“Quando o Brasil entregou os cadernos
de obrigação à Fifa na Suíça, comprometeu-se a realizar a Copa do Mundo sem
nenhum centavo do dinheiro público e disse que o investimento viria de capitais
privados, colocando o Brasil no 1o mundo” disse Martim de Almeida
Sampaio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, na abertura de
sua palestra no evento “Copa Pública: Quem ganha e quem perde com o evento em
2014?” promovido pela Pública em parceria com a Casa Fora do Eixo de São Paulo
e com a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP) em
dezembro. Martim e Carlos Vainer, professor do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da UFRJ, foram convidados a falar sobre
o estado de exceção que as novas leis, criadas especialmente para a Copa do
Mundo e as Olimpíadas, instauram no país.
Martim lembrou que, além de
descumprir essa promessa, já que a maior parte dos investimentos em obras de
mobilidade e estádios está vindo dos cofres públicos, o governo também editou a lei 12.350/2010 que diz respeito à
desoneração tributária da Fifa, empresas parceiras, prestadores de serviços
(contratadas direta e indiretamente pela organização) e emissora autorizada a
transmitir os eventos no país e exterior. “Isso significa que a Fifa não entra
com nenhum tostão e tudo que ela [e seus parceiros] ganharem é isento de
qualquer tributo. As obras públicas terceirizadas também serão isentas de
qualquer tributo”. resumiu. O advogado também falou sobre a Lei Geral da Copa, que
prevê proteção à marca Fifa: “Ela introduz várias inovações à nossa legislação,
não para proteger o consumidor e sim a marca Fifa e seus símbolos e cria,
inclusive, tipos criminais desconhecidos no país. Por exemplo: O artigo 121 do
nosso Código Penal diz que matar é crime. Todos nós sabemos disso. Alguém
conhece um crime chamado ‘marketing de emboscada’? Não. Mas ele vai existir de
dois meses antes a dois meses depois da Copa. Pessoas poderão ser presas se
forem todas com a mesma camisa para assistir a um jogo”. Ainda sobre a Lei
Geral, Martim colocou: “A Fifa também poderá dizer quem entra e sai do
país.Isso é muito sério, porque fere a soberania nacional. Nós entregamos parte
da soberania a uma entidade privada, com fins lucrativos e sede em Genebra”.
Leis de Pânico
Outro projeto de lei assustador
que corre no Senado, lembrou o advogado, é o 728/2011 de autoria
dos senadores Marcelo Crivella (PRB-RJ), Ana Amélia (PP-RS) e Walter Pinheiro
(PT-BA). Como o Copa Pública mostrou aqui ,
o PL é conhecido pelos movimentos sociais como “AI-5 da Copa” por, dentre
outras coisas, proibir greves durante o período dos jogos e incluir o
“terrorismo” no rol de crimes com punições duras e penas altas para quem
“provocar terror ou pânico generalizado”. Martim apontou: “A ditadura militar
tinha uma lei de segurança nacional muito vaga, como essa e como toda a lei de
exceção, que punia seus opositores. Na Alemanha nazista também aconteceu assim.
Isso se faz para poder punir mais gente. Estamos vivendo um período muito ruim
e violento e boa parte da sociedade pressiona para que se criem leis de pânico.
Ouvimos as pessoas dizerem‘tem que ter pena de morte’, ou ‘tem que
diminuir a maioridade penal’, como se a solução fosse mais punição. Nós não precisamos
de novos tipos penais, estamos cheios de leis que criminalizam condutas de
forma opressora. Por isso criar leis de exceção como essa 728/11 e mesmo a Lei
Geral da Copa é tão perigoso”.
