29/05/2013

Acusado de 20 crimes, senador boliviano completa um ano asilado em embaixada brasileira


No aniversário de um ano da chegada do senador boliviano Roger Pinto Molina na Embaixada do Brasil em La Paz, o impasse diplomático em torno do tema está longe de uma solução. O governo da Bolívia, que acusa o líder oposicionista de mais de 20 de crimes, como corrupção e ligação com o narcotráfico, está irredutível e se recusa a conceder um salvo-conduto. Por sua vez, o Itamaraty, que continua negociando um acordo com Evo Morales, além de ver suas relações com o vizinho abaladas, é acusado internamente, e pelo próprio senador, de não fazer o suficiente para resolver o problema.
A principal possibilidade de uma mudança na situação do político a curto prazo é o julgamento de um pedido de habeas corpus, que está sendo analisado pelo Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do ministro Marco Aurélio Mello. Segundo o advogado do senador, Fernando Tibúrcio Peña, a sentença poderá ser anunciada no início do mês de junho. Basicamente, ele reivindica também que a Presidência do Brasil, através do Ministério de Relações Exteriores, passe a agir mais efetivamente e não fique à espera de uma resposta positiva da Bolívia na concessão do salvo-conduto.
O pedido de habeas corpus
Em sua argumentação, o advogado Peña diz que o MRE (Ministério das Relações Exteriores), para evitar rusgas maiores com o governo boliviano, estaria fazendo “corpo mole”. “O Brasil tem ‘n’ modos de pressionar a Bolívia, que, por exemplo, quer se tornar membro pleno do Mercosul”, propõe.
Por meio de sua assessoria, o Itamaraty afirma que criou em março um grupo de trabalho bilateral para tratar do caso. “O tema nunca saiu de pauta e é tratado em nível de chanceleres. As negociações ocorrem em caráter reservado e as discussões têm avançado”. Para o MRE, exatamente pelo fato de as conversas estarem ocorrendo em nível bilateral, um eventual recurso em cortes internacionais, como defende a defesa de Pinto Molina, poderia prejudicar todo o encaminhamento das conversas.
De acordo com o advogado Pedro Serrano, especialista em Direito Constitucional, o problema da ação reside nas exigências que ela impõe ao governo, o que seria, em sua opinião, uma intervenção indevida da jurisdição na esfera do Poder Executivo. “Me parece incompatível que o habeas corpus exija condições políticas  amplamente discricionárias ao Poder Executivo, que tem a ver com o exercício da soberania do Estado. Por exemplo, recorrer a cortes internacionais é um ato diplomático, não tem sentido forçar o Executivo a tomar essas medidas, ele deve ser totalmente livre para toma-las”, afirma.
Uma das particularidades desse pedido é que se trata de um habeas corpus “extraterritorial”, segundo o próprio Peña, sem precedentes na Justiça brasileira – e usa como jurisprudência casos de presos trancafiados na prisão norte-americana de Guantánamo, em Cuba. Eles tiveram seus pedidos contra abusos das autoridades norte-americanas negados após a Suprema Corte entender que, se  Guantánamo se reservasse como exceção, isto “permitiria a criação de uma área sem lei, onde indivíduos poderiam ser julgados sem o controle judicial adequado, o que seria incompatível com o estado de direito”.
Esse princípio defendido por Peña é entendido por Serrano como dentro dos parâmetros constitucionais. “Como a embaixada tem soberania jurídica brasileira, a proposta não é desproposital”, afirmou o especialista.
Outro ponto mais polêmico do recurso é o pedido para se disponibilizar um carro da missão diplomática para que o senador deixe a embaixada em direção ao Peru. Segundo o entendimento da defesa, o veículo estaria protegido pela Convenção de Viena (artigo 22, inciso 3.º) e impedido de sofrer buscas, embora não tenha a mesma condição de inviolabilidade da embaixada. O Itamaraty discorda desse entendimento, dizendo que não há imunidade. Também lembra que a condição para a concessão do pedido de asilo foi o risco de morte do senador. Com o uso de um carro para chegar à fronteira, esse risco deixaria de existir. “Hipoteticamente poderia até se considerar o caso de tirar o asilo. O Itamaraty insiste na garantia de segurança para que o senador deixe a embaixada”, diz a assessoria.
Ainda na ação, o advogado lamenta que se cliente não possa conceder entrevistas, além de ter de fazer requerimentos em escrito para que sua saúde seja avaliada por um médico. O MRE diz que foi necessário disciplinar as atividades do senador de acordo com o cumprimento do artigo 18 da Convenção de Caracas, quando o asilante não pode permitir ao asilado praticar atos contrários à tranquilidade pública, nem intervir na política interna do Estado territorial.
