Chacinas que ocorreram entre os dias 12 e 20 de maio de 2006 marcaram um período que ficará na memória de muitas famílias que aguardam por justiça; até hoje, nenhum crime foi solucionado.
Domingo, 14 de maio de 2006, Dia das Mães. Cinco tiros disparados por homens encapuzados em um carro preto mataram Talita Cristine de Almeida, a Tita, de 20 anos. O crime ocorreu por volta das 23h40. Márcia Almeida, mãe da vítima, previa que o pior poderia acontecer, já que no jardim Boa Esperança, no Guarujá, litoral paulista, estava sob toque de recolher. Ônibus foram queimados e o clima era de tensão.
“Só me avisaram que ela morreu quando o dia amanheceu, pois fiquei a noite toda esperando ela voltar. E estou esperando até hoje, pois eu só ia dormir quando todos os meus filhos estavam na cama, e ela não chegou”, relata dona Márcia.
O assassinato de Tita está contabilizado nas estatísticas que somam cerca de 500 mortes em apenas oito dias no Estado de São Paulo. Os Crimes de Maio de 2006, como ficou marcado na história, ocorreu entre os dias 12 e 20 de maio daquele ano.
A sequência de assassinatos, que aconteceu na Baixada Santista, Guarulhos e na Capital Paulista, completa oito anos nesta segunda-feira (12). À época, a onda de crimes foi uma resposta do Estado de São Paulo aos ataques promovidos pelo Primeiro Comando da Capital, o PCC.
A retaliação, segundo o relatório São Paulo Sob Achaque, deixou um saldo de aproximadamente 500 mortos. Desses, de acordo com o estudo, há indícios da participação de policiais em, no mínimo, 122 execuções.
Após investigações e uma série de manifestações promovidas pelo Movimento Mães de Maio, formado por mães e familiares das pessoas mortas ou desaparecidas, nenhum crime foi solucionado.
Por esse motivo, em 2010, o movimento junto com outras entidades de direitos humanos entrou com um pedido de federalização dos Crimes de Maio para que as investigações dos casos entrassem para o âmbito federal.
As organizações apontaram uma série de erros na apuração dos crimes, tais como falhas da perícia no local, na busca de provas materiais e no recolhimento dos depoimentos de testemunhas presenciais.
No entanto, Débora Maria, coordenadora do movimento Mães de Maio e mãe de Edson Rogério dos Santos, uma das vítimas das chacinas de 2006, diz que faltou comprometimento por parte da procuradoria nas investigações dos casos.
“Os procuradores falam pra que a gente não se frustre com esse pedido de federalização e a retomada das investigações. Então quando eles falam essa frase, a gente vê que não tem comprometimento por parte de nenhum órgão da federalização e tão pouco com a investigação de fato do que nós pleiteamos da memória e da verdade dos crimes de maio, que é uma história que não foi contada.”
Por trás dos ataques
A corrupção policial contra membros do Primeiro Comando da Capital, o PCC, a falta de integração dos aparatos repressivos e a transferência que uniu 765 chefes do crime organizado, às vésperas do Dia das Mães daquele ano, numa prisão do interior paulista, teriam motivado os ataques na época. Os dados são do estudo "São Paulo Sob Achaque", contundente raio-x feito durante quatro anos e oito meses.
O estudo é uma parceira da ONG Justiça Global e da Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard, uma das mais importantes dos EUA.
Os autores consultaram centenas de documentos, muitos sigilosos, processos sobre as mortes ocorridas em maio de 2006 e entrevistaram as autoridades envolvidas.
A extorsão de R$ 300 mil que, diz o Ministério Público, foi praticada em março de 2005 pelos policiais civis Augusto Peña e José Roberto de Araújo contra Rodrigo Olivatto de Morais, de 15 anos, enteado de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como chefe do PCC, é um dos casos de corrupção policial citados.
Fato que comprova essa rede de corrupção foi o primeiro ataque promovido pelo PCC na mesma delegacia, em Suzano (SP), onde o enteado de Marcola estava sob cárcere privado.
O estudo ainda reforça que, dois dias após os primeiros atentados, o Estado enviou uma comissão a um presídio para negociar o fim dos ataques. Mas o governo paulista nega o fato.
Porém, as mesmas ações ilícitas feitas pelas polícias continuam até hoje. Sandra Carvalho, membro da ONG Justiça Global e uma das autoras do relatório São Paulo Sob Achaque, diz que na época várias medidas foram apontadas pelo estudo para que práticas como essas pudessem ser coibidas de uma vez por todas.
No entanto, ela lamenta que de lá para cá não houve nenhuma alteração neste quadro. Sandra classifica as medidas que poderiam ter sido colocadas em prática.
