31/12/2014

Feliz 2015!



Receita de Ano Novo


Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar belíssimo Ano Novo 
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, 
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido 
(mal vivido talvez ou sem sentido) 
para você ganhar um ano 
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, 
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; 
novo 
até no coração das coisas menos percebidas 
(a começar pelo seu interior) 
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, 
mas com ele se come, se passeia, 
se ama, se compreende, se trabalha, 
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, 
não precisa expedir nem receber mensagens 
(planta recebe mensagens? 
passa telegramas?) 

Não precisa 
fazer lista de boas intenções 
para arquivá-las na gaveta. 
Não precisa chorar arrependido 
pelas besteiras consumadas 
nem parvamente acreditar 
que por decreto de esperança 
a partir de janeiro as coisas mudem 
e seja tudo claridade, recompensa, 
justiça entre os homens e as nações, 
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, 
direitos respeitados, começando 
pelo direito augusto de viver. 

Para ganhar um Ano Novo 
que mereça este nome, 
você, meu caro, tem de merecê-lo, 
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, 
mas tente, experimente, consciente. 
É dentro de você que o Ano Novo 
cochila e espera desde sempre.

30/12/2014

Imagem do dia



2014 foi um ano difícil para a liberdade de expressão

Artigo de Alexandre Fidalgo, é advogado e sócio do escritório Espallargas Gonzalez Sampaio Fidalgo Advogados.