O caso
O senador oposicionista Roger Pinto Molina chegou de surpresa à representação brasileira no dia 28 de maio de 2013, e entregou um pedido de asilo e uma carta à presidente Dilma Rousseff afirmando que corria risco de vida. O asilo foi concedido no início de junho mas, desde então, a Bolívia nega a concessão do salvo conduto, dispositivo diplomático que garantiria ao político a possibilidade de ser encaminhado ao território brasileiro.
Pinto Molina responde em seu país por participar de conspirações ilegais para a derrubada do presidente Evo Morales. Entre as mais de 20 acusações estão a de corrupção quando era governador na província de Pando, a matança de índígenas em 2009 e ligações com o narcotráfico. A justificativa boliviana em não conceder o salvo conduto reside no fato de se tratarem de acusações por crimes comuns. O senador nega tudo e diz ser vítima de perseguição política.
Segundo Peña e fontes parlamentares que acompanham o caso, o senador se encontra debilitado física e psicologicamente, pois está confinado em uma sala de 25 metros e tem que fazer uso de repositores vitamínicos. O advogado reitera, no entanto, que Pinto está sendo bem tratado “nas condições possíveis”.
Congresso
Parlamentares brasileiros mais familiarizados com o caso, pertencentes às comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado, afirmam, sob condição de anonimato, que, nas negociações, há pressão por parte do governo boliviano para uma espécie de troca entre o senador e os 12 torcedores do Corinthians que se encontram detidos no presídio de San Pedro, na cidade de Oruro (oeste da Bolívia), em razão da morte do adolescente Kevin Espada, em um jogo da Copa Libertadores da América entre a equipe paulista e o San José, ocorrido no último mês de fevereiro.
De acordo com essas fontes, ligadas à base do governo, a prisão de Pinto Molina tornou-se questão de honra para La Paz. E, desde a concessão do asilo, a relação entre Brasil e Bolívia atingiu seu ponto mais negativo nas últimas décadas. Na recente visita de Dilma à Guiné-Equatorial, em fevereiro, para participar de um encontro de Cúpula de Chefes de Estado e Governo da América do Sul e África, ela teria tido um encontro reservado com Evo Morales, único líder sul-americano presente além da brasileira, só para tratar desse tema (além do incidente em Oruro, ocorrido dois dias antes).
Por sua vez, o Brasil não vai ceder e voltar atrás sobre o pedido de asilo, pois essa decisão enfraqueceria muito a credibilidade do Ministério das Relações Exteriores, segundo as fontes. A esperança é que esse assunto se resolva em uma nova rodada “olho no olho” entre Evo e Dilma, ou então, que o senador desista e deixe por livre vontade a embaixada brasileira.
A Comissão de Relações Exteriores e Defesa no Senado deverá se reunir nesta terça-feira (28/05), onde pedirá uma reunião com o embaixador do Brasil na Bolívia, Marcel Biato, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para tratar do caso do senador e da “população carcerária brasileira na Bolívia”.
O presidente da Comissão no Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), é uma das vozes mais ativas a favor de um endurecimento nas relações com a Bolívia – sempre reiterando a importância dos laços entre os dois países – e uma participação mais ativa do Itamaraty. A opinião é partilhada pela deputada Perpétua Almeida (PC do B-AC), vice-presidente da comissão homóloga na Câmara, que apesar de ter apoiado as eleições de Evo, afirma que o impasse envolvendo Molina já se tornou uma questão humanitária e que o país andino deveria conceder um salvo-conduto.
Na oposição, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) apresentou no último dia 21 um requerimento à OEA (Organização dos Estados Americanos) a favor de Roger Pinto Molina. Além de classificar a posição do governo brasileiro como “dúbia”, ele cita Morales, a ministra de Transparência, Nardi Suxo Iturri, e o juiz Ponciano Ruiz como responsáveis pelo desrespeito às normas internacionais que garantem o direito a asilo político.


Reportagem de João Novaes
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/29124/senador+boliviano+completa+um+ano+asilado+em+embaixada+brasileira+sem+perspectiva+de+saida.shtml

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita e pelo comentário!