30/04/2012

Itália recorre a patrocinadores para salvar tesouros culturais da crise econômica


Quadro do italiano Leonardo Da Vinci
Com o país atolado em dívidas, o orçamento cultural da Itália foi cortado nos últimos anos, o que é um problema para vários sítios históricos. Muitos políticos locais se voltaram para patrocínios corporativos para levantar o dinheiro para a manutenção necessária. A tendência atraiu críticas consideráveis.
Marco Zambuto tem uma imaginação ativa, um bem essencial hoje em dia. Ele não tem escolha. Ele pode vislumbrar, por exemplo, as antigas colunas do Vale dos Templos – um legado helênico de milênios na Sicília – impressas em camisetas. O lugar é um símbolo da Grécia antiga, o berço da Europa. E hoje em dia, espera Zambuto, ele oferece tanto um consolo quanto um incentivo para gastar nesses tempos de crise econômica em Atenas e Roma.
Zambuto é o prefeito da cidade de Agrigento na Sicília, e ele diz que o sítio arqueológico lá vale 2 bilhões de euros. Ele quer fazer sua parte para vender esse potencial. Com as eleições locais se aproximando em maio, Zambuto, 39, está em campanha, e sua ideia de leiloar os direitos do sítio, na esperança de atrair grandes investidores do mundo todo, tem um papel central em seus discursos de campanha. Só os melhores poderão assinar o contrato, ele promete. O dinheiro gerado pelo leilão, diz ele, será investido na manutenção urgentemente necessária dos templos.
"A Itália tem os maiores tesouros de herança cultural do mundo", diz Zambuto, "mas não estamos fazendo nada para mantê-los. É responsabilidade do governo, é claro, mas se o governo está quebrado, então a Versace pode certamente ser uma solução". Ou a Louis Vuitton. Desde que o investidor não seja um oligarca russo como Mikhail Prokhorov, o desafiante de Vladimir Putin nas eleições presidenciais russas em março, que expressou um interesse em comprar o Templo de Zeus – embora ninguém saiba porque ele quer isso. Isso, segundo Zambuto, seria ir longe demais. Vender a herança cultural da Itália está fora de questão, mas alugar os sítios para desfiles de moda ou festas certamente é uma opção, ele acrescentou. "Posso imaginar todo tipo de coisas", diz Zambuto com um sorriso, "desde que o dinheiro continue entrando".
Desde que Roma cortou radicalmente seu orçamento cultural e incumbiu os governos regionais de fazer seus próprios cortes significativos, províncias e cidades vêm fechando os rombos em seus orçamentos vendendo propriedades do governo, incluindo monastérios, quarteis e vilas etruscas, e transferindo os direitos de uso para investidores privados. Eles chamam isso de patrocínio cultural, uma área na qual a Itália está muito atrás do resto da Europa há muito tempo.

"Você pode comer cultura"

A cultura é o recurso natural da Itália, quase como o petróleo para o Oriente Médio. O país abriga 44 Patrimônios Mundiais da Unesco, cerca de 5 mil museus e 60 mil sítios arqueológicos, mais do que qualquer outro país do mundo. Mas os tesouros da Itália não estão sendo cuidados. Durante o governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, o orçamento cultural encolheu em um terço dentro de três anos. Seu ministro das finanças defendia os cortes dizendo: "Não sei porque tanto alarde. Afinal, você não pode comer cultura."
Hoje só 1,4 bilhão de euros é destinado à cultura – menos de 0,2% do orçamento nacional. O autor Umberto Eco chama isso de "anorexia da cultura". Tem sido a realidade italiana há anos, e agora o primeiro-ministro Mario Monti está tentando limitar os danos.
Em Roma, Diego Della Valle, 58, foi considerado um pioneiro no patrocínio, mas hoje sua iniciativa privada ameaça fracassar diante da burocracia e da soberania em questões de preservação da herança cultural. No ano passado, Valle, dono da companhia de sapatos Tod, foi escolhido entre outros interessados, incluindo a companhia aérea Ryanair e construtoras, e recebeu os direitos exclusivos para o uso visual do Coliseu em Roma. Em troca, ele prometeu gastar 25 milhões de euros numa reforma completa da estrutura de 2 mil anos de idade, incluindo a construção de um centro de visitantes. O prefeito de Roma Giovanni Alemanno vibrou.
Mas então o sindicato que representava os trabalhadores da cultura entrou na justiça porque acredita que o processo é ilegal. O trabalho de reforma foi agendado novamente para março, mas nada aconteceu. E no início deste mês, quando o papa Bento 16 realizou a tradicional procissão de Sexta-Feira Santa no Coliseu, um holofote iluminou mais uma vez as péssimas condições da estrutura, com seu cimento se desfazendo e a fachada escurecida, resultado de ser cercado pelas ruas de tráfego intenso no meio de Roma.