E termina 2014. Um ano bastante difícil para a liberdade de expressão. Ano passado, ao escrever a retrospectiva 2013, já previa essa realidade para a área de comunicação no Brasil, especialmente por conta das eleições, mas não imaginava as inúmeras violações democráticas que nos aguardava.
Tivemos inúmeros vilões neste ano, mas sem dúvida alguma o Estado foi quem mais cometeu ilegalidades contra a palavra, a expressão e o direito que tem a imprensa de exercer o que lhe foi garantido pela Constituição.
Não podemos esquecer que, para o exercício da liberdade de expressão, o Brasil acolheu a teoria libertária, que pressupõe a não intervenção estatal na produção de conteúdo jornalístico, ou seja, é defeso ao Estado ditar o que deve e o que não deve ser dito pelos veículos de comunicação. 
No entanto, o ano de 2014 foi bastante pródigo nas intervenções estatais, seja pela atuação política dos governos, seja ainda pela compreensão equivocada que a Justiça brasileira tem feito do exercício jornalístico desenvolvido pelos veículos de comunicação, especialmente em períodos de eleição.
Não obstante uma disputa eleitoral que há muito o Brasil não presenciava, a imprensa teve contra si toda sorte de violação. Primeiro pelo fato de a Justiça eleitoral brasileira ainda defender que material jornalístico constitui propaganda eleitoral e, por conta disso, determinar a edição de texto, a retirada de circulação ou veiculação de conteúdo ou mesmo determinar a publicação de resposta para texto jornalístico absolutamente crítico ou revelador de fatos de interesse da sociedade. Assistimos a isso atônitos no período eleitoral. Alguns dos mais renomados veículos de comunicação do Brasil tiveram contra si decisões que determinavam edições e retiradas de texto, bem como a imediata publicação de resposta, sob o argumento de que constituíam propaganda eleitoral.
Além de conteúdo jornalístico nem mesmo se assemelhar a propaganda eleitoral, impossível de essa Justiça Especializada, que necessariamente emprega um procedimento célere, sem a possibilidade de uma fase instrutória, avaliar se um material jornalístico falseia a verdade e, a partir daí, condenar como propaganda todo trabalho de campo e de redação jornalísticos.
Também a merecer destaque negativo em 2014, tivemos o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral que impediu a publicidade de importante revista nacional, simplesmente pelo fato de esse periódico ter estampado na capa a imagem de um candidato que era objeto de reportagem pertinente, confundindo mais uma vez propaganda com material jornalístico; publicidade de um produto com publicidade eleitoral.
O ano foi marcado, mais uma vez, pelas liminares contra a liberdade de expressão. E não foram poucas. Para não citar todas, lembremos de que esta Revista Eletrônica foi objeto de uma canetada contra esse valor constitucional (4ª Vara Cível de Santana, São Paulo, processo 0007919.86.2013.8.26.00010). Ao comentar que havia uma disputa judicial que estava a impedir a apresentação da peça Edifício London, uma ficção que tinha como estímulo inicial o crime cometido contra a criança Isabella, teve contra si o comando legal da censura, tendo sido obrigada a imediatamente retirar de veiculação a matéria jornalística que publicara.
Também outro ato de censura durante o ano de 2014 teve como alvo a publicação IstoÉ, que pouco antes do início das eleições veiculou material jornalístico a respeito da operação "lava jato" e dos nomes que eram citados pelo delator Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras. A revista noticiou que o governador do Ceará, Cid Gomes, teria sido citado pelo delator em depoimento prestado nos autos da operação "lava jato". Isso foi o suficiente para que determinada juíza, em plantão judicial, determinasse o recolhimento imediato de todos os exemplares da revista IstoÉ, sem antes determinar que os autos estavam em segredo de justiça (2ª Vara Cível de Fortaleza, CE, processo 0785847-93.2014.8.06.0001).
Como esquecer que um dos brilhantes jogador de futebol nacional e internacional buscou censurar a revista Playboy simplesmente porque estava estampado na capa o nome Neymar, tendo sido acolhido seu pedido no juízo singular e logo reformado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (1058064-89.2014.8.26.0100 , 3ª V.C. Central, SP).
Para terminar os exemplos de verdadeira censura contra a imprensa cometidos em 2014, citamos que tem sido recorrente decisões que determinam a alteração, a supressão ou mesmo o acréscimo de palavras, orações, frases a conteúdo jornalístico veiculado na mídia digital. Trata-se de verdadeira edição do conteúdo jornalístico, como se o Estado pudesse ser coautor de texto e escolhesse o assunto e a forma de sua apresentação. Isso é tão grave quanto a retirada de conteúdo impresso das bancas de jornais ou mesmo a retirada de material jornalístico da radiodifusão. A facilidade de alteração, de supressão e de acréscimos que a mídia digital proporciona em hipótese alguma modifica o direito constitucional de liberdade e o impedimento de intervenção do Estado. Se há erro no texto jornalístico digital, as tutelas jurídicas e seus procedimentos estão presentes para serem utilizados pelos que se sentirem atingidos, e nenhum dos provimentos jurisdicionais permite a edição pelo Estado de material jornalístico, como uma agência reguladora ou um órgão censor.
Em todos os casos acima, tivemos no Supremo Tribunal Federal a correção da direção do Direito, com decisões que revelam a correta interpretação normativa a ser seguida em instância inferiores, constituindo profundos magistérios a respeito do valor democrático que é a liberdade de expressão, podendo ser citados dois excertos retirados de duas grandes decisões da Corte Suprema:
“As liberdades de expressão, informação e imprensa são pressupostos para o funcionamento dos regimes democráticos, que dependem da existência de um mercado de livre circulação de fatos, ideias e opiniões. Existe interesse público no seu exercício, independentemente da qualidade do conteúdo que esteja sendo veiculado” (Luís Roberto Barroso, RCL 18.638).
“Preocupa-me o fato de o exercício, por alguns juízes e tribunais, do poder geral de cautela tenha culminado por transformar-se em inadmissível instrumento de censura estatal, com grave comprometimento da liberdade de expressão. (...) o poder geral de cautela tende, hoje, perigosamente, a traduzir o novo nome da censura!” (Celso de Mello, RCL 18.836)
Mas como dito, o ano foi pródigo nas violações democráticas e, nos estertores de 2014, acabamos de presenciar outra violação à democracia do país. A justiça federal de São Paulo determinou a quebra do sigilo telefônico do jornalista Allan de Abreu e do Diário da Região, publicação da cidade de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. A determinação da quebra se deu pelo fato de o jornalista, em depoimento à procuradoria federal, não ter revelado o nome de suas fontes. Esqueceram, procuradores e juízes, que uma imprensa livre é condição imanente de um Estado Democrático e que uma imprensa livre tem como condição manter em segredo suas fontes. Não há liberdade de expressão sem a garantia, como valor fundamental de um Estado Democrático, de preservação das fontes. O que o Poder Judiciário Federal está a fazer é, não só ignorar a Constituição Federal brasileira, mas desconsiderar o Estado brasileiro como um Estado que optou em seu regime político pela democracia.
Também a radiodifusão, por força de uma má interpretação da lei eleitoral, acabou sendo tolhida em seu direito de criticar assunto de interesse e emitir opinião de interesse da sociedade, simplesmente pelo fato de estarmos num ano de eleição. Há um contrassenso de valores, pois quando mais a sociedade necessita de uma imprensa livre (escrita, digital e radiodifusão), mais caminhamos para um controle das palavras. No Paraná e na Bahia, por exemplo, a imprensa, em determinado momento, por determinação judicial, ficou impedida de abordar alguns assuntos que eram públicos inclusive.
Ora, seria de bom tom revisitar a legislação brasileira eleitoral e permitir a atividade de comunicação plena, sobretudo nesse período em que a sociedade clama por informação crítica. Tratamos os direitos constitucionais nesse período como se a nação passasse por um período de sítio, em que o Estado tem a permissão de sobrestar direitos fundamentais.
Ainda sobre esse assunto, vi com bons olhos as empresas de radiodifusão buscando inovar, dentro das possibilidades que a lei permite, os debates eleitorais entre os candidatos. A Rede Bandeirantes, a Globo e o SBT buscaram alternativas para tornar os debates mais dinâmicos. A Band em diversas praças buscou um confronto de ideias diretas entre os candidatos, permitindo que durante todo o debate fossem feitas perguntas entre os candidatos, bem como que pudesse haver alguns candidatos respondendo mais do que outros.
A Globo por sua vez inovou no palco e contribuiu para que candidatos estivessem efetivamente frente a frente quando, por exemplo, os que perguntavam e respondiam tinham de ocupar bancadas posicionadas uma para a outra. O SBT trouxe uma boa mudança nos horários de apresentação dos debates, talvez democratizando o acesso do público a esse momento jornalístico.
No campo legislativo há projetos que tiveram andamento no Congresso e cujo conteúdo interferirá sobremaneira na liberdade de expressão. O primeiro, tramitando nas casas legislativas há muito tempo, teve sua redação aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e aguarda votação no plenário desde abril de 2014. Trata-se do PL 6446/2013 — originalmente PL 141/2006 — que busca disciplinar o Direito de Resposta em material jornalístico divulgado por qualquer veículo de comunicação social. Em artigo próprio já tivemos a oportunidade de descer a detalhes desse instituto, inclusive trazendo o que é praticado nas democracias de outros países.
Para efeito dessa retrospectiva, fica o registro de que a boa intenção do Senador Aloysio Nunes em restringir a causa de pedir do direito de resposta aos fatos objetivos de uma matéria jornalística, ratificado pela Comissão de Comunicação Social do Congresso Nacional, exatamente igual ao que aqui por mim foi defendido em artigo publicado em 16 de abril de 2013, não teve aprovação no CCJ. O Congresso aprovou requerimento de tramitação urgentíssima na Câmara dos Deputados, aguardando, portanto, votação do plenário desta Casa.
Não cabe nesse espaço retornar ao debate, mas há de se fazer a advertência de que a amplitude que o projeto de lei confere ao direito de resposta, além de absolutamente incoerente, acaba por propiciar uma espécie de sufocamento dos debates públicos. O instituto do direito de resposta que tem por objetivo enriquecer o confronto de ideias, com o projeto acaba por restringi-lo, tornando-se mais um limitador da liberdade de expressão no país.
Outro projeto que tramita na Casa Legislativa e que também constitui em mais um freio à liberdade de expressão no Brasil é o de 7.881/14, que torna obrigatória a remoção de links dos mecanismos de busca da internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados. Entraremos na discussão subjetiva do que é irrelevante e defasado, para aí censurarmos os veículos de comunicação social que cumpriram seu dever legal de noticiar fatos. O tempo, como já tive a oportunidade de escrever, não transforma o legal no ilegal, tampouco pode ser reescrito. A memória dos fatos, com todas as circunstâncias dele, deve ser preservada. Não é só o ambiente da internet que pereniza informações honoráveis e aviltantes.
A propósito do tema do direito ao esquecimento, o Supremo Tribunal Federal declarou a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário 833.248, que discute a possibilidade de se impedir a divulgação de material jornalístico de fatos passados, bem como discutirá se cabe uma compensação material a título de dano moral na hipótese de considerar legal o direito ao esquecimento.
Por fim, na vontade de a cada ano se pretender ter uma imprensa mais previsível, fica o registro da existência de outro projeto, na verdade um desejo de projeto. Trata-se da ideia da Regulação de Mídia no Brasil, bandeira defendida pelo Governo Federal e, sobretudo, pela sigla partidária que ocupa o cargo. Segundo a presidente eleita, Dilma Rousseff, em seus discursos de campanha e imediatamente posterior à eleição, a ideia defendida é de regulamentar o artigo 220, parágrafo 5º, da Constituição Federal, que veda a possibilidade de oligopólio e monopólio dos veículos de comunicação social. Também se discute a proibição de propriedade cruzada dos meios de comunicação (por exemplo, impedir que um mesmo grupo de comunicação explore mais de um serviço de comunicação no mesmo local).
Até o presente momento tem-se descartada a ideia de controle de conteúdo, mas em se tratando de inúmeras violações à liberdade de expressão cometidas pelo Estado, bem como do histórico recente das incontáveis tentavias de controle de conteúdo deste governo federal, não seria improvável que se buscasse, também dessa forma, cercear esse valor democrático.
A Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), entidade que congrega militantes por uma mudança na regulação do setor, formulou um projeto de lei de iniciativa popular e está a arrecadar assinaturas. Pelo que foi revelado no site da BBC, o projeto é flagrantemente inconstitucional.
Ainda sobre o assunto, mas já no campo do poder executivo, temos a notícia de que o sucessor de Paulo Bernardo no ministério das Comunicações acumulará também a pasta da Secretaria de Comunicação e terá como missão a regulamentação da “mídia” brasileira, ficando também com a atribuição de direcionamento das verbas publicitárias aos veículos de comunicação, evidentemente um artifício para, de alguma forma, tentar conter as críticas ao governo.
Parece-nos que o ano de 2014 nos revelou um apetite desmensurado de se controlar a  palavra, o conteúdo jornalístico, na tentativa de manter os fatos de interesse da sociedade escondidos, a fim de que não ganhassem publicidade, permitindo-se assim manipular as informações oficiais de renda, de desmatamento, de crise hídrica, de crise energética, de desmandos, de corrupção, tal como em países vizinhos tem acontecido.
E nesse fim, de texto e de ano, face a tudo o que aconteceu em 2014 e as propostas declaradas do governo, fiquemos com o pensamento de Rui Barbosa como uma espécie de luz celestial a iluminar a perspectiva do ano de 2015: Não há justiça sem imprensa. A publicidade é o princípio, que preserva a justiça de corromper-se. Todo o poder, que se oculta, perverte-se.

