03/12/2014

Grupo tenta na Justiça barrar aplicação de acordo ortográfico em Portugal

Pacto será obrigatório no país a partir de maio de 2015, mas já foi adotada por escolas; juristas argumentam que acordo viola "estabilidade ortográfica".



A seis meses da entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990 em Portugal, um grupo, com mais de cem personalidades de diversas áreas, quer torná-lo inconstitucional. Eles ingressaram com uma ação judicial popular, junto ao Supremo Tribunal Administrativo, contra a aplicação do acordo no ensino português. Além disso, enviaram requerimento à Procuradoria-Geral da República (PGR), solicitando que o Ministério Público tente uma ação pública contra o que consideram uma “imposição inconstitucional” das novas regras.
Caso a decisão da Justiça portuguesa, que deverá sair no primeiro semestre de 2015, seja favorável, a reforma será considerada ilegal. O que, em longo prazo, poderá pressionar os países da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) a realizar revisões ou a não aplica-lo.
A ação judicial foi patrocinada pelo professor de Direito Francisco Rodrigues Rocha, da Universidade de Lisboa, e a fundamentação foi preparada por Ivo Miguel Barroso, docente na mesma instituição. Os ex-ministros Diogo Freitas do Amaral (dos Negócios Estrangeiros) e Isabel Pires Lima (da Cultura), o escritor Miguel Sousa Tavares, a atriz Lídia Franco e o músico Pedro Abrunhosa, dentre outros, subscreveram a ação.
Como supostamente inconstitucional, Barroso pontua a antecipação do final do “prazo de transição”, instituído por uma reserva ao 2º Protocolo Modificativo, em cinco anos para o sistema de ensino, e em quatro anos e nove meses para a Administração Pública e publicações do Diário da República – o que equivalente ao Diário Oficial da União. Além do fato do protocolo estabelecer o tratado com a assinatura de apenas três signatários – Brasil, Portugal e Cabo Verde.
O jurista também utiliza o artigo 43º da Constituição Portuguesa e o artigo 1º da Constituição da República Portuguesa, de 1976, para justificar as ilegalidades. De acordo com o artigo 43.º, n.º 2, da Constituição Portuguesa, o Estado não pode programar a cultura e a educação segundo quaisquer diretrizes estéticas, políticas ou ideológicas.
“Ao introduzir mudanças gráficas acentuadas, o Acordo de 90 viola o valor da estabilidade ortográfica. Entendemos que não é possível que o Estado-poder empreenda uma reforma ortográfica – ainda mais a de 90, com erros técnicos e científicos -, à luz da Constituição de 1976, uma vez que a inalienável dignidade da pessoa humana e os seus direitos antecedem o Estado-poder”, afirma. 
Barroso não acredita que o tratado irá vingar, devido, segundo ele, à enorme fragilidade de seus “pseudo fundamentos”. “O Acordo Ortográfico de 1990 é uma versão mitigada do Acordo de 1986. Este último projeto encontra raízes textuais no projeto de 1975, negociado entre 1971 e 1975. Portanto, não há uma ‘nova’ ortografia, pois tem 39 anos; ou, se contar desde o início das negociações, tem 43 anos”, argumenta.
Se a Justiça portuguesa julgar a favor do grupo, certamente haverá alguma consequência política por parte do Estado português. No entanto, o tratado só poderá ser extinto com a anuência das outras partes. Diante disso, Barroso avalia que a “inconstitucionalidade” poderá pressionar outros Estados a fiscalizar possíveis ilegalidades no acordo ou na aplicação.
Brasil: pouco interessado na discussão
Segundo Barroso, a não aplicação da reforma corresponde ao anseio da sociedade portuguesa. Edvaldo Bergamo, professor de Literatura da UnB (Universidade de Brasília), diz que Portugal nunca aceitou bem o acordo, mas ressalta que o Brasil não está muito interessado nessa discussão.
ontudo, Bergamo pondera que o acordo poderia ser importante por questões econômicas e políticas, sobretudo no mercado do livro no mundo lusófono. “Seria muito relevante se a produção literária circulasse com mais força entre os países de língua portuguesa”, afirma. “Mas nada mudou, ou seja, é muito caro importar livros, as edições não são simultâneas”.
Para o professor da UnB, não haverá grandes consequências caso a Justiça portuguesa julgue pela inconstitucionalidade. “Ocorrerá um desgaste político, mas a CPLP não funciona como deveria. É apenas um aparato diplomático sem ações culturais práticas”, diz.
Portugal foi o primeiro país a ratificar o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, no mesmo ano. Angola e Moçambique foram os únicos países lusófonos que não ratificaram. O AO90 está em vigor desde maio de 2009 e torna-se obrigatório no país lusitano a partir de maio de 2015, sete meses antes do Brasil. Todavia, a reforma já foi adotada pelas escolas portuguesas no ano letivo 2011-2012, pelas editoras, pela imprensa e pelas publicações do Estado, desde 2012. No Brasil, as escolas começaram em 2010.
A reportagem de Opera Mundi contatou a CPLP para saber a posição acerca da ação judicial movida em Portugal contra o Acordo Ortográfico, mas, até a publicação da matéria, não obteve resposta.
Petição
Em 2013, cerca de 6 mil pessoas assinaram uma petição reivindicando a desvinculação de Portugal ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Segundo a petição, esta é “a única forma possível de deter as nefastas consequências para a literacia de todas as gerações de portugueses que a aplicação deste desconchavado e pessimamente fundado e inútil AO90 está a causar”.
O tema seria debatido em dezembro do ano passado, na Assembleia da República de Portugal, mas, de última hora, saiu da pauta. Atualmente, os parlamentares querem que o governo português análise a questão.
Outros Acordos
Em 1911, Portugal estabeleceu pela primeira vez um modelo ortográfico de referência para publicações oficiais e para o ensino. Contudo, o Brasil não adotou tais normas. O primeiro tratado neste sentido foi assinado em 1931, porém este viria a ser interpretado de forma diferente nos vocabulários ortográficos dos países e, portanto, não foi colocado em prática. Portugal criou o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1940; e o Brasil, o Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1943.
Com o objetivo de eliminar as divergências, uma convenção ortográfica foi assinada por ambos os países em 1945, mas este foi aplicado apenas no país europeu. O sul-americano permaneceu com o vocabulário anterior. Após várias tentativas de ambos os lados para chegar a um consenso, os países conseguiram aproximar as variedades escritas na década de 1970, mas a reforma não foi aprovada oficialmente.
Com a ajuda da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa, os representantes da CPLP – Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe – se reuniram em 1990 e chegaram ao acordo vigente. Timor-Leste ingressou depois no grupo e ratificou o pacto.

Reportagem de Marcelo Montanini 
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/38700/grupo+tenta+na+justica+barrar+aplicacao+de+acordo+ortografico+em+portugal.shtml
foto:http://blog.opovo.com.br/portugalsempassaporte/linguistas-brasileiros-sugerem-plano-a-portugal-para-discutir-novo-acordo-ortografico-no-espaco-lusofono/

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