país e a partilha de informação a nível europeu torna-se
extremamente difícil”, diz o investigador Álvaro Vasconcelos, que dirigiu o
Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia.
A Europa continua a
debater-se para encontrar soluções tangíveis em resposta ao seu problema de
segurança contra o terrorismo. Algumas das dificuldades têm a ver com a
abordagem ao problema. “Há uma convicção de que é uma ameaça exterior e difusa,
que se resolve se se fecharem as fronteiras e impedirem as entradas de
refugiados”, aponta Vasconcelos. Mas no imenso labirinto da burocracia e
regulamentação europeia, é possível encontrar mecanismos e instrumentos para
responder a esse desafio – só falta encontrar a vontade política e afinar a
cooperação institucional.
Registo Europeu dos
Passageiros Aéreos
Há mais de quatro anos que os vários membros da União Europeia discutem a
aplicação de um sistema de monitorização e vigilância de passageiros aéreos
semelhante ao que foi instituído nos Estados Unidos após os atentados de 11 de
Setembro de 2001, o Passenger Name Record ou PNR. A proposta, apresentada pela
Comissão Europeia em 2011, esbarrou nas dúvidas do Parlamento Europeu sobre
matérias de privacidade e direitos individuais – esta quarta-feira, o
presidente da Comissão Jean-Claude Juncker recordou que são os deputados
europeus que têm a responsabilidade pelo impasse.
O princípio de
funcionamento do PNR é o seguinte: as companhias aéreas retêm todos os dados
pessoais dos seus passageiros – nomes, itinerários, formas de pagamento e até o
número de assento escolhido – e essa informação é depois tratada pelas agências
de segurança. Teoricamente, essa recolha permite impedir o embarque de
indivíduos já sinalizados como ameaças, e chamar a atenção para movimentos
suspeitos: por exemplo, pessoas que compram viagens só de ida para destinos
sensíveis. A colecção dos dados também permite às autoridades identificar e
vigiar os casos de regresso a casa de cidadãos europeus que foram radicalizados
ou combateram em territórios controlados pelos jihadistas (Síria, Iraque,
Iémen).
No entanto, como refere
Álvaro Vasconcelos, esta é uma medida preventiva pensada para responder a uma
ameaça externa: o seu objectivo é diminuir a possibilidade de atentados em
aviões. “Faz todo o sentido, mas abrange apenas uma dimensão do problema.
Encontramo-nos agora numa nova fase das acções de terror”, nota, lembrando que
em Bruxelas e em Paris, como antes em Madrid e Londres, os ataques
desenrolaram-se nos locais onde as pessoas vivem.
Serviços de informação e
controlo de fronteiras
Na sequência dos atentados de 13 de Novembro de 2015 em Paris, a Europol,
agência de polícia europeia, criou um centro de combate ao terrorismo, numa
tentativa de colmatar uma das falhas mais apontadas à estratégia de
contra-terrorismo da UE: a da falta de cooperação entre os diferentes serviços
nacionais, principalmente no que diz respeito à partilha de informação. “A
coordenação aumentou bastante, apesar da resistência que sempre existe ao nível
das polícias nacionais”, reconhece Álvaro Vasconcelos.
Do ponto de vista do
funcionamento dos serviços, há um elemento humano que este especialista
classifica como “essencial” e que, tal como já aconteceu com os Estados Unidos
no Afeganistão e no Iraque, tem falhado: a capacidade de infiltrar as redes
subversivas e militantes. “É preciso que os serviços de informação adquiram
muito rapidamente essa capacidade que actualmente não têm”, afirma, concedendo
que dada a alteração da natureza dessas redes ou células, esse processo se
tornou mais difícil e complexo. “Agora estamos a falar de relações de grande
proximidade, de vizinhos e até familiares”, isto é, grupos fechados,
desconfiados e renitentes a qualquer aproximação.
Também foram tomadas
medidas no âmbito da acção da agência de fronteiras Frontex, que tem uma dupla
missão de controlo de segurança e de fluxos migratórios. O principal problema é
que actualmente os recursos destas agências estão assoberbados – e sob enorme
pressão – com a gestão da crise de refugiados no mar Egeu, no Mediterrâneo e ao
longo da chamada rota dos Balcãs.
Fiscalização e
criminalização
A UE já tomou medidas para melhorar a capacidade de detecção de explosivos,
materiais químicos, radiológicos e ameaças nucleares em centros de transportes
e infraestruturas “críticas” – aeroportos, estações ferroviárias, portos, etc.
Também existem instrumentos legais para agir ao nível financeiro: rastrear
transacções, transferências e outras movimentações financeiras, lícitas ou
ilícitas (através do programa contra o branqueamento de capitais). O plano de
acção europeu inclui ainda uma vertente de sanções e/ou congelamento de bens. E
há cobertura jurídica e institucional para a intercepção de telecomunicações de
indivíduos e organizações suspeitas e para a vigilância do material terrorista
que circula na Internet.
Todas estas medidas visam
prevenir acções terroristas ainda na sua fase embrionária, de financiamento,
organização e planeamento: impedir os contactos e a disseminação de informação;
travar o acesso a armamento, explosivos e outro material usado em ataques é crucial.
Mas mais uma vez, o cerne da questão é a integração e a coordenação entre
serviços e agências, que ainda não chegou ao nível de eficiência desejado.
O Conselho da Europa também
fez recomendações aos países em termos de justiça criminal. Em Dezembro de
2015, foi apresentada uma directiva para a harmonização dos códigos jurídicos
nacionais para a criminalização de acções ligadas ao terrorismo, por exemplo a
“facilitação” de viagens ou o “treino passivo”.
Depois, há ideias e
propostas variadas conforme os países. O Governo britânico, por exemplo,
defendeu a revogação dos passaportes de indivíduos suspeitos de envolvimento
com terrorismo, nomeadamente cidadãos nacionais que tenham saído do país para
receber treino na Síria ou no Iraque, e que assim ficariam impedidos de
retornar ao país de origem. Também a França propôs legislação no sentido da
retirada da nacionalidade com base em suspeitas de terrorismo – uma proposta
muito polémica no país.
Integração e Acção Social
Como sublinha Álvaro Vasconcelos, é preciso conhecer o contexto em que estes
fenómenos de radicalização para a acção terrorista decorrem; é com base nessa
informação que se devem desenvolver as políticas. São contextos que passam por
um enfraquecimento do Estado (ou por instabilidade política ou financeira) e
por situações de marginalização e exclusão social.
Por isso, em vez de andar a
inventar soluções à pressa para a deportação de refugiados que nada têm a ver
com a ameaça terrorista, Álvaro Vasconcelos entende que os Estados membros alcançariam
melhores resultados se investissem em programas de dimensão europeia para a
intervenção social e económica em áreas problemáticas como por exemplo o bairro
de Molenbeek onde viviam os autores dos atentados de Bruxelas e onde já
tinham sido detectadas actividades potencialmente perigosas.
Política externa
Para além das medidas operacionais, há uma outra componente estratégica na
política externa . Nessa vertente, a acção europeia tem-se revelado
particularmente deficitária, “Há uma guerra de proporções terríveis na Síria, e
que se prolonga pelo Iraque, e que era impensável que não tivesse influência
na UE ou repercussão em termos da desintegração das fronteiras. E na
resposta a essa crise, a iniciativa pertence aos Estados Unidos, à Rússia e às
potências regionais”, constata Álvaro Vasconcelos. “A Europa não está presente
como devia”, considera.
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