Artigo de Por Joseph
Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia | Tradução: Antonio Martins
A Suprema Corte dos Estados Unidos começou há pouco a julgar
um caso que destaca o tema muito problemático dos direitos de propriedade
intelectual. Os genes humanos – seus genes – podem ser patenteados? Expresso de
outra forma; deveríamos transferir a alguém o direito de, digamos, verificar se
você tem um conjunto de genes que implica possibilidades acima de 50% de
desenvolver câncer nos seios?
Para quem está fora do mundo iniciático dos direitos de
propriedade intelectual, a resposta parece óbvia: não! Você possui seus genes.
Uma empresa pode possuir, no máximo, a propriedade intelectual relacionada ao
teste genético; e como a pesquisa e desenvolvimento necessários para
desenvolver os testes podem custar bastante, seria correto que ela pudesse
cobrar para executá-los.
Mas uma empresa sediada no estado norte-americano de Utah, a
Myriad Genetics, reivindica mais que isso. Ela exige possuir os direitos sobre
qualquer teste feito para verificar a presença de dois genes críticos,
associados ao câncer de seio. Ela bate-se agressivamente por tal direito,
embora seu teste seja inferior ao que a Universidade de Yale desejava oferecer,
a custo muito mais baixo. As consequências são trágicas. Testes eficientes e
acessíveis que identifiquem pacientes com alto risco de desenvolver câncer
salvam vidas. Impedi-los provoca mortes. A Myriad é um exemplo real de
corporação norte-americana para a qual o lucro supera qualquer outro valor –
inclusive o da própria vida humana.
O caso é particularmente crítico. Normalmente, os
economistas falam de compensações. Argumenta-se que direitos de propriedade
intelectual mais frágeis eliminariam o incentivo à inovação. A ironia aqui é
que a descoberta da Myriad teria ocorrido de qualquer maneira, graças a um
esforço internacional, financiado com recursos públicos, para decodificar todo
o genoma humano – uma conquista singular da ciência moderna. Os benefícios
sociais da descoberta da empresa, ligeiramente precoce, são incomparavelmente menores
que os custos impostos por sua busca irresponsável de lucros.
Num contexto mais amplo, cresce o reconhecimento de que o
sistema de patentes, em sua forma atual, impõe inúmeros custos sociais e é,
além disso, incapaz de maximizar a inovação – como demonstram as patentes de
genes da Myriad. Afinal de contas, a corporação não inventou as tecnologias
usadas para analisar os genes. Se estas tecnologias tivessem sito patenteadas,
a empresa não poderia ter feito suas descobertas. E o rígido controle que exerce
sobre suas patentes inibiu o desenvolvimento, por outros, de testes melhores e
mais precisos sobre a presença do gene. A questão é simples: toda pesquisa é
baseada em pesquisa anterior. Um sistema de patentes mal-concebido – como o que
temos hoje – pode inibir a sequência de investigações científicas.
É por isso que não se permitem patentes de insights básicos
em matemática. E é por isso que estudos demonstraram: o patenteamento de genes
reduz, na realidade, a produção de novos conhecimento sobre genes. A fonte mais
importante para a produção de novo conhecimento é conhecimento anterior. Mas o
acesso a este é inibido pelo sistema de patentes.
Felizmente, o que motiva os avanços mais significativos do
conhecimento humano não são os lucros, mas o próprio desejo de conhecer. Foi
assim com todas as descobertas e inovações transformadoras – o DNA, os
transístores, os lasers, a Internet e tantas outras.
Uma disputa judicial à parte revelou um dos maiores perigos
de um poder de monopólio criado por patentes: a corrupção. Como os preços
excedem em muito os custos de produção, surgem, por exemplo, oportunidades de
lucros imensos quando se persuadem farmácias, hospitais ou médicos a mudar a
marca dos medicamentos consumidos.
O procurador norte-americano para o distrito Sul de Nova
York acusou recentemente o gigante farmacêutico suíço Novartis de fazer
exatamente isso, por meio de incentivos ilegais, honrarias e outros
“benefícios” oferecidos a médicos. É exatamente o que a Novartis prometera não
fazer, na resolução de um caso semelhante, há três anos. O Public Citizen, um
grupo que atua em favor dos direitos do consumidor, calculou que, só nos
Estados Unidos, a indústria farmacêutica foi obrigada a pagar bilhões de
dólares, como resultado de decisões judiciais e acordos financeiros firmados
com governos federais e estaduais.
É triste, mas os Estados Unidos e outros países avançados
têm pressionado pela adoção, em todo o mundo, de regimes de propriedade
intelectual ainda mais draconianos. Se adotados, eles limitarão o acesso dos
países pobres ao conhecimento de que precisam para desenvolver-se, e negarão
medicamentos genéricos, que podem salvar vidas, a centenas de milhões de
pessoas que não podem pagar os preços de monopólio dos produtores de drogas.
Este tema vai torna-se central, em negociações na
Organização Mundial do Comércio (OMC). O acordo de propriedade intelectual da
OMC, chamado de TRIPS, originalmente garantia “flexibilidade” às 48 nações
menos desenvolvidas, que têm renda per capita inferior a 800 dólares anuais. O
acordo original parece especialmente claro: a OMC irá estender estas
“flexibilidades”, a partir de demanda das nações menos desenvolvidas. Mas
agora, quando tais nações apresentaram a demanda, os Estados Unidos e a Europa
hesitam em reconhecê-las.
Os direitos de propriedade intelectual são regras que nós
criamos e que, supõe-se, ampliam o bem-estar social. Mas regimes de propriedade
intelectual desequilibrados produzem ineficiência – inclusive, lucros de
monopólio e incapacidade de maximizar o uso do conhecimento – que frustram o
avanço da inovação. E, como mostra o caso da Myriad, podem resultar em vidas
desnecessariamente perdidas.
O regime de propriedade intelectual que vigora nos Estados
Unidos – e que eles ajudaram a empurrar ao resto do mundo, por meio do acordo
TRIPS – é desequilibrado. Todos deveríamos esperar que, ao decidir o caso
Myriad, a Suprema Corte contribua para a criação de uma estrutura mais sensível
e humana.
fonte:http://www.outraspalavras.net/2013/05/12/controle-sobre-os-genes-a-proxima-batalha/
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