31/03/2012

O viver enclausurado e a alternativa


Este artigo foi publicado no site Outras Palavras (http://www.outraspalavras.net/2012/03/28/o-viver-enclausurado-e-a-alternativa/) e é do estudante de jornalismo  da  PUC-SP que participou do projeto “Repórter do Futuro Descobrir São Paulo — Descobrir-se Repórter”, Guilherme Zocchio. Reproduzo aqui no Ética para Paz porque, além do texto muito bom, o tema é pertinente e deveria preocupar mais as pessoas.



São Paulo já tem 50 shoppings e 420 condomínios enclausurados. Atingem vida saudável e própria noção de gentileza. Não são inevitáveis

O primeiro condomínio fechado em São Paulo data de 1973, no bairro do Morumbi, zona sul da cidade. De lá para cá, a metrópole foi o território ideal para a proliferação desses enclaves fortificados e dos shopping centers. Além de isolarem os cidadãos do usufruto dos espaços públicos, estes recintos distorcem a própria noção do que é o espaço urbano e prejudicam a convivência nas cidades.
Para o arquiteto e urbanista Ciro Pirondi, um dos fundadores da Escola da Cidade, criticar a vida em condomínios fechados é fundamental, uma vez que a existência deles afeta a noção de que “a casa só existe enquanto um pensamento real na dimensão de sua cidade”. Isto é, segundo ele, a residência deve ser entendida desde as suas condições anteriores, como o fornecimento de energia elétrica, a existência de serviço de saneamento básico e a própria ligação aos demais elementos de uma cidade: é unidade inseparável de um todo urbano. “Essa dimensão é fundamental de começarmos a pensar se a casa é só o abrigo, ou também um bem coletivo do qual usufruo”, explica.
A partir da década de 1980, a multiplicação de enclaves fortificados avançou em São Paulo. A febre de moradias em edifícios e grandes lotes fechados foi tão forte que muitos outros prédios, cuja concepção inicial era a de integração com o espaço público, também passaram a se fechar. Entre os motivos para tanto estavam, desde então, as fortes campanhas de marketing, associando a vida nesses lugares com um ideal de felicidade, por um lado; e, por outro, a histeria diante da violência metropolitana, propagandeada ad nauseam pelos meios de comunicação e análises simplórias e sensacionalistas.
Há também uma série de teses defendendo que a falta de organização em São Paulo tenha sido a responsável pela multiplicação desenfreada dos condomínios fechados. Até 2013 a cidade deve contar com mais de 420 edificações do tipo, segundo levantamento da empresa Lello Condomínios. O urbanista Pirondi, porém, reage a este argumento citando o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, que dizia, provocador: “prefiro tomar um tiro, se precisar viver blindado, dentro de um condomínio”.
Além disso, Pirondi sustenta que o “mito da segurança” é o que alimenta a proliferação de shoppings e condomínios fechados na cidade. “Criou-se o mito da insegurança para vender a indústria da segurança”.
Fugir e vigiar: É inevitável comparar a opção de viver em espaços enclausurados ao que o filósofo francês Gilles Deleuze chamava de sociedades de controle. Diferente do apontado por outro pensador, Michel Foucault, sobre as sociedades disciplinares, Deleuze mostra outra configuração social a partir do fim da década de 1980. As sociedades disciplinares retiravam do espaço público, desde a época medieval, os tipos considerados indesejáveis. Leprosos, deficientes mentais, aleijados e miseráveis eram jogados em locais confinados onde, através da dor e da disciplina, seriam ajustados à conduta daquelas sociedades.
Já nas sociedades de controle, as próprias pessoas esvaziam o espaço público, para exercer nele a total vigilância. Cada indivíduo, com receio do outro, está a controlar a conduta de quem está próximo, através dos mais diversos aparatos tecnológicos e da restrição consciente das liberdades — o símbolo principal é a câmera de segurança. A isso somam-se decisões próprias, por busca de estranhos prazeres, tais como comprar apartamento em determinado conjunto residencial, porque lá se promete uma vida segura, vigiada por câmeras, e tranquila, controlada em regras estabelecidas por pessoas com o mesmo poder aquisitivo.
Usando um exemplo exagerado, mas ilustrativo, Pirondi propõe: “Imagine um menino que nasceu num condomínio privado, como Alphaville. Nasce no hospital de lá, estuda na escola de lá, frequenta os clubes de lá. Quando sai, é para pegar um avião, ver o Mickey e voltar. Um belo dia, esse belo rapaz ou moça entra [na Faculdade de Direito da USP] no Largo de São Francisco e sai da boca do metrô e encontra o traficante. Ele enlouquece. Ou vira um louco, ou foge”.
Alternativas: Embora se assista à expansão dos enclaves fortificados e dos shoppings (mais de 50, em toda a cidade), resistem edifícios que articulam a vida em condomínio com o espaço público paulistano, e demonstram o possível convívio social entre os diferentes. São casos como o do conhecido edifício Copan, próximo à Praça da República, e do Conjunto Nacional, no cruzamento da av. Paulista com a rua Augusta.
“Este convívio, que parece tão simples, implica uma responsabilidade social na construção da cidade muito maior do que podemos imaginar”, diz Ciro Pirondi. Para ele, a cidade fechada em condomínios e shoppings lembra aquilo que o escritor português José Saramago apontava, em O Ensaio sobre a Cegueira, sobre uma sociedade que perdeu a bondade e generosidade. Todos, sem exceção, tornaram-se vítimas de uma cegueira branca. “Antes de urbanismo tem que existir urbanidade. Você precisa gostar dos outros, querer bem à sua vizinha”, pensa Pirondi.


foto:jornale.com.br 

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