fonte:http://www.conjur.com.br/2014-dez-29/retrospectiva-2014-ano-2014-foi-dificil-liberdade-expressao
foto:http://fronteiraagora.com.br/portal/democracia-e-liberdade-de-expressao

A corrida pelo ouro ameaça os Yanomami da Amazônia brasileira


Um monomotor com dois funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) sobrevoa a Terra Indígena Yanomami em meio à mata fechada da Amazônia brasileira quando passa pela casa coletiva dos Moxihatetea, um grupo de índios que vivem isolados. Na maloca circular entreaberta já foram contadas até 80 pessoas, que são monitoradas à distância desde os anos 70 pelo órgão. No entanto, durante o sobrevoo do último dia 18, nenhum deles estava lá. Era a segunda vez em um período de um mês que ninguém era visto.
Os funcionários não sabem o que pode ter acontecido com o grupo, que por opção não mantém contato nem mesmo com os Yanomami de aldeias mais próximas. Mas temem que eles possam ter sido dizimados. A menos de 30 quilômetros dali, uma clareira na mata denunciava os motivos da suspeita: dois homens usavam uma mangueira com jato de alta pressão contra um barranco. Garimpavam ouro. “Há a possibilidade de os índios que vivem aí há décadas terem fugido. Mas nossa maior preocupação é que eles tenham sido dizimados pela ação dos garimpeiros”, afirma João Catalano, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye’kuana da Funai, que coordenou o voo de fiscalização da área indígena acompanhado pelo EL PAÍS. “Agora teremos que planejar uma expedição até a maloca para tentar descobrir algo.”
A preocupação do coordenador é que a terra Yanomami esteja perto de presenciar uma nova tragédia que poderia vitimar muitos índios. Isso porque o garimpo, que pela violência ou pelas doenças levou à morte centenas de indígenas antes da demarcação da área, no início dos anos 90, voltou com força àquela região da Amazônia, denunciam os índios e a Funai.
No sobrevoo acompanhado pelo EL PAÍS, Catalano procurava novos focos da ação de garimpeiros. Em três horas, achou dez: oito balsas usadas para retirar ouro do fundo dos rios e dois gigantescos garimpos na mata, além de três pistas de pouso clandestinas, curtas e perigosas. Todos os locais foram georeferrenciados para que a equipe possa chegar de barco, o único meio de transporte disponível. Naquele ponto, a viagem deve demorar até quatro dias desde Boa Vista. “O ideal seria termos um helicóptero para descermos no lugar”, diz Catalano.
No início de dezembro, uma operação por barco que durou 10 dias conseguiu flagrar 38 balsas e deter 98 garimpeiros não muito longe dali. Segundo a Polícia Federal, para onde eles foram levados e liberados após prestarem depoimento, cada balsa retirava até três quilos de ouro por mês. Na cotação do último 23 de dezembro, o grama do ouro era vendido a 101 reais. Assim, as 38 balsas juntas faturavam 11,5 milhões de reais mensais (303.000 reais cada).
A Funai estima, com base em relatos dos índios e nos sobrevoos, que ao menos 3.000 garimpeiros estejam agindo no momento dentro da terra Yanomami, uma área de 9,6 milhões hectares (mais do que toda Portugal), que compõe a maior terra indígena do país, onde existem 300 aldeias e 25.000 índios que falam cinco línguas diferentes.
O tamanho é um dos fatores que dificultam a fiscalização, mas aação dos órgãos de vigilância do Governo também não tem sido muito efetiva. A Primeira Brigada de Infantaria de Selva, órgão do Exército que atua com 3.123 homens em Roraima, fez apenas duas operações contra os garimpeiros neste ano acompanhados da Funai. A Polícia Federal, que tem o poder para prender os garimpeiros em flagrante, diz que realiza ações de inteligência: investiga os facilitadores e receptadores do bando, o que de fato levou à denúncia de 38 pessoas neste ano pelo Ministério Público Federal (elas respondem em liberdade). Resta à Funai, com apenas 18 servidores, um baixo orçamento e sem veículos eficazes, o flagrante dos criminosos.
Nos últimos três anos, o órgão fez 28 operações de combate aos garimpeiros, flagrando 2.000 pessoas em 200 balsas nos rios. Mas o trabalho, que atrai pessoas de diversos Estados e de outros países, não cessa. “Prender garimpeiro é como enxugar gelo. Prende-se dez agora e depois terão mais dez para fazer o mesmo tipo de serviço. A gente precisa fazer uma investigação mais inteligente, ao lado de uma fiscalização maior do Estado”, afirma Fabio Brito, procurador de defesa do Meio Ambiente.
A Funai possui hoje duas bases de vigilância em pontos estratégicos da terra indígena desativada. Segundo o coordenador Catalano faltam recursos para mantê-las. Restam outras duas ativas, para os 9,6 milhões hectares. Uma delas, visitada pelo EL PAÍS, fica a 14 quilômetros dos isolados Moxihatetea (e a 44 quilômetros da área de garimpo que os ameaça). O local funciona com um único funcionário, Antônio de Oliveira Souza, de 56 anos, que já chegou a ficar ali, sozinho, por 45 dias seguidos. Atualmente, dois Yanomami o acompanham. “Não temos porte de arma, nem colete balístico. Corremos o risco de sermos atacados por onças, garimpeiros e até pelos próprios isolados que não sabem que estamos aqui para protegê-los. Se desativarmos essa base, os garimpeiros tomam conta”, diz ele.

