01/04/2012

ONGs afirmam que fome no norte do México vai se agravar; indígenas são os mais afetados



A remota serra de Tarahumara, no Estado de Chihuahua, noroeste do México, esteve em janeiro nas primeiras páginas da mídia local por causa de uma notícia incrível: dezenas de indígenas teriam se suicidado, em desespero pela fome causada pela seca. A informação era falsa, mas contribuiu para chamar a atenção para uma seca e uma fome muito reais, que afetam sobretudo a etnia rarámuri, de 70 mil a 100 mil pessoas, segundo censos imprecisos.
Pelo menos uma menina morreu, e os hospitais ficaram cheios de pessoas afetadas por desnutrição grave, mas o país mostrou-se generoso com a região. A ajuda aliviou a emergência alimentar, mas dois meses depois, com o fim do ruído na mídia e da avalanche solidária, as ONGs que trabalham em campo avisam que só foram feitos remendos e que o pior está por vir.
"As despensas se encheram, mas já estão esvaziando. E o mais grave virá a partir de maio, quando for preciso comprar mais grãos. Continua sem chover. Pusemos remendos, mas só atacamos os efeitos, e não as causas", diz em conversa por telefone Javier Ávila, sacerdote jesuíta e presidente da Comissão de Solidariedade e Direitos Humanos que trabalha na localidade de Creel, de cerca de 6.000 habitantes e centro comercial da serra. "Se sua casa pega fogo é preciso apagá-lo. Mas se ela queima todo ano é preciso perguntar por que e prevenir. O problema alimentar não é uma novidade, embora seja verdade que esta seca atípica o intensificou", conclui.
José Guadalupe Gasca, presidente de uma ONG radicada na mesma localidade, o Complexo Assistencial Clínica de Santa Terezinha, concorda no diagnóstico: é preciso conseguir que as pessoas busquem suas próprias formas de sobrevivência. E estende essa filosofia inclusive à distribuição dos alimentos doados por organismos e particulares, que não são entregues à vontade aos necessitados, mas tenta-se que eles os ganhem fazendo algum trabalho comunitário, como consertar uma escola. Só estão isentos os inválidos, doentes ou órfãos.
Ávila enumera algumas dessas medidas de prazo mais longo: evitar a erosão da terra, fazer cercas, limpar as florestas para evitar incêndios. E sobretudo tentar reter água, já que se calcula que 95% da que cai evapora ou se perde, e conservar o solo. Com essa finalidade, a organização Oxfam financiou um projeto demonstrativo, realizado pela Fundação Tarahumara José A. LLaguno entre 2010 e 2011, de construção de estruturas hidráulicas a modo de represas nas barrancas de um lugar chamado Táscate. Dezenove comunidades replicaram a ideia e puderam enfrentar a seca em melhores condições. Agora há outras 25 solicitações.
Os rarámuri --"gente dos pés ligeiros"-- constituem o grupo majoritário na serra e mantêm modos de vida tradicionais dedicados à agricultura, ao pastoreio ou à caça. A palavra "tarahumara", com a qual também são denominados, é uma versão em castelhano da original. Segundo um relatório de 2010 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de alguns municípios da região, como Batopilas, é inferior ao do Níger, que nesse momento era o país mais atrasado do mundo.
Entretanto, os rarámuri se orgulham de sua identidade. "Enviaram-nos de forma bem-intencionada muita roupa usada", conta o padre Héctor Fernández, também de Creel, "mas quem pediu? Há necessidade de mantas, mas essas roupas velhas são uma ofensa para eles. Sua vestimenta é sua dignidade. É muito mais enaltecedor enviar tecidos para que façam suas roupas".
É uma constante: as organizações agradecem a ajuda, mas lamentam a desordem nas remessas. "A prioridade continuam sendo os alimentos não perecíveis como milho ou feijão", diz o padre Fernández, "mas é preciso escutar as ONGs, porque às vezes falta óleo, sabão...". E brinca: "Não mandem só arroz, não são chineses!" O padre Ávila também critica que alguns aproveitem a emergência para limpar o armário e, de passagem, sua consciência: "Para que serve um vidro de remédios com dois comprimidos que não sabemos se estão vencidos?"
Os governos federal e estadual responderam ao chamado, mas o que acontecerá quando se relaxar totalmente a pressão da mídia? E quando passarem as eleições de julho? Ávila não é otimista: "Os políticos vêm pedir o voto. Lembram-se dos indígenas quando estão na mídia e então aparecem sempre cobertos de fome, pobreza, miséria, morte, doença, quando têm tantos valores para oferecer a nossa sociedade. Não os levam em conta para projetos de mineração ou florestais que os afetam. Mas quando precisam deles para dar cor a um projeto turístico, os põem muito arrumadinhos".
Em um artigo publicado em janeiro no jornal mexicano "Milenio", o jornalista Carlos Tello Díaz refletiu sobre o trágico destino dos tarahumara. Trágico, segundo Tello, nem tanto porque a cultura dominante os esmaga, mas porque sua própria cultura (a agricultura de subsistência, a medicina tradicional e uma igualdade social que impede o progresso) os põe em desvantagem. Sua triste conclusão é que, para superar-se, teriam de deixar de ser o que são.
Ávila não concorda: "Incompatíveis com o mundo moderno? Não, o que os torna maiores é a persistência em ser rarámuri. O rarámuri quer continuar sendo o que é, mas não quer continuar estando como está. E tem todo o direito".

Reportagem de Bernardo Marín para o jornal  espanhol  El País
Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2012/03/16/ongs-afirmam-que-fome-no-norte-do-mexico-vai-se-agravar-maioria-dos-afetados-e-indigena.htm
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
foto:racismoambiental.net.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita e pelo comentário!