“Ali era necessário que a gente tivesse um aperfeiçoamento dos órgãos de controle, a independência e um maior empoderamento da ouvidoria de polícia, dos órgãos de controles internos, como a corregedoria, mudanças na legislação , um ministério público muito mais atuante no que diz respeito ao controle da atividade policial. Infelizmente a gente não viu nenhuma dessas iniciativas serem tomadas. Então é muito difícil que tenha havido uma alteração nesse quadro”, explica.
Outra medida que, segundo Sandra, poderia ser eficiente para evitar essa prática de extermínio realizada pela Polícia Militar, seria a desmilitarização.
“A gente já tinha o debate da desmilitarização, e os episódios recentes que a gente tem vivido a partir das jornadas de junho do ano passado, evidenciam mais ainda a necessidade da desmilitarização”, comenta.
Próximo passo
Desiludida com a Justiça brasileira, Débora Maria, do movimento Mães de Maio, diz que não tem mais como esperar. O próximo passo do coletivo, segundo ela, é denunciar para a Organização dos Estados Americanos (OEA) os crimes cometidos para que haja uma solução de fato.
“A gente tem várias mães com doenças adquiridas por causa dessa impunidade, e a gente não aceita mais isso”, desabafa.
Após três anos, mãe ainda aguarda exame de balística de seu filho
Dona Helena Fonseca tem 54 anos. Reside na Baixada Santista, litoral de São Paulo. Em maio de 2011, véspera do Dia das Mães, seu filho Fábio Fonseca, 31, e sua nora Aline dos Santos Rodrigues, 26, grávida de cinco meses, foram assassinados quando voltavam do MC Donalds. 18 tiros foram disparados contra o veículo em que também estava sua neta, a única sobrevivente.
O assassinato ocorreu na avenida Presidente Wilson, a principal e a mais movimentada da Baixada Santista. No local em que seu filho e sua nora foram mortos, existe um semáforo fotográfico e câmeras de segurança de um condomínio. Mas nada no dia funcionou.
Por conta própria, Helena Fonseca começou a investigar a morte de seu filho. No carro, mesmo após ser periciado, a mãe diz que encontrou três balas que atravessaram o corpo de Fábio.
“A única coisa que eu consegui foi preservar o corpo dele até ter uma finalidade, porque é um direito meu. E estou esperando que aconteça justiça.”
Ela ainda disse ao Brasil de Fato quem está envolvido com o homicídio.
“Um policial da PM aqui da Baixada, um primo dele que trabalha no hospital da polícia, outros dois que eram expulsos da Rota e um segurança que é da equipe dos Ninjas daqui.”
Após levantar a ficha de cada um deles, dona Helena diz que passou a ser ameaçada.
“Não satisfeitos que mataram meu filho, eles começaram a falar que eu era a próxima da lista. Um dos que matou meu filho e que era conhecido da minha irmã, queria saber como que eu era, mas eles só souberam quando eu saí na televisão. E ele falou que eu era a próxima da lista.”
Helena, que hoje é integrante do movimento Mães de Maio, desabafa e espera que a Justiça seja feita no caso de seu filho.
“A única coisa que eu espero é a justiça, porque eu sou daquela opinião ainda que a polícia existe para prender, não para matar. Se existe justiça, vamos cumpri ela.”
93% das pessoas mortas pela PM moravam na periferia
Em dez anos, entre 2001 e 2010, 93% das pessoas que morreram em supostos tiroteios com a Polícia Militar em São Paulo moravam na periferia, segundo um estudo realizado pelo Instituto Sou da Paz.
De acordo com o 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no fim do ano passado, as polícias Civil e Militar no Brasil mataram, em média, quatro vezes mais civis que a dos Estados Unidos, em 2012, e mais de duas vezes que as polícias da Venezuela –país que que têm o dobro da taxa de homicídios do Brasil.
De acordo com o estudo, ao menos 1.890 brasileiros morreram em confronto com as polícias do país, o que dá uma média de cinco mortos ao dia. O índice é mais alto nos Estados de São Paulo, com 563 mortes, e no Rio de Janeiro, com 415.
O relatório também aborda o alto grau de controle do PCC nos presídios e carceragens do estado. Com argumentos e exemplos coletados durante a pesquisa, os autores demonstram como a política de construção de vagas não tem resultado no enfrentamento das principais mazelas do sistema prisional, a começar pelo enfrentamento real da criminalidade organizada em seu interior.
Reportagem de José Francisco Neto
fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/28463
foto:http://unaienses.blogspot.com.br/2013/08/a-chacina-de-unai-apos-9-anos.html
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