Em busca do Eldorado

Nesse miolo da Amazônia fica uma das áreas mais ricas em ouro do Brasil, acredita Crisnel Francisco Ramalho, de 67 anos, presidente do Sindicato dos Garimpeiros de Roraima. “O Eldorado está lá”, defende ele. A ação do garimpo é tão importante no Estado que na praça principal da capital Boa Vista há uma estátua de homenagem ao garimpeiro –que foi alvo de polêmica neste mês, quando o coordenador da Funai sugeriu sua derrubada; um deputado fez uma nota de repúdio às declarações defendendo que o monumento é um "símbolo do trabalhador". Mas não existe hoje em Roraima nenhuma licença para a extração de ouro, segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Portanto, ninguém que garimpe ouro hoje no Estado o faz legalmente.
O crescimento dos garimpeiros na área Yanomami já tem tido efeitos drásticos em algumas dessas aldeias. Na maloca Papiú, às margens do rio Couto Magalhães, um dos preferidos pelos garimpeiros desde os anos 80, há relatos de índios aliciados. “Alguns ajudam em troca de rede, de dinheiro”, conta o agente de saúde Arokona Yanomami. Outro índio afirma que o pagamento para levar grupos de garimpeiros pela mata fechada chega a 7.000 reais.
No início deste ano, durante uma operação da Funai que destruiu 20 balsas perto da Papiú, um Yanomami da aldeia que ajudava a equipe do Governo acabou morto por dois índios armados da Venezuela, país que faz fronteira com a área. A aldeia os acusa de agirem a mando dos garimpeiros, por vingança, e planeja revidar –já tentaram localizar os venezuelanos por seis vezes, mas ainda não tiveram sucesso. “Há a possibilidade de um conflito interétnico”, lamenta Catalano.
Quando em 1987 houve uma invasão súbita de garimpeiros na região, cerca de 20.000 dos 40.000 trabalhadores se concentraram no entorno da Papiú. Metade dos índios doentes atendidos na Casa do Índio de Boa Vista com malária em 1989 eram dessa região. Também saltaram os registros de pneumonia, tuberculose e de doenças sexualmente transmissíveis. Em 1991, quando o então presidente Fernando Collor de Mello decidiu expulsar os garimpeiros da Amazônia para demarcar a área no ano seguinte, após pressões internacionais às vésperas da ECO 92, as mulheres da aldeia fizeram um ritual: queimaram todas as saias que passaram a usar depois do contato com os brancos do garimpo. Muitas as tinham recebido em troca de sexo. As peças haviam se tornado o símbolo dos males que aquela interação representou para o povo.
No dia do sobrevoo de monitoramento, quando o EL PAÍS esteve na aldeia com a Funai, uma menina de 12 anos chamou a atenção. Era a única de um grupo de aproximadamente 15 mulheres que cobria o corpo. Usava um sutiã de algodão e renda preto e uma saia curta colorida. Arokona, com a anuência da avó da menina, contou que ela foi levada por um Yanomami aliciado até a área onde os garimpeiros estão. Lá, teve relações sexuais com os homens brancos. Estava com outras duas meninas da mesma idade. Ao levantarmos voo, foi possível ver a clareira do garimpo bem perto dali.

Reportagem de Talita Bedinelli
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/26/politica/1419618934_407302.html
foto:http://acritica.uol.com.br/amazonia/Reuniao-eleger-coordenacao-executiva-Coiab_0_979102105.html

Cientistas criam formas primitivas de óvulo e esperma artificial

Pesquisadores conseguiram criar, pela primeira vez, formas primitivas de óvulos e espermas humanos em laboratório. A descoberta pode ajudar a solucionar problemas de infertilidade, compreender melhor os primeiros estágios do desenvolvimento embrionário e, potencialmente, permitir o desenvolvimento de novos tipos de tecnologia reprodutiva.

As chamadas células germinativas primordiais (PGC, na sigla em inglês), das quais derivam os óvulos e espermatozoides, já haviam sido desenvolvidas em testes de laboratório com roedores, mas nunca com humanos. A descoberta, descrita por cientistas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e do Instituto Weizmann de Ciências, em Israel, foi publicada no periódico Cell, na última quarta-feira.

Células germinativas primordiais têm potencial para serem transformadas em espermatozoides e óvulos humanos. O próximo passo da pesquisa é injetar as células em ovários de roedoras para testar se elas se desenvolvem em animais.

As PGCs aparecem durante as primeiras semanas do crescimento embrionário, quando as células-tronco do óvulo fertilizado começam a diferenciar-se em vários tipos de células básicas. Em um estágio seguinte, as PGCs se transformam em precursoras de espermatozoides ou de óvulos 'de uma maneira bastante automática', segundo o coautor da pesquisa, Jacob Hanna, do Instituto Weizmann.

Pele — O estudo demonstrou que as PGCs também podem ser criadas a partir de células adultas reprogramadas, como as da pele. Essa técnica ajudará cientistas a comparar como as células sexuais se desenvolvem em pessoas férteis e inférteis. “Essa é a base para o nosso futuro trabalho”, afirmou ao jornal britânico The Guardian Azim Surani, coautor da pesquisa, da Universidade de Cambridge.

Em outra frente, o trabalho pode esclarecer dúvidas sobre doenças associadas ao envelhecimento. Com o passar dos anos, hábitos como tabagismo, alimentação e exposição a compostos químicos causam mutações genéticas. As células que formam o esperma e os óvulos, no entanto, são livres dessas alterações. “Isso pode nos ensinar como eliminar as mutações, que, em moléstias ligadas ao envelhecimento, podem ser exageradas e desregular os genes”, disse Surani ao jornal.

Os pesquisadores descobriram que um gene conhecido como SOX17 é fundamental para fazer com que as células-tronco humanas se transformem em PGCs. A descoberta foi surpreendente, pois, no caso dos ratos, o equivalente desse gene não intervém no processo. “Não estou dizendo que os estudos em ratos não se aplicam em humanos, mas há diferenças fundamentais com as quais precisamos ter cuidado”, afirmou Surani.


fonte:http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/cientistas-criam-formas-primitivas-de-ovulo-e-esperma-artificial
foto:http://www.ambienteg.com/integracion/le-niegan-la-inseminacion-artificial-a-una-lesbiana-en-asturias/

Em dia de sangria fiscal, governo anuncia mudanças nas regras do seguro-desemprego

Critérios para o recebimento dos benefícios ficarão mais rígidos e haverá ainda carência para o pagamento de pensão por morte e abono salarial.


