Fronteiras, imigração, eurofobia,
partidos socialdemocratas em plena mudança liberal, crescimento da
extrema-direita, ressurreição da extrema-esquerda, medos e rejeição às
orientações da Comissão Europeia: as eleições europeias que serão realizadas de
22 a 25 de maio estão cercadas por uma aura de muitas incertezas. Na França,
uma pesquisa publicada na primeira semana de maio oferece um testemunho cifrado
da desconfiança que se instaurou entre os cidadãos e o projeto da comunidade
europeia. Apenas 51% dos franceses são favoráveis a que a França pertença a
União Europeia. Há dez anos, esse percentual era de 67%. Em termos de correntes
políticas, os defensores do euro estão no Partido Socialista, no centrista
Modem e na UMP, de direita. Em troca, os adversários do euro estão, em sua
maioria, localizados na extrema-esquerda e na extrema-direita da Frente
Nacional.
Cerca de 80% dos
eleitores da extrema-direita consideram algo ruim a presença da França na União
Europeia. Desde meados de 2013, a hostilidade contra a ortodoxia liberal de
Bruxelas e as políticas aplicadas em seu nome deu lugar a um transtorno
profundo das geometrias eleitorais. A Europa vai às urnas com dois adversários
do projeto comunitário: um, identificado há décadas, as extremas direitas;
outro, mais recente: os contra as políticas de austeridade. Entre eles,
apareceu um novo ator, a extrema esquerda. As pesquisas apontam que as extremas
esquerdas, impulsionadas pelo dirigente grego Alexis Tsipras, poderiam superar
os ecologistas no Parlamento Europeu.
Mas é a marcha inexorável
dos “anti-Europa” agrupados sob os símbolos e o discurso da extrema-direita o
que, hoje, constitui um dos dados mais preocupantes. Na Alemanha, o partido
anti-euro AFD, Alternativa para a Alemanha, vem apresentando um avanço notável
há vários meses, do mesmo modo que a extrema-direita austríaca do FPO, Partido
pela Liberade, os eurofóbicos do britânico Nigel Farage, os ultra húngaros do
Jobbik ou as extremas direitas escandinavas.
Assim como ocorre na
França com a extrema direita da Frente Nacional, o partido de Farage, o UKIP,
lidera as pesquisas de intenções de voto para as eleições europeias. Em 2014
foram se somando novos ingredientes ao coquetel de eleitores que até então caracterizavam
a eleição europeia: ao tradicional voto anti-imigração ou anti-Bruxelas, se
somou uma nova categoria de eleitores que fez crescer a onda dos euro-céticos:
os anti-Alemanha e anti-Troika (Banco Central Europeu, Fundo Monetário
Internacional e Comissão de Bruxelas).
A cadência repetida de
planos de austeridade ditados pelos imperativos orçamentários da Comissão
Europeia aumentou a oposição ao projeto de construção europeia tal como está
colocado hoje, ou seja, em termos liberais e anti-sociais. A pesquisa realizada
na França é decisiva para entender os sentimentos temerosos que desperta agora
o que, há apenas uma década, era um sonho: 70% dos entrevistados dizem ter medo
das consequências econômicas e sociais resultantes do projeto europeu; 63% temem
que se sacrifique a proteção social em nome da Europa; 60% têm medo que Europa
signifique mais imigração e 52% que a identidade nacional se dilua.
Um dado eleitoral
funciona também como ponte entre o alto percentual de eurocéticos e a
desconfiança que inspira a Comissão Europeia: durante as eleições municipais
realizadas em Portugal em setembro de 2013, o PSD, o partido do governo de
centro-direita que executou um dos planos de austeridade mais fortes que o
Velho Continente já conheceu, foi castigado duramente nas urnas em benefício da
oposição socialista. Na França, após dois anos no poder e de uma série de
ajustes de corte liberal, o PS sofreu também uma das piores derrotas de sua
história nas eleições municipais de abril. Em resumo, cada partido cujo programa
é associado às políticas neoliberais ou aos programas de austeridade
teleguiados desde Berlim ou Bruxelas acaba pagando o tributo nas urnas.
Há uma espécie de dupla
rebelião: uma, a de dois já conhecidos movimentos de extrema-direita e suas
plataformas neo-nacionalistas que promovem a saída do euro e a restauração das
fronteiras; a outra a os indignados contra a austeridade.
