22/06/2015

Que legado grandes eventos trazem para os direitos humanos no Brasil?

Artigo de Júlia Mello Neiva, pesquisadora do Centro de Informações sobre Empresas e Direitos Humanos.

Moradores pobres sendo vítimas da gentrifricação e de remoção forçada sem consultas adequadas, canteiros de obras sem condições adequadas à saúde e à segurança de trabalhadores, manifestantes violentamente detidos por forças de segurança. Cenas como essas têm sido comuns no Brasil.
Uma das maiores dificuldades quando se discute os impactos das empresas sobre direitos humanos é prevenir e proteger contra abusos dos direitos decorrentes de suas operações. O desafio é ainda maior quando megaprojetos são necessários para sediar Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, os quais infelizmente foram e têm sido acompanhados de abusos e violações de direitos humanos.
Recentemente, Moradores da Vila Autódromo denunciaram que a prefeitura do Rio teria negociado com empresas privadas a construção de prédios para classe média no bairro onde vivem, causando a remoção de ao menos mil famílias pobres. Segundo os moradores, nas obras de renovação, a prefeitura e empresas privadas têm excluído os pobres do que chamam de “progresso”.
Outro problema é a poluição da Baía da Guanabara, que em parte decorre da atuação irresponsável de empresas, principalmente indústrias e refinarias de petróleo, que contribuem com vazamento de óleo e não cuidam adequadamente do lançamento de resíduos.
Qual a resposta de empresas e governos para prevenir e remediar abusos de direitos humanos decorrentes de operações empresariais?
O governo brasileiro, em resposta à pesquisa Plataformas de Ação de governos e empresas sobre empresas e direitos humanos que desenvolvemos, demonstra interesse no tema de empresas e direitos humanos. Apontou iniciativas relevantes como o combate ao trabalho escravo, por meio da Lista Suja. Contudo, afirma que um dos entraves mais importantes às ações no tema é a “falta de entendimento ou conscientização sobre questões envolvendo empresas e direitos humanos no governo”. É inaceitável que isso impeça o país de cumprir e implementar leis voltadas à prevenção e proteção dos direitos.
Em geral, instrumentos de direitos humanos disponibilizados por empresas são interessantes, mas ainda não conseguem ser eficazes para prevenir, mitigar e reparar os abusos decorrentes de suas atividades.
Tomemos como exemplo as empresas Itaú Unibanco, Vale e Petrobrás. Em suas respostas à pesquisa, apontaram a existência de instrumentos internos para tratar de queixas e reparações formuladas por comunidades, indivíduos e trabalhadores.
O Itaú Unibanco abordou mais diretamente o tema em duas questões. Ao responder sobre como as questões de direitos humanos são administradas na empresa, o banco afirmou que disponibiliza “canais internos e externos para denúncia de situações que estão em desconformidade com as diretrizes das políticas corporativas, orientações de código de ética, legislação, entre outros”. À questão sobre providências da empresa para se certificar de que queixas dos trabalhadores, comunidades ou indivíduos afetados são ouvidas e exemplos dos recursos de reparação oferecidos, o banco disse que “disponibiliza o Ombudsman para receber denúncias e oferecer orientações a respeito do tema. O canal atende...os colaboradores em questões de conflitos interpessoais. As manifestações são recebidas por pessoas...que dão o tratamento...por meio de aconselhamentos, mediação de conflitos e ...apuração de denúncias mais graves...”. Em ambas respostas, fica claro que existe um canal, principalmente para os colaboradores, mas não fica tão evidente quais são os recursos disponíveis para reparação de abusos para indivíduos e comunidades afetados.
A Petrobras também disponibiliza tais serviços, mas para os públicos interno e externo, e com atendimento pessoal. Em sua resposta à questão sobre como os direitos humanos são administradas na empresa, afirma que foi “desenvolvida a Metodologia para Gestão de RS em Projetos de Investimento...que contém orientações e ferramentas para auxiliar o responsável pelo projeto...de responsabilidade social que contribuam para a mitigação de riscos sociais negativos e para a potencialização das oportunidades relacionadas ao projeto”.
A Vale também menciona que já está em curso a aplicação de ferramenta de gestão de riscos de direitos humanos. Ao responder sobre quais providências toma para se certificar de que queixas dos trabalhadores, comunidades ou indivíduos afetados são ouvidas e exemplos dos recursos de reparação oferecidos, assim como o Itaú Unibanco e a Petrobras, menciona o canal com uma ouvidoria. Mas não menciona a possibilidade de encaminhamento de denúncias com atendimento pessoal, como a Petrobras. Na questão sobre como aborda a participação das partes interessadas, incluindo funcionários e comunidades locais afetadas nas questões de direitos humanos, a Vale trata de outras possibilidades de diálogo com a comunidade em que aborda também o acesso à reparação: “...estreitar o relacionamento com...partes interessadas...tratando suas queixas e demandas e buscando construir em conjunto soluções sustentáveis...[E]...está implantando...processos de diálogo social estruturados e permanentes com as comunidades...”.
Seria interessante saber se e como essas diferentes iniciativas têm impactado positivamente comunidades no território. Nenhuma das empresas comenta como têm concretamente conseguido oferecer acesso à reparação aos mais vulneráveis por suas ações.
É preciso que tanto Estados quanto empresas escutem mais vítimas de abusos de direitos humanos para repará-las e melhorar suas ações visando a construção de um futuro mais digno, em que as comunidades possam fazer parte de um processo de desenvolvimento não só econômico como social, e possam decidir sobre seu futuro. Apenas desta forma, o legado das Olimpíadas do Rio terá um foco mais humano do que o da Copa do Mundo.

fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/20/politica/1434828566_923530.html
foto: http://blog.eyffteodoro.com/cidades-do-futuro-em-modelo-de-favela-2/

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