O promotor Eduardo Santos
Carvalho, da 8ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
da Capital, foi um dos responsáveis pela ação civil pública movida pelo
Ministério Público do Rio de Janeiro, em abril. A ação traz questionamentos
sobre o processo de licitação para concessão de 35 anos do Complexo do
Maracanã, que teve como vencedor o grupo que reúne a Odebrecht, a IMX e a AEG.
De acordo com Carvalho, há
problemas no processo licitatório, que privilegiou algumas empresas e criou
descompasso entre investimento público e remuneração privada; além de
prejudicar os atletas brasileiros pela destruição do ginásio de atletismo Célio
Barros e do Parque Aquático Julio de Lamare, esse o único espaço de treinamento
de modalidades olímpicas como o nado sincronizado.
Leia a entrevista abaixo.
Qual o problema com o processo licitatório de concessão do
Complexo do Maracanã? Por que o Ministério Público do Rio decidiu ingressar com
uma ação civil pública para suspendê-lo?
Os questionamentos do
Ministério Público em relação à concessão do Complexo Maracanã podem ser
resumidos em três itens:
1) A grande maioria dos
investimentos que serão realizados pelo concessionário não se destina a obras
de interesse público, e nem mesmo à realização da Copa do Mundo ou da
Olimpíada, mas sim a viabilizar a exploração comercial da área concedida.
2) A modalidade de
concessão prevista (parceria público-privada) é prejudicial aos cofres
públicos, porque a PPP pressupõe que, além das receitas com a exploração do
complexo, o Estado ofereça ao concessionário uma receita complementar (a
denominada “contraprestação pública”, que neste caso é o direito à exploração
comercial da área no entorno do Maracanã e Maracanãzinho). O Ministério Público
sustenta que a contraprestação pública é desnecessária, já que receitas do
Maracanã seriam suficientes para garantir a viabilidade econômica do projeto.
Além disso, caso fosse adotado o regime da concessão simples (sem contrapartida
pública), os valores destinados a investimentos no entorno (inclusive demolição
e reconstrução do Estádio de Atletismo Célio de Barros, do Parque Aquático
Julio de Lamare e do Presídio Evaristo de Moraes) poderiam reverter em aumento
da outorga (remuneração pelo uso da área) devida ao Estado. Segundo estudos
técnicos realizados, com o regime de concessão simples (sem contrapartida
pública), o valor da outorga devida ao Estado poderia aumentar para R$ 30
milhões/ano, sem perda de rentabilidade para o concessionário, ao invés dos R$
5,5 milhões/ano previstos na proposta vencedora da licitação.
3) O processo de licitação
não assegurou igualdade de tratamento entre os licitantes. Por ocasião da
elaboração do estudo de viabilidade, uma das concorrentes (IMX HOLDING S/A)
teve acesso a informações que não foram disponibilizadas aos demais
interessados na licitação. As únicas informações de natureza
econômico-financeira, divulgadas aos interessados por ocasião do processo de
licitação, foram aquelas elaboradas pela própria IMX. Ou seja, um dos
licitantes produziu todas as informações necessárias para elaboração da
proposta econômico-financeira, e os demais interessados estariam em situação de
dependência em relação à IMX, pois teriam de elaborar suas propostas a partir
das informações produzidas por sua concorrente na licitação. Não tendo sido
assegurada igualdade entre os potenciais licitantes, o processo de licitação é
nulo.
O que está sendo pedido pelo Ministério Público nessa ação? Quem
são os réus?
São réus na ação o ESTADO
DO RIO DE JANEIRO e a IMX HOLDING S/A.
Os pedidos formulados pelo
Ministério Público, em resumo, foram a suspensão do processo de licitação, a
não celebração do contrato e a suspensão da execução do contrato eventualmente
celebrado; que não seja concedido o direito de uso e exploração da área no
entorno do Estádio do Maracanã, a título de contraprestação pública; que seja
impedida a demolição dos bens públicos situados no entorno do Estádio do
Maracanã, notadamente o Estádio de Atletismo Célio de Barros, o Parque Aquático
Julio de Lamare e a Escola Municipal Friendenreich; que seja mantido em
funcionamento o Estádio de Atletismo Célio de Barros, o Parque Aquático Julio
de Lamare e a Escola Municipal Friendenreich, ressalvada apenas a ocupação
provisória desses equipamentos por ocasião da Copa ou da Olimpíada; a
decretação da nulidade da licitação, ou do contrato de concessão, revertendo-se
à situação de fato anteriormente existente.
