Este artigo foi publicado no site Outras Palavras (http://www.outraspalavras.net/2012/03/28/o-viver-enclausurado-e-a-alternativa/)
e é do estudante de jornalismo da PUC-SP que
participou do projeto “Repórter do Futuro Descobrir São Paulo — Descobrir-se
Repórter”, Guilherme Zocchio. Reproduzo aqui no Ética para Paz porque, além do
texto muito bom, o tema é pertinente e deveria preocupar mais as pessoas.
São Paulo já
tem 50 shoppings e 420 condomínios enclausurados. Atingem vida saudável e
própria noção de gentileza. Não são inevitáveis
O primeiro
condomínio fechado em São Paulo data de 1973, no bairro do Morumbi, zona sul da
cidade. De lá para cá, a metrópole foi o território ideal para a proliferação
desses enclaves fortificados e dos shopping
centers. Além de isolarem os cidadãos do usufruto dos espaços
públicos, estes recintos distorcem a própria noção do que é o espaço urbano e
prejudicam a convivência nas cidades.
Para o arquiteto
e urbanista Ciro Pirondi, um dos fundadores da Escola da Cidade, criticar a
vida em condomínios fechados é fundamental, uma vez que a existência deles
afeta a noção de que “a casa só existe enquanto um pensamento real na dimensão
de sua cidade”. Isto é, segundo ele, a residência deve ser entendida desde as
suas condições anteriores, como o fornecimento de energia elétrica, a
existência de serviço de saneamento básico e a própria ligação aos demais
elementos de uma cidade: é unidade inseparável de um todo urbano. “Essa
dimensão é fundamental de começarmos a pensar se a casa é só o abrigo, ou
também um bem coletivo do qual usufruo”, explica.
A partir da
década de 1980, a multiplicação de enclaves fortificados avançou em São Paulo.
A febre de moradias em edifícios e grandes lotes fechados foi tão forte que
muitos outros prédios, cuja concepção inicial era a de integração com o espaço
público, também passaram a se fechar. Entre os motivos para tanto estavam,
desde então, as fortes campanhas de marketing, associando a vida nesses lugares
com um ideal de felicidade, por um lado; e, por outro, a histeria diante da
violência metropolitana, propagandeada ad
nauseam pelos meios de comunicação e análises simplórias e
sensacionalistas.
Há também uma
série de teses defendendo que a falta de organização em São Paulo tenha sido a
responsável pela multiplicação desenfreada dos condomínios fechados. Até 2013 a
cidade deve contar com mais de 420 edificações do tipo, segundo levantamento da
empresa Lello Condomínios. O urbanista Pirondi, porém, reage a este argumento
citando o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, que dizia, provocador: “prefiro
tomar um tiro, se precisar viver blindado, dentro de um condomínio”.
Além disso,
Pirondi sustenta que o “mito da segurança” é o que alimenta a proliferação de
shoppings e condomínios fechados na cidade. “Criou-se o mito da insegurança
para vender a indústria da segurança”.
Fugir e
vigiar: É inevitável comparar a
opção de viver em espaços enclausurados ao que o filósofo francês Gilles
Deleuze chamava de sociedades de controle. Diferente do apontado por outro
pensador, Michel Foucault, sobre as sociedades disciplinares, Deleuze mostra
outra configuração social a partir do fim da década de 1980. As sociedades
disciplinares retiravam do espaço público, desde a época medieval, os tipos
considerados indesejáveis. Leprosos, deficientes mentais, aleijados e
miseráveis eram jogados em locais confinados onde, através da dor e da
disciplina, seriam ajustados à conduta daquelas sociedades.
Já nas sociedades
de controle, as próprias pessoas esvaziam o espaço público, para exercer nele a
total vigilância. Cada indivíduo, com receio do outro, está a controlar a
conduta de quem está próximo, através dos mais diversos aparatos tecnológicos e
da restrição consciente das liberdades — o símbolo principal é a câmera de
segurança. A isso somam-se decisões próprias, por busca de estranhos prazeres,
tais como comprar apartamento em determinado conjunto residencial, porque lá se
promete uma vida segura, vigiada por câmeras, e tranquila, controlada em regras
estabelecidas por pessoas com o mesmo poder aquisitivo.
Usando um exemplo
exagerado, mas ilustrativo, Pirondi propõe: “Imagine um menino que nasceu num
condomínio privado, como Alphaville. Nasce no hospital de lá, estuda na escola
de lá, frequenta os clubes de lá. Quando sai, é para pegar um avião, ver o
Mickey e voltar. Um belo dia, esse belo rapaz ou moça entra [na Faculdade de
Direito da USP] no Largo de São Francisco e sai da boca do metrô e encontra o
traficante. Ele enlouquece. Ou vira um louco, ou foge”.
Alternativas:
Embora se assista à expansão
dos enclaves fortificados e dos shoppings (mais de 50, em toda a cidade),
resistem edifícios que articulam a vida em condomínio com o espaço público
paulistano, e demonstram o possível convívio social entre os diferentes. São
casos como o do conhecido edifício Copan, próximo à Praça da República, e do
Conjunto Nacional, no cruzamento da av. Paulista com a rua Augusta.
“Este convívio,
que parece tão simples, implica uma responsabilidade social na construção da
cidade muito maior do que podemos imaginar”, diz Ciro Pirondi. Para ele, a
cidade fechada em condomínios e shoppings lembra aquilo que o escritor
português José Saramago apontava, em O
Ensaio sobre a Cegueira, sobre uma sociedade que perdeu a bondade e
generosidade. Todos, sem exceção, tornaram-se vítimas de uma cegueira branca.
“Antes de urbanismo tem que existir urbanidade. Você precisa gostar dos outros,
querer bem à sua vizinha”, pensa Pirondi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita e pelo comentário!