Os ministros da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e do Planejamento, Nelson Barbosa, que tomará posse na quinta-feira, anunciaram medidas provisórias que mudam os critérios de adesão a benefícios previdenciários, como seguro-desemprego e pensão por morte. As mudanças, segundo os ministros, devem acarretar em economia de 18 bilhões de reais em 2015 — ou 0,3% do Produto Interno Bruto. As MPs passam a valer a partir de terça-feira, dia em que serão publicadas no Diário Oficial da União.
Ontem o Tesouro Nacional divulgou o resultado fiscal do governo de janeiro a novembro: um rombo recorde de 18,31 bilhões de reais. Isso significa que até o penúltimo mês do ano, a arrecadação do governo não havia sido capaz (nem de perto) de superar seus gastos. Houve desaceleração nas receitas e o rombo previdenciário não diminuiu no mesmo compasso: ficou em 58 bilhões de reais no acumulado dos onze primeiros meses do ano. No mesmo período de 2013, havia alcançado 60 bilhões de reais.
As MPs, que, na prática, significam uma 'minirreforma' previdenciária, precisam ter a validade confirmada pelo Congresso Nacional no prazo de até 120 dias. As mudanças se aplicam aos novos beneficiários — e não para aqueles que já recebem o benefício com base nas regras antigas. 
As mudanças já eram esperadas e estavam sendo desenhadas pela nova equipe econômica, com a 'consultoria' do ministro Guido Mantega. O anúncio, contudo, foi feito justamente no dia em que o governo anunciou um rombo fiscal histórico — ou seja, o mercado esperava alguma satisfação. As mudanças só foram anunciadas após uma reunião dos ministros com centrais sindicais, entre elas CUT e UGT, no Palácio do Planalto. Também participaram da coletiva a atual ministra do Planejamento, Mirian Belchior, e o ministro do Trabalho, Manoel Dias.
Segundo Nelson Barbosa, as medidas terão impacto crescente de economia nos gastos públicos ao longo dos próximos anos. O futuro ministro do Planejamento justificou as medidas como forma de garantir a segurança jurídica das alterações, o que exige "anterioridade, carência e proporcionalidade" com base no ano fiscal anterior ao de entrada em vigor das medidas. "Essas medidas foram adotadas porque foram propostas pela equipe atual (do ministro da Fazenda, Guido Mantega)", disse Barbosa. "O impacto global dessas medidas dependem da evolução delas, de como a sociedade vai se adaptar, mas a expectativa é de gerar uma economia de 18 bilhões de reais por ano", afirmou.
Saiba o que muda nas regras dos benefícios previdenciários
Seguro-desemprego
O governo propõe que, para receber o benefício, o trabalhador tenha ficado pelo menos 18 meses trabalhando, caso seja seu primeiro emprego. Já no caso do segundo emprego, será preciso trabalhar ao menos 12 meses para receber o seguro. A partir do terceiro emprego, a carência é de seis meses. Atualmente, o período exigido pelo Ministério do Trabalho é de um mês. "Não faz sentido a pessoa trabalhar um mês e receber pelo trabalho um ano", disse o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante. "Os direitos trabalhistas estão mantidos e serão sustentados, mas alguns programas precisam de correção", disse.​
Segundo Mercadante,  74% dos pagamentos do seguro-desemprego são feitos a quem está entrando no mercado de trabalho — na primeira ou segunda vez em que sua carteira de trabalho é assinada.
Pensão por morte
Os novos critérios para obter pensão por morte também ficaram mais rígidos: o segurado terá de ter contribuído pelo menos 24 meses com a Previdência para que seus dependentes sejam beneficiados com a pensão. Até então, não havia um período mínimo de contribuição. Também será estipulado, a partir de terça, um prazo mínimo de 2 anos de casamento ou união estável para que o cônjuge obtenha o benefício. A lei atual não prevê nenhum prazo. “Esse prazo é necessário e serve até para evitar casamentos oportunistas”, disse Mercadante.
Além disso, a MP deve acabar com a regra de pensão equivalente a 100% do salário do servidor público. O cálculo do benefício será feito com base na quantidade de filhos, variando de 50% a 100% do salário integral do cônjuge morto.
Abono salarial
O benefício do abono salarial é pago anualmente aos trabalhadores que recebem renda mensal de até dois salários mínimos. O valor é pago a qualquer contribuinte que tenha exercido atividade remunerada por, no mínimo, 30 dias no ano. Com a medida, o benefício ficará restrito ao trabalhador que exerceu atividade remunerada por seis meses.

fonte:http://veja.abril.com.br/noticia/economia/em-dia-de-sangria-fiscal-governo-anuncia-mudancas-nas-regras-do-seguro-desemprego#lista
foto:http://www.ceviu.com.br/blog/info/artigos/entenda-o-que-mudou-no-seguro-desemprego/