Decreto e Ato Olímpico
Para o professor
Carlos Vainer, o Decreto municipal n° 30379 de 01 de Janeiro de 2009 mostra claramente como o Rio de
Janeiro incorporou este estado de exceção para receber as Olimpíadas. No artigo
2o, por exemplo, está escrito: “O Poder Executivo
envidará todos os esforços necessários no sentido de possibilitar a utilização
de bens pertencentes à administração pública municipal, ainda que ocupados por
terceiros, indispensáveis à realização dos Jogos Rio 2016. Parágrafo único –
Eventuais atos de concessão, permissão ou autorização de uso dos bens
mencionados no caput deste artigo deverão conter cláusula que preveja sua
entrega ao Município do Rio de Janeiro em tempo hábil ao implemento das
adaptações necessárias à realização dos Jogos Rio 2016”. E no artigo 9o : “Fica vedada a realização de
grandes eventos abertos ao público entre os dias 29 (vinte e nove) de julho e
25 (vinte e cinco) de setembro de 2016”. E por último, o artigo 12o diz que a prefeitura deve: “I –
promover desapropriações e demais medidas indispensáveis à construção de
instalações esportivas e nãoesportivas; II – reservar, a cada exercício, os
recursos orçamentários para atender as despesas decorrentes das atividades
previstas”. Vainer explicou: “O COI ganha concessões de espaços urbanos, ganha
o direito de comprar qualquer imóvel de seu interesse e pode remover
rapidamente as pessoas que ocupam espaços públicos. Além disso, esse decreto
proíbe grandes eventos públicos! Quer dizer que uma manifestação política
também poderá ser vedada e isso é um direito constitucional”.
No Ato Olímpico, lei federal, o professor destacou o artigo
2o: “Ficam dispensadas a concessão e a aposição de
visto aos estrangeiros vinculados à realização dos Jogos Rio 2016,
considerando-se o passaporte válido, em conjunto com o cartão de identidade e
credenciamento olímpicos, documentação suficiente para ingresso no território
nacional” e o artigo 5o “Fica
instituída, no âmbito do Ministério da Justiça, a Secretaria Extraordinária de
Segurança para Grandes Eventos” e explicou: “Nesta lei o Estado Nacional delega
ao COI poder consular, assim como a Lei Geral da Copa delega esse poder à Fifa.
Essa lei também determina que seja criada uma secretaria extraordinária para
cuidar da segurança dos megaeventos. E os Estados têm contratado empresas
israelenses para cuidar disso. É o poder público privatizando a segurança
nacional”. As duas leis determinam estado de exceção, segundo o professor,
porque também colocam isenções tributárias, elevação do limite de individamento
municipal e regime diferenciado de contratação. “Existe uma lei que rege as
contratações para obras públicas. Para se fazer obras para os megaeventos não é
preciso cumprir essa lei. Para construir um hospital sim. Para construir um
estádio não. Também há leis que determinam um limite para o endividamento dos
municípios. Esse limite pode ser ultrapassado para custear obras associadas aos
megaeventos. Para fazer rede de esgoto não, para fazer estádio sim” explicou o
professor. Para ele, este fenômeno não começou com os megaeventos mas com um
pensamento que apareceu por volta dos anos 1980 no Brasil, de que a cidade é um
grande negócio. “Os megaeventos tornam isso mais visível porque intensificam os
grandes projetos mas o que torna isso possível é a visão da cidade como
empresa. Se a cidade é um grande negócio, é necessário aproveitar as janelas de
oportunidade. Eu não posso estar rigidamente preso a uma lei. É necessário
flexibilizar a lei, criar brechas e mecanismos que permitam introduzir a
exceção, o bom negócio”. Como exemplo dessa flexibilização, o professor aponta
as parcerias público-privadas (PPP). “A concessão do Maracanã é uma PPP”.
Nada de novo para os pobres
“Existiu um filósofo alemão que
analisou o nazismo e disse: ‘a tradição dos oprimidos nos ensina que o estado
de exceção em que vivemos – o nazismo – é na verdade a regra. Quer dizer, para
os oprimidos, sempre foi pau! Aquilo que nós estamos vivendo agora com o
nazismo [dos megaeventos] é a realidade permanente. Eles nunca puderam recorrer
ao Estado, aos tribunais, às leis. A violência, a criminalização dos pobres, é
a dimensão permanente deste estado de exceção”. Sendo assim, na visão do
professor, a cidade-negócio empurra os pobres, que não são consumidores ou
empreendedores para fora dos centros das cidades. “Os projetos do programa
‘Minha Casa, Minha Vida’ do Rio de Janeiro mostram que as famílias pobres ficam
fora do centro e da zona sul da cidade. Lá estão 60% dos empregos, mas os
pobres são mandados para 50, 60 km de distância. E o projeto parece com um
campo de concentração. Os projetos de habitação da época da ditadura militar
eram exatamente iguais”.
Reportagem de Andrea Dip
fonte: http://apublica.org/2013/01/copa-do-mundo-olimpiadas-leis-estado-de-excecao/
foto:http://kimomento.blogspot.com.br/2010/06/charge-tv-na-copa.html
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