08/04/2012

Tribunal abre espaço para testemunhos de especialistas em confissões falsas em Nova York


A decisão foi um sinal bem recebido pelos advogados de defesa e defensores da inocência, que argumentaram que as táticas de interrogatório da polícia podem fazer com que as pessoas admitam ter cometido crimes que não cometeram.

O mais alto tribunal de Nova York disse pela primeira vez, na última semana de março, que o testemunho de especialistas em confissões falsas deve ser permitido num julgamento se for relevante para os fatos de um caso.
Mas o tribunal também pareceu estabelecer um critério rígido para determinar essa relevância: numa decisão de 5 votos contra 2, os juízes confirmaram a condenação de uma ré, Khemwatie Bedessie, pelo estupro de um menino de 4 anos de idade, argumentando que o depoimento de seu especialista não foi relevante para os detalhes de sua confissão.
Ainda assim, a decisão do Tribunal de Apelação de Nova York foi um sinal bem recebido pelos advogados de defesa e defensores da inocência, que argumentaram que as táticas de interrogatório da polícia podem fazer com que as pessoas admitam ter cometido crimes que não cometeram. Cerca de um quarto dos condenados exonerados por testes de DNA em todo o país fizeram confissões falsas, deram declarações que os incriminavam ou se admitiram culpados, de acordo com o Projeto Inocência.
“O fato de o fenômeno das confissões falsas ser genuíno deixou o reino da hipótese para se tornar um conhecimento comum, se não um bom senso”, escreveu a juíza Susan P. Read ao consolidar a opinião da maioria.
Vincent M. Bonventre, um professor da Escola de Direito de Albany, disse que a decisão foi “um grande passo”.
“No passado, esse tipo de prova era considerada mais confiável do que qualquer outra, agora o Tribunal de Apelação está dizendo: 'bem, entendemos que muitas dessas confissões podem ser falsas'”, disse ele.
Em sua opinião de 21 páginas, Read também reconheceu o que se tornou um tema explosivo no Capitólio: a gravação de interrogatórios de polícia.
“Enquanto gravar os interrogatórios deve facilitar a descoberta de confissões falsas e está se tornando uma prática padrão da polícia, negligenciar a gravação não é considerado um fator ou circunstância que pode induzir a uma confissão falsa”, escreveu ela.
Peter J. Neufeld, codiretor do Projeto Inocência, disse esperar que esse reconhecimento incentive o Legislativo estadual a efetivar uma medida proposta para exigir a gravação de todos os interrogatórios, uma parte fundamental da lei para os advogados de defesa.
“Nós nunca saberemos o que exatamente aconteceu, porque não havia uma gravação do interrogatório”, disse Neufeld sobre o caso de Bedessie. (De fato, ela confessou duas vezes, e a segunda foi gravada.)
Não é uma surpresa que o juiz chefe Jonathan Lippman tenha se juntado ao juiz Theodore T. Jones em sua discordância. Lippman há muito defende uma proteção maior contra as condenações equivocadas através de métodos como gravar as confissões e mudanças na forma como os reconhecimentos são feitos. Lippman convocou uma força-tarefa, presidida em parte por Jones, que em janeiro recomendou uma legislação para colocar essas medidas em vigor.
Embora o tribunal tenha se recusado a derrubar a condenação de Bedessie, que está cumprindo uma pena de 20 anos, “é uma decisão maravilhosa para os réus no futuro”, disse Ronald L. Kuby, que representou-a na apelação.
Bedessie, uma professora-assistente, foi acusada em 2006 de ter realizado atos sexuais com um menino de 4 anos que estava sob sua supervisão.
Em seu julgamento no ano seguinte, Bedessie testemunhou que não havia feito as coisas que havia descrito, e as confessou só depois que um detetive de polícia disse que ela podia ou falar a verdade e ir para casa ou “ir para a prisão de Rickers Island, onde ela apanharia”, de acordo com a decisão de Read.
Antes do início de seu julgamento, o advogado de Bedessie pediu ao tribunal para permitir o testemunho do Dr. Richard J. Ofshe, um especialista em confissões falsas que entrevistou a ré. O juiz negou o pedido, declarando, entre outras coisas, que o testemunho de Ofshe não teria valor para o júri.
O Tribunal de Apelação determinou que o testemunho de Ofshe não seria relevante para este caso depois de examinar um relatório que ele submeteu em nome de Bedessie. “O corpo do relatório estava cheio de discussões de questões irrelevantes, especulações e conclusões baseadas em fatos que não eram sustentados nem pela versão da ré sobre seu interrogatório”, escreveu Read.
Por exemplo, escreveu Read, Ofshe forneceu uma análise sugerindo que o menino foi coagido nas alegações, mas isso não teve nada a ver com o que Bedessie disse em sua confissão falsa. E nenhuma ligação foi mostrada entre os estudos de confissões falsas e as táticas que o detetive usou em Bedessie, escreveu a juíza.
Jones, em sua opinião divergente, chamou a conclusão da maioria de “curiosa”. O relatório, escreveu ele, “envolveu a pesquisa de incidentes pertinentes que levaram a confissões falsas e a táticas que neste caso podem ter comprometido a confiabilidade da confissão.”

Reportagem de John Eligon para o jornal norte-americano The New York Times
Tradutor: Eloise De Vylder
Foto:portalmaritimo.com 

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