31/07/2012

Cobrar metas nem sempre é assédio moral, diz decisão


“A prática de estabelecer metas é demandada pelos tempos atuais em razão da exigência do mercado competitivo e na busca de um desempenho profissional positivo”. A afirmação da desembargadora Kyong Mi Lee, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, ao decidir pela redução da indenização devida a uma vendedora, se encaixa na interpretação que vem se firmando na Justiça brasileira em processos que tentam relacionar a cobrança de metas ao assédio moral.
O acórdão do TRT-2 ressalva, porém, que castigar um empregado por não alcançar os números desejados não é permito pela lei. No caso concreto julgado, a autora da ação, vendedora das lojas Casas Bahia, alegou que, quando não atingiam as metas, os funcionários eram chamados de "bié", "bozzola" ou até de "piriguete", e eram colocados "na boca do caixa", onde vendiam menos pelo fato de o caixa ficar no fundo da loja e os clientes que lá chegam já terem sido abordados por outros vendedores. 
"Seja qual for o exato significado de referidas expressões ("bié", "bozzola" e "piriguete"), essa não é a forma de tratamento a ser dispensada pelo superior hierárquico a seus subordinados", enfatizou a desembargadora. 
Porém, a autora da ação, segundo a decisão, não conseguiu comprovar que ser colocada "na boca do caixa" era uma punição, já que as testemunhas afirmaram que havia um rodízio na função. 
"Mesmo que evidenciada a existência de cobrança de metas, cumpre destacar que 

o trabalho sob pressão é, hoje, inerente à sociedade moderna, sendo diferente a forma como cada pessoa a ela reage", explicou a julgadora, pelo que reduziu para R$ 10 mil a indenização fixada em primeira instância em R$ 25 mil por danos morais. 

Bom senso

O entendimento expressado pelo TRT segue um juízo praticamente unânime entre os advogados trabalhistas. Eles concordam que, dada a alta competitividade das empresas, é normal que se estipule objetivos claros e que se requisite sua obtenção. Fazem, porém, uma ressalva: os limites não podem ser ignorados.

As palavras-chave utilizadas para explicar a posição mudam, mas o sentido é o mesmo. A advogada Gláucia Massoni, sócia do escritório Fragata e Antunes Advogados, afirma que as metas e a cobrança devem respeitar a dignidade do trabalhador. Marcel Cordeiro, professor nas áreas Trabalhista e Previdenciária na PUC-SP, fala em "bom senso". Euclydes Marchi Mendonça, vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, lembra o princípio da razoabilidade. As palavras mudam, mas o conceito é o mesmo. 
“Uma empresa, como sofre o risco do negócio, tem o direito de fazer cobranças. No entanto, se o funcionário não as cumpre, não pode ser satirizado ou sofrer qualquer tipo de retaliação”, explica Cordeiro. “Mas ele pode, sim, ser exigido para que melhore, a fim de que alcance os fins traçados.”
Gláucia conta já ter se deparado com casos inusitados: empregados tendo de dançar “na boquinha da garrafa” por não atingir as metas, vestir roupas que rotulem o desempenho ou colocar o já corriqueiro "chapéu de burro". “Porém, para que o assédio se configure, deve-se comprovar o nexo de causalidade entre o dano e o ato lesivo praticado pelo ofensor”, esclarece. Segundo ela, a comprovação do nexo causal é importante diante do grande número de ações relativas a dano moral.
“A questão do assédio moral é alvo de exagero”, afirma Mendonça. “A simples exigência de excelência no serviço não pode ser tida como justificativa para o deferimento dessas ações, caso contrário cairemos no absurdo de privilegiar o serviço mal feito.”
Para o vice-presidente do Iasp, as decisões dos desembargadores costumam ser "bem fundamentadas", enquanto que as de juízes de primeiro grau são “genéricas”, sem se aprofundar nas provas.
Cordeiro vai na mesma direção e compara a situação atual com a de dez anos atrás, quando ações do tipo começaram a ser julgadas. “O pensamento está mais sedimentado e as empresas, também por isso, passaram a tomar mais cuidado com o que fazem.”
“A punição só é cabível se algo fora da rotina é cometido: um acidente, uma falta, o que não for desejado”, explica Mendonça. “O incentivo deve vir pelo prêmio, não pela punição.”
O mesmo vale para demissão por justa causa, diz Cordeiro. “Ela só é possível se o descumprimento da meta estiver permeado por desídia, isso é, a falta de interesse que traz prejuízo à empresa”, alerta.
Clique aqui para ler a decisão. 

Reportagem de Ricardo Zeef Berezin
foto:coisas-da-cris.blogspot.com

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