29/12/2014

Imagem do dia



Como economizar ao receber hóspedes durante as festas

Hospedar parentes e amigos em casa pode desafiar sua paciência, ou seu orçamento, em uma época do ano particularmente cara.
Nos Estados Unidos, a Federação Nacional do Comércio estima que cada cidadão gaste uma média de US$ 800 (ou mais de R$ 2,2 mil) só com as festas do período. Na Grã-Bretanha, cada família tem despesas médias equivalentes a R$ 3,4 mil nesta época, segundo o instituto YouGov.
Além dessas despesas, muitas pessoas ainda enfrentam as pressões e os custos extras de receber hóspedes. Uma pesquisa do site de viagens Priceline.com mostra que mais de 60% dos americanos prefeririam que amigos e parentes ficassem em um hotel durante o Natal e o Réveillon.
Mas é possível tornar a temporada em algo agradável e não tão caro. Aqui estão algumas dicas:
Ingredientes: Receber hóspedes em casa requer uma boa capacidade de comunicação, muita honestidade (com eles e com você mesmo) e planejamento antecipado.
Modo de fazer:
1. Faça as contas. Você tem condições financeiras de receber hóspedes? "É muito importante ter clareza das despesas com as quais você pode arcar e entender como adequá-las a seu orçamento mensal", afirma a psicóloga de famílias Kathy Calabrese, dos Estados Unidos.
2. Mantenha limites rígidos. Se sua família quer vir passar uma semana mas você só tem condições de recebê-los por três dias, não se sinta culpado em oferecer uma estadia mais curta. E siga o plano à risca. "Por mais que você os ame e queira recebê-los, poderá ficar frustrado na hora de pagar as contas. Essa frustração pode se transformar em ressentimento, e seus hóspedes vão sentir. Todos nós temos limites e esse limite precisa ser respeitado", diz Calabrese.
3. Faça uma lista. Coloque no papel exatamente aquilo de que você precisa – e não aquilo que quer. Comece por itens essenciais, como alimentos, bebidas e produtos de higiene. "É muito fácil se perder e sair comprando qualquer coisa quando você entra no supermercado sem um plano”, lembra Erin Condon, vice-presidente do site de promoções americano Upromise. "Tudo o que seus hóspedes querem é se sentir confortáveis e bem-vindos".
4. Pense em pedir artigos emprestados. Está faltando lugar para dormir? Peça emprestado àquele amigo que adora acampar um colchão de ar ou sacos de dormir. E se não houver toalhas e roupas de cama suficientes, não custa nada lembrar seus hóspedes de trazer algumas.
5. Deixe os convidados ajudarem. Se você também vai organizar as refeições de fim de ano, não se acanhe em pedir que os convidados tragam bebidas ou sobremesas. "Muitas vezes, os próprios hóspedes e demais convidados se sentem culpados por colocar tudo nos ombros do anfitrião e se oferecem para ajudar", diz Calabrese.
6. Procure opções de lazer gratuitas. Shows, apresentações de teatro, exposições, parques e praias. São muitos os passeios que você pode fazer com seus hóspedes sem ter que gastar muito. Ou que tal sugerir alguns programas para eles fazerem por conta própria enquanto você descansa um pouco?
7. Esteja sempre preparado. Planeje bem para que não falte nada durante a estadia dos amigos e parentes. "Sair às compras às pressas sempre acaba sendo mais caro", avisa Lauri Flaquer, escritora e palestrante americana. "Quanto mais você planejar, mais você economiza. Uma dica: elabore um cardápio para a semana e estabeleça as quantidades necessárias para preparar cada refeição e evitar o desperdício".
8. Pense em investir... e usar para sempre. Se a sua casa é o ponto de encontro anual oficial da família, pense em investir em alguns itens mais duradouros. "Não compro nada descartável ou de má qualidade", diz Flaquer. "Há anos comprei louças, talheres e copos suficientes para servir 30 convidados e ainda estou usando tudo. O investimento compensou pois não gasto mais com esse tipo de produto".

Reportagem de Kate Ashford
fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141223_vert_cap_natal_hospedes_ml#orb-banner
foto:http://casa.abril.com.br/materia/curso-receber

Excesso de tecnologia na medicina prolonga sofrimento e desumaniza morte, diz escritora

Katy Butler, jornalista e ativista norte-americana, comenta como mortes dos pais a fizeram repensar atuação da medicina moderna no fim da vida: "perdemos a distinção entre salvar uma vida e prolongar uma morte".