Que riscos essa licitação e a demolição do parque aquático Júlio
Delamare e do estádio de atletismo Célio de Barros representam para o esporte
brasileiro?
A demolição do Parque Aquático
Julio de Lamare gera evidentes prejuízos para a preparação de atletas olímpicos
de diversas modalidades, destacando-se, além dos atletas de alto rendimento na
natação, as seleções brasileiras e olímpicas de nado sincronizado, de saltos
ornamentais e de polo aquático, que treinavam no referido equipamento público.
no Parque Aquático. Destaque-se que, salvo o Parque Aquático Maria Lenk (que em
breve será interditado para ser reformado para os Jogos Olímpicos), não haverá
no Rio de Janeiro outras piscinas com a profundidade exigida para o treinamento
de nado sincronizado. Além disso, o Julio de Lamare é o único parque aquático
no Brasil que dispõe de trampolim para saltos ornamentais sincronizados.
Finalmente, a demolição também deixará desassistida a população atendida pelos
trabalhos sociais realizados no Julio de Lamare, com aulas de natação para 500
crianças, aulas de natação e hidroginástica para mais de 400 idosos, e
tratamento para deficientes físicos. Já o Estádio de Atletismo Célio de Barros
é um marco na história do atletismo no Brasil, tendo sido palco de grandes
eventos nacionais e internacionais, nas quais despontaram vários medalhistas
olímpicos. Além disso, era local de treinamento para diversos atletas
olímpicos, cuja preparação ficou comprometida em função das dificuldades no uso
do Engenhão (interdição do equipamento para os atletas de saltos e corridas, e
proibição de utilização do campo para os atletas de arremessos e lançamentos).
Houve a derrubada de duas liminares conseguidas pelo MP nesse
caso, certo? O senhor poderia explicar melhor esse percurso?
A primeira medida liminar
foi deferida pela Juíza da 5ª Vara de Fazenda Pública, e apreciou apenas o
primeiro item do pedido, determinando a suspensão do processo de licitação, na
véspera da abertura dos envelopes (10 de abril). Esta liminar vigorou apenas
por algumas horas, tendo sido suspensa pela Presidência do TJ-RJ na mesma data.
O processo foi então redistribuído para a 9ª Vara de Fazenda Pública.
Enquanto se aguardava
decisão em relação aos demais itens do pedido, o Estado do Rio de Janeiro
iniciou a demolição do Parque Aquático Julio de Lamare em 16 de abril. Durante
a madrugada do dia 17 de abril, o Ministério Público obteve nova liminar no
Juízo do Plantão Noturno, apenas no que diz respeito ao pedido para proibição
de demolição do Parque Aquático, em face da iminência de dano irreparável. Essa
decisão foi modificada pela Juíza da 9ª Vara de Fazenda Pública em audiência
especial, realizada em 26 de abril, na qual foi autorizada a demolição parcial
do equipamento (bilheterias, áreas de depósito, portões e uma área de
treinamento de saltos) para a instalação de equipamentos de controle de acesso
ao Maracanã na Copa das Confederações. Nesta mesma audiência, a Juíza
determinou a reconstrução da área de treinamento de saltos, e autorizou que o
Julio de Lamare voltasse a ser utilizado para treinamento de atletas, exceto no
período em que o equipamento estiver sob uso exclusivo da FIFA.
Os demais itens do pedido
inicial foram apreciados em 10 de maio de 2013, com a determinação de que não
fosse celebrado o contrato de concessão com o consórcio vencedor da licitação,
e que não lhe fosse concedido o direito de uso e exploração da área no entorno
do Maracanã.
Finalmente, no dia 13 de
maio de 2013, a Presidência do TJ-RJ suspendeu as duas liminares até então
vigentes (seja no que diz respeito à demolição do Julio de Lamare, seja no que
diz respeito à proibição de contratar o vencedor da licitação).
Como senhor observa que o caso vá se desenrolar a partir de agora?
A ação prosseguirá seu
curso normal, perante a Juíza de primeiro grau, com a apresentação das defesas
do Estado e da IMX.
Quanto às liminares, a
Procuradoria-Geral de Justiça já interpôs recurso ao Órgão Especial contra a
decisão da Presidência do TJ-RJ que suspendeu a primeira liminar, o qual ainda
está pendente de julgamento. Também cabe recurso contra a decisão da
Presidência do TJ-RJ, que suspendeu a segunda liminar.
Reportagem de Jessica Mota
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