22/06/2015

Espaços abandonados em Madri viram centros com atividades para população

Okupar para transformar: apesar de investidas do governo, espaços abandonados em Madrid viram centros sociais com atividades gratuitas para população.



Um senhor de cabelos brancos e bengala empunhada sobe lentamente as escadas. Depois de um longo suspiro, sorri e nos convida a conhecer a oficina de pintura. Na pequena sala, estão à mostra dezenas de telas feitas por ele e por seus alunos, que comparecem às aulas gratuitas nas noites de terça e quinta-feira. “Aqui encontrei um espaço para passar um pouco do meu conhecimento”, diz, orgulhoso.
A oficina de pintura é uma das atividades ofertadas na La Dragona, centro social okupado autogerido no bairro La Elipa, em Madrid. O espaço funciona em um edifício de quatro andares que servia à administração do cemitério La Almudena. Depois de passar mais de 15 anos abandonado, um grupo decidiu ocupar o local e dar-lhe novo uso. O prédio que antes exibia escombros, hoje oferece à comunidade salas de música, de ginástica, biblioteca, loja gratuita e horta, entre outros espaços.
A Dragona é uma das 20 okupações existentes na capital espanhola, uma das cidades em que o "movimento okupa" está presente de maneira mais contundente. Ao contrário das ocupações de sem-teto, que têm como objetivo a reivindicação de moradia, as okupas culturais buscam transformar espaços abandonados em centros sociais, baseados em princípios como autogestão e horizontalidade. A grafia okupa com “k” é feita exatamente para diferenciar os movimentos.
Com a tomada de espaços abandonados, os grupos também conseguem chamar a atenção para outras questões, como a especulação imobiliária que, por conta do descompasso entre a valorização dos imóveis e a capacidade de arrendamento das pessoas, aumenta a quantidade de construções sem uso. Outro debate importante é a falta de preparo do governo, incapaz de oferecer alternativas culturais e sociais acessíveis à população.
Raízes
O movimento okupa surgiu na Inglaterra no final da década de 1960 com o nome squatter e logo se expandiu para o resto da Europa. A Espanha viveu suas primeiras experiências de okupação duas décadas mais tarde, mas foi em 1989 que nasce o primeiro centro social okupado de Madrid. A partir de então surgem outros espaços autogeridos, alguns deles que resistem até hoje, como o La Casika de Móstoles, na região metropolitana desde 1997, e a Eskalera Karakola, gerido exclusivamente por mulheres desde 1996.
O movimento se expandiu após as históricas ocupações de praças realizadas pelo 15M, movimento dos 'indignados espanhóis', em maio de 2011. As assembleias populares que agrupavam milhares de pessoas por todo o país debatiam uma série de reivindicações e propostas de atuação. A okupação de espaços abandonados, além de consistir em uma ação direta contra a especulação imobiliária e em favor da ampliação da oferta de atividades culturais para a comunidade, daria oportunidade aos envolvidos de continuar as discussões. “O 15M foi um momento de despertar de consciências e ajudou a fortalecer as okupações”, afirma Ignácio*, integrante da La Dragona.
No Brasil, a okupação de imóveis abandonados para transformá-los em centros sociais e culturais começou na década de 1990. O movimento ganhou força após as jornadas de junho, em 2013, quando estouraram manifestações populares por todo o país. A aproximação de pessoas com pensamentos políticos afins e desejos de mudanças colocou a pauta na ordem do dia. Na esteira das manifestações, ficaram nacionalmente conhecidas as experiências da Casa Amarela, em São Paulo, do Espaço Comum Luiz Estrela, em Belo Horizonte, e do Ocupe Estelita, em Recife — este último já despejado.
Horizontalidade e autonomia
Ainda que o movimento okupa apresente particularidades em cada país, as práticas de organização são similares. Uma das principais características é o fato de que as decisões acontecem por meio de assembleias horizontais nas quais todas as pessoas têm igual direito de participação. Essa forma de organização busca promover processos democráticos e inclusivos, ainda que lentos e imperfeitos. Também é um traço marcante destes espaços a rejeição a comportamentos homofóbicos, machistas, racistas ou xenófobos.
Outra característica é o fato de que a militância okupa, ao contrário da militância tradicional, não se baseie na realização obrigatória de tarefas: os participantes se responsabilizam por aquilo que têm interesse durante um período de tempo determinado. A organização das atividades oferecidas pelo espaço também se sustenta na autonomia dos seus proponentes. Entre as ofertas estão aulas de língua estrangeira, oficinas de teatro, rodas de conversa e exibição de filmes, por exemplo.
A manutenção financeira dos centros sociais também acontece por meio de doações de gestores e apoiadores. Quando faltam recursos para a realização de projetos ou reformas, os espaços okupados organizam eventos com entrada gratuita – assim como todas as atividades locais. “A nossa política é vender bebidas, comidas e outras coisas, como camisetas e bottons, a preço de custo. Fica a cargo da consciência de cada pessoa dar um pouco mais para ajudar o espaço”, afirma Pilar*, integrante da Quimera de Lavapiés.
Movimento de resistência
Por muito tempo não houve nenhuma lei específica que condenasse a apropriação de espaços abandonados na Espanha. O que ocorria, normalmente, era a abertura de um processo judicial por parte do proprietário do edifício. O processo transcorria a passos lentos até a decisão pelo despejo ou pela cessão de uso. Com a reforma do Código Penal, em 1995, porém, a okupação de edifícios públicos ou privados por terceiros passou a ser considerado um delito, o que acelera o processo de julgamento e permite o despejo dos inquilinos sem aviso prévio.
As okupações se defendem como podem. Prova disso foi a convocação feita pelos responsáveis pelo Patio Maravillas no dia 20 de março, chamando sua rede de apoiadores a se concentrar em frente ao edifício okupado e resistir à execução de uma ordem de despejo. As 9h a rua já estava tomada por mais de 500 pessoas, que se divertiam ao som da música projetada desde as varandas do prédio e resistiam ao frio do último dia de inverno com churros e chocolate quente. O despejo não aconteceu.
Ações de outras naturezas também são comuns. A investida mais recente aconteceu no dia 30 de março, quando a polícia espanhola invadiu as okupações La Quimera de Lavapiés e 13-14 Okupadas, ambas em Madrid, e La Redonda, em Granada, além de vários domicílios em Barcelona, Granada, Madrid e Palencia. Durante a operação foram detidos 15 anarquistas acusados de pertencer a organizações criminosas com fins terroristas, além de outras 25 pessoas por resistiram à invasão domiciliar. “Seu objetivo é infundir medo entre as pessoas que querem se organizar de maneira independente e que, por causa disso, escapam ao controle do estado”, publicaram os responsáveis pela Quimera de Lavapiés, na internet.
Apesar do sem número de obstáculos, o movimento okupa segue firme. “Construir um espaço como esse é muito mais difícil que ficar sentada na frente da televisão. Mas também é muito mais potente. Vi muitas pessoas realizando sonhos aqui dentro”, afirma Maria, sobre os motivos que lhe fazem seguir na resistência.
* nomes fictícios

Reportagem de Juliana Afonso
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/40754/na+espanha+okupacoes+publicas+questionam+especulacao+e+falta+de+acesso+a+cultura.shtml
foto:http://15mciudadlineal.org/page/2/

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