Em 2001, o pai da jornalista Katy Butler sofreu um derrame, aos 79 anos. Um ano mais tarde, médicos e a família decidiram lhe implantar um marca-passo para manter seu coração funcionando, embora o aparelho não contribuísse com o tratamento de sua crescente demência. Em 2007, a mãe de Butler, exausta pelos cuidados com o marido e angustiada com seu sofrimento, pediu à filha que a ajudasse a desligar o marca-passo. Butler concordou e começou uma pesquisa sobre como a medicina moderna mudou a forma como lidamos com o fim da vida.
Em 2010, ela escreveu sobre a morte de seu pai para a The New York Times Magazine. O artigo acabou se tornando o ponto de partida para seu primeiro livro, "Knocking on Heaven's Door: The Path to a Better Way of Death" ["Batendo na Porta do Céu: o Caminho para uma Forma Melhor de Morrer", em tradução livre]. Além de narrar as experiências de sua família com o lento declínio de seu pai, o livro fala sobre a mãe de Butler, que morreu um ano e meio mais tarde, após se recusar a fazer uma cirurgia cardíaca. "Sua morte foi completamente diferente", diz Butler. "Ela permaneceu lúcida até o fim da vida, e morreu da maneira como escolheu, não uma morte planejada por terceiros".
Butler se tornou defensora do movimento “Slow Medicine” [“Medicina Lenta”, em tradução livre], focado na "tomada de decisões sem pressa, em cuidados paliativos e tratamento em prol do conforto, especialmente no que diz respeito ao fim da vida", de acordo com o grupo no Facebook.
Leia a seguir trechos da entrevista em que Butler comenta questões econômicas, políticas e médicas e as difíceis tarefas emocionais envolvidas na morte de uma pessoa querida.
The Sun Magazine: Como o desenvolvimento da medicina moderna transformou nossa experiência da morte?
Katy Butler: A morte costumava ser uma provação espiritual; hoje, ela é uma batalha tecnológica. Fizemos com que um evento doméstico e religioso, no qual o aspecto mais importante era o estado mental da pessoa prestes a morrer, fosse transferido para hospitais e mecanizado, colocando pacientes, famílias, médicos e enfermeiras à mercê da tecnologia. Ainda assim, queremos que a morte seja uma ocasião sagrada.
E quanto às pessoas que não têm crenças religiosas?
Somos uma sociedade de pessoas que estão à procura de algo. Talvez não gostemos da religião organizada, mas queremos posicionar os eventos da vida em um contexto maior, mais significativo. Queremos que a morte seja mais do que simplesmente o fim da vida de alguém. Obviamente, se estou morrendo, isto é uma grande tragédia para mim. Mas bilhões de pessoas já morreram antes de mim e encararam a morte com graus variados de coragem. Um entendimento disto pode ajudar tanto os que morrem quanto os sobreviventes.
E esta noção do sagrado foi minada pela medicina moderna?
Em meados do século 20, houve uma explosão de invenções do pós-guerra: a diálise, o respirador, o ventilador, o desfibrilador, o marca-passo. Inventamos uma série de dispositivos que tanto preveniam a morte súbita quanto, em alguns casos, literalmente traziam as pessoas de volta à vida. Mas quando eliminamos a morte súbita, também eliminamos a morte natural, e perdemos a distinção entre salvar uma vida e prolongar uma morte.
Mas não é bom que tenhamos acesso a tais tecnologias?
Certamente, quando temos uma chance significativa de sobrevivência. Se você ou eu fossemos atingidos por um carro amanhã, nada poderia ser melhor do que a tecnologia médica. Mas se você tem mais de 80 anos, sofre de demência, diabetes e câncer, não. É uma infelicidade que você tenha acesso a estas tecnologias, que conseguem apenas prolongar sua vida para além do ponto em que ela ofereça qualquer prazer ou sentido.
Quando o processo da morte começou para seus pais?
Meu pai tinha 79 anos quando teve seu derrame, e foi devastador. Meu pai não conseguia sequer apertar seu próprio cinto. Minha mãe tinha que escovar seus dentes, vesti-lo, cortar sua comida – tudo. Embora ela fosse uma ótima cuidadora, isso era emocionalmente desgastante para ela. Meu pai era um professor que adorava conversar, e agora ele quase não conseguia terminar uma frase.
Um ano após o derrame, meu pai desenvolveu hérnia. Por causa de uma arritmia, o cardiologista não liberaria meu pai para a cirurgia de correção de hérnia a menos que ele tivesse um marca-passo. Minha mãe era quem tomava as decisões naquele momento, e ela disse sim. Ela obteve menos informações sobre o dispositivo do que quando comprou um carro novo um ano mais tarde.
O marca-passo impediu o caminho mais suave rumo a uma morte natural. Não podemos dizer exatamente quanto tempo ele teria vivido sem o marca-passo, talvez não tivesse feito diferença alguma, mas o cardiologista e nosso clínico geral estimaram que ele teria morrido dois anos após o derrame. Com o marca-passo, ele viveu mais cinco anos e meio. Estes três anos adicionais foram uma espécie de lento declínio, com a situação sempre se agravando.
Se você não tem demência e ganha uns anos de vida a mais por causa de um marca-passo, isso é ruim?
De forma alguma! É uma questão de usar a tecnologia de maneira adequada. Quando a qualidade de vida é alta, as decisões são outras. Apenas quando a qualidade de vida é baixa e piora cada vez mais é que você deve avaliar se a cura não é pior do que a própria doença.
O que podemos fazer para evitar que a morte seja essa espécie de lento declínio?
Precisamos expandir e financiar os cuidados paliativos, que ajudam doentes terminais a tomar decisões médicas e enfatizam a qualidade de vida, em vez da quantidade de anos vividos. É um trabalho de grupo e fornece mais apoio à família, ajudando no controle da dor e no tratamento de sintomas, e menos baseado no que chamo de cirurgias "Ave Maria", realizadas no fim da vida, quando você só pode mesmo contar com um milagre.
O que são cuidados paliativos?
Cuidados paliativos são fornecidos a qualquer pessoa com uma doença crônica incurável. Eles se concentram na melhoria da qualidade de vida pelo resto de sua vida, tenha você um ou 50 anos pela frente, independentemente de você ter ou não optado por tratamentos para o prolongamento do tempo de vida.
Os cuidados paliativos fazem a morte chegar mais cedo?
Não, na verdade, eles fazem o contrário. Há um estudo no New England Journal of Medicine que mostra que pessoas que recebem cuidados paliativos vivem tanto quanto ou até mesmo mais tempo do que as que estão recebendo tratamento agressivo. É bastante irônico.
A especialização na medicina é parte do problema? O cirurgião cardiovascular quer consertar o coração; o oncologista quer se livrar do câncer, mas ninguém está pensando no paciente como um todo, não é verdade?
Sim. O cardiologista de meu pai pensava estritamente em corrigir o ritmo cardíaco de seu paciente – não estava levando em consideração nem mesmo o coração como um todo – e certamente não pensava no sofrimento de meu pai e de minha mãe. Não somos átomos isolados no espaço. Somos parte de uma teia de relações da existência, e o "paciente" não é apenas um paciente, mas também representa a família que irá sobreviver após sua morte.
Em que medida os sacrifícios exigidos por uma morte postergada devem pesar nas decisões tomadas pela família?
Isto pode chocar muita gente, porque somos parte de uma cultura individualista, mas eu acho que toda a família deve ser vista como um paciente.
Há algo realmente errado com o sistema que temos hoje, em que o plano de saúde paga por cirurgias avançadas para manter as pessoas vivas, mas não pelos cuidados posteriores necessários. O fardo cai sobre a família. E cuidar de uma pessoa doente frequentemente prejudica a saúde do cuidador. Cuidar de meu pai provavelmente tirou quatro ou cinco anos de vida da minha mãe. Eu acho criminoso ter estendido a vida de meu pai sem levar em conta o sofrimento dela. O que conseguimos se apenas transferimos a doença de um membro da família para outro? Se você é um médico, eu acho que você precisa avaliar se está adicionando sofrimento à família como um todo quando você amplia o tempo de vida de um indivíduo.
Eu fiquei surpreso ao ler, em um recente estudo do Pew Research Center sobre problemas enfrentados por doentes terminais, que menos da metade das pessoas com mais de setenta e cinco anos de idade pensam sobre sua própria morte.
É surpreendente. Acho que isso tem muito a ver com a publicidade e a mídia. Nos comerciais e programas de TV, os idosos estão sempre ótimos. E se não estão se sentindo bem, podem simplesmente tomar um remédio e tudo vai ficar bem, não é mesmo? É fácil ser hipnotizado por essa promessa de uma resolução fácil. Propagandas na TV de várias empresas do setor farmacêutico mostram imagens de pessoas com 75 anos cheias de vitalidade, correndo maratonas. Você nunca vê imagens de decrepitude. A mídia não reflete o fim da vida.
E há culturas que lidam bem com a decrepitude?
Nós lidávamos de maneira muito mais adequada com isto em nossa própria cultura antes do século XX. Naquela época, as pessoas poderiam morrer a qualquer idade de qualquer coisa. Elas de certa forma se preparavam para a morte. Mesmo hoje em dia, a preparação para os dias sagrados no judaísmo envolve o reconhecimento de que a morte pode vir a qualquer momento. Eu acho que o feriado mexicano Día de los Muertos também ajuda – é um dia para que nos lembremos da morte e a celebremos.  Muitas culturas honram os idosos muito mais do que nós.
Você escreveu, sobre os cuidados ao fim da vida, que "ninguém está no comando, apenas o mercado". O que isso quer dizer?
Eu quis dizer, por exemplo, que os planos de saúde não pagam os médicos decentemente pelo tempo que se leva para simplesmente dizer "Não é uma boa ideia colocar um marca-passo em seu pai", ou "Outra rodada de quimioterapia não vai trazer qualquer benefício". Mas pagam uma fortuna por medicamentos e dispositivos. Os incentivos financeiros beneficiam as indústrias altamente rentáveis dos dispositivos médicos e medicamentos, que gastam quantidades enormes de dinheiro promovendo seus produtos para médicos e pagando por estudos que sugiram que mais e mais pessoas devem usá-los. O lobby corporativo da indústria da saúde ajuda a determinar o que os médicos devem fazer. Pagamos muito dinheiro aos médicos para que usem a tecnologia, mas muito pouco para que passem mais tempo com os pacientes. Isto condiciona o comportamento deles.
Então, mudar a forma como lidamos com a morte é mais uma questão de política financeira do que espiritual?
Acho que são ambas as coisas. Precisamos restaurar o sagrado no fim de nossas vidas, mas não importa quão preparados estejamos para encarar a morte; até que consigamos mudar estes incentivos financeiros, não acho que a situação vá melhorar. Quando dizemos aos médicos: "Vamos lhe pagar milhares para prescrever quimioterapia cara que você sabe que não irá funcionar, porque já é tarde demais para o paciente, mas vamos pagar apenas cinquenta e quatro dólares para que você converse com ele", estamos lhes mostrando o que realmente valorizamos. Por que foi construído um sistema no qual um médico tem de ser praticamente um santo para fazer a coisa certa?
Há três lobbies poderosos em Washington, capital dos Estados Unidos: defesa, finanças e saúde. E os grandes atores no lobby da saúde obviamente não são médicos da família ou fonoaudiólogos. Eles são, dentre outros, a AdvaMed, que representa fabricantes de dispositivos médicos; as empresas farmacêuticas; e especialistas como cardiologistas intervencionistas, que ganham cerca de meio milhão de dólares por ano. O resultado é que os tratamentos caros de alta tecnologia são excessivamente promovidos.
Um dos motivos pelos quais temos dificuldade em falar disso é que estamos lidando com uma linguagem insuficiente. A morte é uma experiência sagrada, e se você desejar caracterizá-la na linguagem da liberdade individual – "Tenho o direito de fazer o que quiser com meu corpo" – você ignora aquilo por que as pessoas estão passando no final de suas vidas. Elas não querem defender seus direitos individuais. Elas querem ser mantidas no seio de uma comunidade que as ame enquanto passam, junto de suas famílias, pela provação da morte.

