As notícias de que a Agência Nacional de Segurança (NSA)
coletou "involuntariamente" cerca de 56 mil e-mails de americanos, em
um período de três anos, trouxeram algum alento para a população dos EUA:
explicações foram dadas e promessas foram feitas. Mas não trouxeram nenhuma
esperança para a população do resto do mundo, que gostaria de se ver livre da
espionagem americana.
Aparentemente, não há qualquer plano ou esforço do governo
americano para desativar seu programa de espionagem de comunicações eletrônicas
de cidadãos de outros países. Nem pressões internas, dignas de nota, para que
isso aconteça. Todas as discussões e pressões giram apenas em torno da
interceptação de comunicações dos cidadãos americanos e as violações de seus
direitos constitucionais.
Nenhuma palavra, pelo menos no noticiário desta quarta-feira
(21/8), sobre violações dos direitos dos demais cidadãos do mundo. O público
pouco ou nada sabe se estão em andamento quaisquer discussões efetivas entre
governos, sobre o assunto — além das declarações de protesto.
Esse não foi o foco do noticiário americano. Mas as próprias
autoridades da NSA deram a entender que esse é o caso, quando explicaram aos
jornalistas, em uma entrevista coletiva anônima, feita por teleconferência, por
que a coleta foi feita "involuntariamente". De uma maneira geral,
elas disseram, a espionagem sobre seus próprios cidadãos é um subproduto
indesejável de seu programa de espionagem sobre estrangeiros.
A principal explicação é essencialmente técnica, de acordo
com as autoridades da NSA. O órgão coleta, por exemplo, dados internacionais
que passam pela rede de cabos de fibra óptica, controlada pelos EUA. Os dados
são armazenados em um "repositório" para processamento e para a
seleção de comunicações estrangeiras, e não das domésticas. Mas, por causa de
dificuldades tecnológicas, a NSA não consegue separar as comunicações "inteiramente
domésticas", das estrangeiras. Essa explicação foi divulgada pelo
Washington Post.
A CBS News destacou, da entrevista coletiva, que a rede de
vigilância foi projetada para interceptar comunicações que se originam em
outros países ou se originam nos EUA mas se destinam a outros países. Ou que
ocorrem inteiramente em solo estrangeiro, porém passam por solo americano,
através da rede de fibra óptica.
A NSA divulgou, ainda segundo a CBS News, que coleta cerca
de 250 milhões de comunicações pela Internet, por ano. Desse total, cerca de 20
a 25 milhões são de e-mails. Por isso, a quantidade de 56 mil e-mails coletados
de americanos, número obtido com base em análises estatísticas da agência, não
chega a ser substancial.
O porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, também confirmou
que, de certa forma, a espionagem das comunicações estrangeiras continua a todo
vapor. Segundo a CBS News, ele negou que exista um programa de vigilância
doméstica, apesar das novas revelações. O programa da NSA existe
especificamente para obter inteligência estrangeira, ele disse. A coleta de
comunicações entre americanos é um fato "incidental", afirmou.
O tribunal secreto, encarregado de supervisionar as
atividades de espionagem da NSA, também não tem problemas com a espionagem de
comunicações estrangeiras. Ordenou apenas que a NSA resolva o problema
tecnológico e pare de coletar informações de americanos, sem mandado judicial e
sem desrespeitar a legislação penal, como tem ocorrido. A NSA informou que o
problema já está sendo corrigido. A NSA também prometeu ao tribunal secreto, e
ao público, manter informações coletadas de americanos em seu
"repositório" por apenas dois anos, em vez dos atuais cinco anos.
Por que a NSA coleta cerca de 250 milhões de comunicações
por ano, entre e-mails, bate-papos pela Internet, telefonemas e outros meios,
se consegue processar apenas uma parte desse volume de informações? Porque o
"repositório" é, na verdade, um enorme banco de dados. Sempre que os
órgãos de segurança americanos identificam um suspeito de terrorismo, uma busca
nesse banco de dados revela informações de todas as pessoas que se comunicaram
com ele. E todas essas pessoas passam a ser, teoricamente, candidatas a
suspeitos de terrorismo. O objetivo da NSA, para interceptar cerca de 250
milhões de comunicações por ano, é encontrar "pessoas com conexão com o
terrorismo".
Reportagem de João Ozorio de Melo
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