Diante da crise econômica que atinge a Itália, uma companhia de abastecimento de água adotou uma medida pouco comum para lidar com o crescente número de inadimplentes entre os usuários de seus serviços.
O projeto da companhia pública Padania Acque Gestione, responsável pelo abastecimento de 115 cidades na Província de Cremona (norte da Itália), permite que consumidores com a conta de água atrasada "paguem" o valor devido fazendo algum tipo de serviço social.
"Temos recebido muitos pedidos de consumidores que propõem o parcelamento das contas. E há aqueles que não conseguem mais pagá-las. A água é um direito universal do homem e não podemos cortá-la", disse à BBC Brasil o presidente da empresa, Alessandro Lanfranchi.
A ideia segue a lógica de um banco de horas que o consumidor acumula e a empresa aceita como moeda de troca. Lanfranchi explica que entre os trabalhos estão cuidar de um jardim público na cidade do consumidor ou acompanhar idosos por algumas horas.
O consumo médio de uma família de três integrantes equivale a 250-300 euros por ano. A empresa fornece água para 155 mil pontos de abastecimento, que abrangem cerca de 370 mil consumidores. Em um balanço financeiro total de 40 milhões de euros, a inadimplência representa cerca de 400 mil euros.
Apesar da facilidade disponível, Lanfranchi faz um alerta: "Estaremos muito atentos aos espertos que ousem aproveitar deste benefício".
Seleção
O projeto, chamado Banco d'Água, entrará em vigor a partir de janeiro de 2015. Os agentes sociais devem começar a cadastrar as famílias em sérias dificuldades financeiras neste fim de ano. Segundo a empresa, a iniciativa envolverá apenas consumidores domésticos, ou seja, cerca de 140 mil hidrômetros.
Para selecionar que consumidores inadimplentes serão beneficiados, a empresa terá um comitê ético que vai avaliar caso a caso, além de ter acesso aos financiamentos públicos.
"Criamos um método que permite ajudar os mais necessitados dando a eles uma espécie de 'crédito' em litros de água. Por exemplo, o fornecimento de um ano tendo como contrapartida o empenho do cliente de pagar com serviços à coletividade. Ajudamos as famílias em dificuldade, mas deixamos claro que este auxílio não é gratuito", explica Lanfranchi.
"O tempo é de coesão social e não de exclusão."
Crise
O projeto dá a medida da crise econômica na Itália, que começou em 2008 e não dá sinais de esmorecimento. Em Cremona, a taxa de desemprego juvenil (entre 15 e 24 anos) é de 37%, contra 42,9% na média do país. A taxa geral de desemprego na região é de 9% contra 12% da média nacional, segundo um relatório apresentado no fim do primeiro semestre pela Câmara de Comércio da Província.
O empobrecimento da população é evidente nos refeitórios públicos da organização católica Cáritas. Se antes o local era procurado principalmente por estrangeiros, agora vem crescendo a presença de italianos, entre 36 e 55 anos, e de aposentados que ganham uma pensão mensal de pouco mais de 500 euros.
"Antes eram os imigrantes que estavam mais expostos, agora são os italianos, com um aumento de 20%. Temos uma crise grave no setor da construção civil, tivemos uma refinaria de petróleo fechada com reflexos dramáticos no território, com o encolhimento do mercado de trabalho", diz o diretor da Cáritas local, Alessio Antonioli.
A iniciativa de trocar dívidas na conta de água por serviços voluntários não é, entretanto, algo inédito na região.
No rigoroso inverno de 2009, a cidade de Cremona usou o método para inadimplentes de contas de gás e energia elétrica. Eles corriam o risco de morrer de frio com o corte do abastecimento.
A fórmula aplicada na época foi a de trocar a conta pendente por trabalhos voluntários para a comunidade, como a limpeza das vielas dos cemitérios, por exemplo.
"Estamos diante de uma situação de sofrimento geral, mesmo numa zona rica como a nossa", disse à BBC Brasil o secretário municipal de Serviços para as Famílias e Pessoas, Mauro Platès.
"Notamos uma acentuada fragilidade e vulnerabilidade das famílias. Precisamos inovar neste campo, repensar o modelo de bem-estar social."
Reportagem de Guilherme Aquino
fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/11/141027_agua_italia_ga#orb-banner
foto:http://lacosenos.no.comunidades.net/index.php?pagina=1455539520
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