A Europa é, em seu
conjunto, uma espécie de caixa onde se expiam todos os males e as
responsabilidades locais. Todo muno bate na velha Europa: os ultras da direita,
a esquerda da esquerda, a direita e, em menor medida, a socialdemocracia. A
Europa é culpada de quase tudo. Alain Lamassoure, eurodeputado francês do
Partido Popular Europeu (direita), esmiúça com acerto essa contradição: “desde
a crise da dívida, os países do Sul estão persuadidos de que Berlim é culpada
pelo que ocorre, enquanto que os países do Norte avaliam que Bruxelas é culpada
deles terem que dar dinheiro aos países do Sul”.
O projeto europeu parece
assim estagnado, sem outra cabeça além da das políticas liberais. Christophe
Barbier, diretor de redação do semanário de direita liberal L’Express registra:
“A União está com a cabeça podre. E se não tem nem estratégia monetária, nem
ambição industrial, nem programa social, nem harmonização orçamentária, nem
eficácia diplomática, nem existência militar, nem sonho cultural, nem projeto
educativo, isso se deve a que sua governabilidade é ruim, a que os tratados
(europeus) inventaram uma aberração: o poder impotente”.
Quase todo o discurso que
circula é escatológico. É preciso reconhecer que não falta razão para isso. O
grande projeto cultural, o grande sonho, ficou sepultado sob a mecânica da
união monetária (o euro), os ditames do Banco Central Europeu e a medicina maior
que consiste no controle dos déficits públicos (máximo 3% do PIB) em detrimento
de um projeto social. Ninguém propõe outra alternativa, a não ser a de um medo
duplo: o medo daqueles que promovem a Europa como uma ameaça, e o medo daqueles
que argumentam que, sem Europa, não há outra coisa além do abismo. Em uma
coluna publicada pelo Le Monde, o presidente francês, François Hollande,
escreveu: “sair da Europa é sair da História”. Para o chefe de Estado,
abandonar o euro equivale a “cair na armadilha da decadência nacional”. Outra
vez o medo. Anni Podimata, vice-presidente do Parlamento Europeu (partido grego
Pasok) reconhece que “o projeto europeu se encontra ante um grande perigo. O
sentimento anti-europeu se agrava cada vez mais”.
Na realidade, a verdade é
mais complexa e ambígua. Mais que sentimento, há queixas reais. Em grande
medida, os cidadãos reprovam o fato de a autoridade europeia se preocupar mais
com os bancos do que com eles, assim como de se deixar envolver por uma
interminável tecnocracia ou estar submetida aos grupos de pressão. Como
demonstram as sucessivas pesquisas feitas regularmente em escala continental, o
ideal europeu não morreu, mas não há confiança naqueles que detêm hoje as
rédeas do destino da Europa. Existe, de fato, a suspeita de que uma espécie de
tecno-oligarquia europeia opera contra as democracias que compõem a União e,
por conseguinte, contra os povos. No entanto, o exercício eleitoral é altamente
democrático e paradoxal. Cerca de 380 milhões de pessoas elegem um Parlamento
cujos poderes foram reforçados com o passar os anos. Eleger, quer dizer, também
elegem uma enorme contradição: uma pesquisa de opinião encomendada pelo
Parlamento Europeu à organização independente Vote Watch Europe mostra que são
os partidos eurocéticos ou eurofóbicos que se manifestam radicalmente contra
fazer parte da UE que serão os grandes vencedores da eleição europeia.
Os eleitores identificam
o oficialismo comunitário como o responsável pela estagnação, ou seja, a
direita do Partido Popular europeu, os socialdemocratas e os liberais. Se estas
previsões se cumprirem, o perigo que se corre é importante. Em caso de as
extremas direitas e dos eurofóbicos confirmarem nas urnas os percentuais das
pesquisas haverá enormes dificuldades para se avançar nas políticas comuns. A
extrema-direita europeia pode duplicar seu número de deputados. Com 150
eurodeputados, estaria em condições de derrubar qualquer projeto de integração.
Imigração, nacionalismo,
críticas massivas ao modelo a União e de sua gestão presidem uma eleição que
poderia incrementar o poder daqueles que sonham em restaurar muitas das
heranças sombrias do passado.
Reportagem
de Eduardo Febbro
Tradução:
Marco Aurélio Weissheimer
fonte:http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/A-extrema-direita-e-a-eurofobia-ameacam-o-projeto-europeu/6/30964
fonte:http://decifrandoageografiaflaviomoreira.blogspot.com.br/
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