Sam Mowe | The Sun Magazine | São Francisco
Tradução: Henrique Mendes
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/38936/excesso+de+tecnologia+na+medicina+prolonga+sofrimento+e+desumaniza+morte+diz+escritora.shtml
foto:http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2013/301/distanasia-por-que-prolongar-o-sofrimento

Seca em SP comprova crise ambiental mundial


2014 foi o ano em que a terra da garoa, literalmente, secou. Além da mais severa estiagem que o estado de São Paulo já enfrentou nos últimos 80 anos, diversos fenômenos influenciados pelo aquecimento global também causaram impactos significativos em outras áreas do planeta. É o caso, por exemplo, da Califórnia -- que lida com a maior seca do milênio --, das ondas de calor em pleno inverno no Alasca e das tempestades em países da Europa, como a Itália e a Grã-Bretanha.
De acordo com relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas, as concentrações de gases estufas na atmosfera alcançaram o maior nível em 800 anos.
Ainda segundo o documento, lançado em novembro, a estimativa é de que 2014 seja o ano mais quente da terra desde 1850, quando foi realizada a primeira medição. "A influência humana no sistema climático é clara: quanto mais perturbamos nosso clima, mais riscos temos de impactos graves, amplos e irreversíveis", disse o diretor do IPCC, Rajendra Pachauri, durante o lançamento do relatório. A cidade mais rica do Brasil se tornou um exemplo de como as alterações climáticas podem impor dificuldades à sociedade.
Abalada por uma estiagem que começou ainda em 2013, a região metropolitana de São Paulo logo viu suas represas secarem. Pela primeira vez, medidas emergenciais polêmicas permitiram o uso do chamado volume morto, que são as águas que estão abaixo das comportas, retiradas por meio de bombas.
Já no hemisfério norte, a seca também atingiu o estado mais poderoso dos EUA. Na pior estiagem dos últimos mil anos, a Califórnia sofreu perdas de mais de U$ 2,5 bilhões. Setor importante para a economia local, a agricultura fechou 20 mil vagas de trabalho.
De acordo com o biólogo Marcos Buckeridge, um dos redatores do capítulo do IPCC sobre a América Latina, alterações climáticas agudas farão com que o continente possa sofrer mais frequentemente com esses problemas. "Haverá eventos extremos de seca e de chuva ou o descongelamento dos Andes. Esses fenômenos causariam grandes alagamentos e o branqueamento de corais, prejudicando de forma significativa a biodiversidade marinha", disse Buckeridge, que atua no Instituto de Biociências da USP.
Com esses dados alarmantes, em 2014 a ONU reforçou o seu discurso sobre a importância de um acordo mundial para limitar o aquecimento global a no máximo 2ºC até o final deste século. A proposta, porém, vem sendo postergada por conta de divergências econômicas entre os países ricos e em desenvolvimento. Nos dois maiores eventos ambientais realizados em 2014 -- a Cúpula do Clima, em Nova York, e a Cúpula da Mudança Climática, realizada em Lima --, acordos foram tramados e propostas, divulgadas. Realizada em apenas um dia no final de setembro, em Nova York, a Cúpula do Clima, no embalo da Assembleia da ONU, reuniu milhares de pessoas nas ruas da "Big Apple" e cerca de 120 líderes mundiais nos debates, público inédito para eventos do tipo. Sem a assinatura do Brasil, que reclamou por não ter sido chamado ao encontro, o evento lançou a "Declaração de Nova York sobre Florestas", que propõe zerar os desmatamentos até 2030. Em discursos eloquentes, representantes de países em desenvolvimento, como o Brasil, defenderam os chamados círculos concêntricos, proposta que coloca às nações ricas maior responsabilidade no controle das emissões. A ideia, porém, desagradou às grandes potências. "As nações desenvolvidas devem liderar o processo de redução de emissões de gases estufa, mas isso não significa que os países em desenvolvimento possam produzir CO2 à vontade", declarou o secretário norte-americano de Estado, John Kerry. Apesar de menos badalado que o encontro em Nova York, o evento na capital peruana tinha intenções mais significativas. A principal delas era resolver a equação entre emissão de gases e crescimento econômico.
Mas os 11 dias de trabalho não foram suficientes para a COP 20 chegar a um consenso. O acordo final, batizado de "Ação de Lima", foi escrito com um dia de atraso. Ele estabeleceu o compromisso dos países em apresentar à ONU planos efetivos e ambiciosos para a redução de gases do efeito estufa até outubro do ano que vem, semanas antes da próxima COP, que será em Paris.
"Talvez seja cedo para ver esse impacto do aquecimento global na comunidade internacional. O relatório acabou de ser publicado e é necessário esperar para ver quais serão as consequências", explicou Buckeridge. "Mas precisamos atingir as metas e diminuir as emissões de gases. Ou teremos graves dificuldades pela frente." (ANSA)

fonte:http://www.jb.com.br/ciencia-e-tecnologia/noticias/2014/12/27/seca-em-sp-comprova-crise-ambiental-mundial/
foto:http://correiodobrasil.com.br/noticias/brasil/seca-em-sp-nivel-do-cantareira-bate-novo-recorde-negativo/695403/