Protestando contra a Benetton

Veneza tem sido uma espécie de pioneira no que diz respeito ao patrocínio cultural. Companhias do setor de bens de luxo esperam usar a cidade para melhorar suas imagens, e a marca de moda Diesel está pagando pela restauração da Ponte de Rialto. O Palácio de Doge e a Ponte dos Suspiros estão embrulhados o ano todo com painéis gigantes cobertos com propaganda de bancos e grifes de moda, como Bulgari e Guess. A cidade está satisfeita com o fato de que o fabricante de bens de luxo francês e colecionador de artes François Pinault construiu seu próprio museu e que Miuccia Prada está exibindo sua coleção em seu palácio no Canal Grande. Veneza tem uma dívida de 400 milhões de euros, e a maior parte de seus subsídios de Roma estão atrelados ao projeto de barragem MOSE, que custará pelo menos 5 bilhões de euros e tem como objetivo proteger a cidade das enchentes.
Mas os venezianos começaram a protestar quando o Benetton Group adquiriu um prédio de estação de trem e teve sua oferta aprovada para transformar a Fondaco dei Tedesci, a antiga missão de comércio para mercadores alemães como a família Fugger, num shopping center gigante projetado pelo arquiteto Rem Koolhaas. Agora iniciativas dos cidadãos estão criticando a comercialização da herança cultural pública e querem evitar que a cidade se transforme numa versão comercializada de si mesma.
A liquidação da cultura e a tentativa simultânea de preservar os sítios históricos do país são os dois polos da discussão. O conflito é especialmente evidente no tratamento de Pompeia e Herculaneum, as duas cidades antigas que foram destruídas durante uma erupção do monte Vesúvio em 24 de agosto do ano 79 A.C..
Desde o colapso financeiro dos últimos dois anos, Pompeia se tornou o símbolo de um país decadente, culturalmente falido e paralisado por gladiadores políticos cujas limousines oficiais supostamente custam o dobro do orçamento cultural do país. Três milhões de turistas visitam os sítios a cada ano, pagando uma taxa de entrada de 11 euros por pessoa, um rendimento que se soma aos subsídios de Roma. Mas os superintendentes que mudam constantemente gastaram o dinheiro em shows elaborados, além de 6 milhões de euros na restauração do Grande Teatro.

Velho tapete vermelho

Um tapete vermelho, gasto pelo uso, que foi desenrolado para uma visita de Berlusconi ainda está estendido no caminho para a vila de Marcus Lucretius, o mais poderoso credor da cidade. Há alguns anos, Berlusconi declarou um estado de emergência em Pompeia, porque a cidade estava controlada por cachorros de rua e por uma máfia de guias turísticos, e apenas uma parte das casas ainda podia ser visitada. Mas ele nunca apareceu, nem mesmo quando a famosa escola de gladiadores desabou no final de 2010, um incidente que o presidente Giorgio Napolitano chamou de "uma desgraça para a Itália".
Mas na cidade irmã de Pompeia, Herculaneum, o americano David Woodley Packard, filho do fundador da Hewlett-Packard, está garantindo que 30 funcionários de conservação trabalhem para preservar o antigo município, e hoje há mais dinheiro disponível para pesquisa e novas escavações. O Projeto de Conservação de Herculaneum, junto com a British School em Roma, já investiu 15 milhões de euros, e não há nenhum painel de publicidade à vista.
Já existem cerca de 20 mil iniciativas privadas desse tipo na Itália, em que os cidadãos estão estabelecendo museus da herança cultural local e pagando pela preservação de sítios históricos. Em Roma, um grupo de cidadãos engajados chegou a ocupar o Teatro Valle, que agora estão administrando. Todos eles se beneficiam do fato de que o governo está muito fraco.
Salvatore Settis já foi presidente do Conselho de Herança Nacional da Itália até renunciar em protesto contra as políticas de Berlusconi. Ele também sabe que os patronos da cultura serão indispensáveis a partir de agora. Os tempos em que a Itália se recusava, por orgulho nacional, a permitir que uma companhia japonesa contribuísse com 12 milhões de euros para estabilizar a Torre de Pisa já se foram faz tempo, diz Settis. "Hoje estamos andando por aí com um chapéu na mão e implorando por sobras. Enquanto isso, estamos lidando com prefeitos que não entendem nada de antiguidade, em vez disso tratam esses patrimônios como se fossem carros clássicos ou propriedades chiques nos melhores lugares, para serem liquidadas por quem der o maior lance."
Agora que o país precisa ser salvo da falência, a cultura se tornou irrelevante. Pelo menos a Comissão Europeia resolveu contribuir com 42 milhões para a preservação de Pompeia. Mais um fundo de resgate.

Reportagem de Fiona Ehlers para o jornal alemão Der Spiegel
Tradutor: Eloise De Vylder

foto:manifesto-surrealista.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita e pelo comentário!