06/11/2011

Mercado de trabalho pode ser incapaz de absorver o aumento da população

O planeta ultrapassou os 7 bilhões de habitantes. Um bilhão a mais do que há 12 anos e o dobro da quantidade que existia no final dos anos 60. O crescimento acelerado da população mundial dispara os alarmes malthusianos sobre o esgotamento dos recursos naturais e a brecha demográfica entre as diferentes regiões do mundo. Podemos gerenciar um planeta com tanta gente?
A ideia de uma população que possa superar os 9 bilhões em 2050 implica desafios em âmbitos tão fundamentais como a produção agrária, o abastecimento energético ou a conformação dos mercados de trabalho. Cada um deles está sujeito a um complexo equilíbrio de necessidades e limitações físicas e políticas. Nas palavras de Alex Evans, diretor do programa da Universidade de Nova York para Globalização e Escassez, "a globalização melhorou os padrões de vida de milhões de pessoas, mas a crescente escassez de recursos implica o risco de ela ser vítima de seu próprio sucesso."
Pensemos, por exemplo, na alimentação. Embora neste momento o número de pessoas que passam fome chegue perto de um bilhão, os especialistas concordam que o planeta ainda produz alimentos suficientes. O futuro, entretanto, sugere um panorama mais sombrio. De acordo com os dados da FAO, as necessidades alimentares da população em 2050 poderiam crescer 70% em relação às atuais, o que supõe um verdadeiro desafio para um sistema produtivo que começou a estimar seus limites.
A terra disponível para a produção agrária chegou ao limite máximo no início da década passada, enquanto que o crescimento do rendimento médio dos cultivos caiu pela metade desde 1960 por causa do esgotamento dos recursos e dos efeitos do aquecimento global. Em outras palavras, no futuro seremos obrigados a produzir mais com menos, o que já transformou muitas regiões pobres em cenário para uma competição internacional pelo controle de recursos como terras ou água.
O abastecimento energético enfrenta um dilema muito semelhante. O documento "Perspectivas Energéticas Mundiais", elaborado todo ano pela Agência Internacional de Energia, prevê um aumento de mais de um terço na demanda para 2035, derivado em grande parte do crescimento das economias emergentes. Assim com a produção agrária, o consumo e a geração de energia serão cada vez mais limitados pelos compromissos de redução das emissões de CO2, assim como pela fragilidade de outros limites planetários, como a perda da biodiversidade ou a acidificação das águas dos oceanos. No ânimo dos negociadores, que se reunirão em Durban (África do Sul) dentro de poucas semanas, pesa mais do que nunca a ameaça de alcançar pontos sem volta que potencializariam as consequências do aquecimento global e encareceriam qualquer resposta.
Mas a variável populacional que talvez desperte mais receios sociais e políticos é a que se refere ao futuro dos mercados de trabalho globais, cuja composição escapa com frequência ao controle dos governos.
Um estudo realizado em 2008 pela Universidade de Harvard e o Centro para o Desenvolvimento Global estabelecia que um imigrante médio que chega aos EUA multiplica por três sua capacidade aquisitiva, além de ganhar acesso a redes de proteção social impensáveis em seu país. Os dados relativos à Europa não são muito diferentes.
Enquanto isso, as tendências apresentadas esta semana pelo Fundo de População das Nações Unidas continuam mostrando um planeta no qual as gerações mais jovens se concentram nos países pobres e as mais antigas no mundo desenvolvido; um mundo cujo sistema de proteção social necessita de uma pirâmide populacional de base ampla. Lant Pritchett, professor de Harvard e um dos autores do estudo, expressava o dilema nesses termos: "A força das inevitáveis mudanças demográficas que criam demanda nos países ricos e oferta nos países pobres vai ser poderosa demais para a capacidade coercitiva das barreiras fronteiriças".
Diante deste panorama, podemos limitar o crescimento da população ou estamos condenados a gerenciar um planeta com mais habitantes? Alguns dos países afetados pelas altas taxas de crescimento estão há décadas fomentando iniciativas mais ou menos agressivas de controle da natalidade, desde a política de filhos únicos na China até os programas massivos de esterilização da Índia, que alcançam 37% das mulheres que até então usavam outros métodos contraceptivos. Entretanto, não só estas políticas se demonstraram ineficazes no momento de deter o crescimento acelerado da população, mas também resultaram em consequências indesejáveis como a seleção de fetos por motivos de gênero. De acordo com um informe recente do Banco Mundial, só na China o número de mulheres não nascidas poderia superar um milhão por ano.
Não há solução simples. Os especialistas e informes consultados sugerem que a resposta à superpopulação é o caminho longo do desenvolvimento e das soluções cooperativas. Por um lado, só deste modo podemos garantir a sustentabilidade social e ecológica do planeta; por outro, a prosperidade econômica e o acesso a oportunidades como a educação demonstraram ser o modo mais eficaz de reduzir as taxas de fecundidade. Perguntado sob a possibilidade de estabelecer "ilhas de prosperidade", Ignácio Pérez Arriaga, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Comillas, recorreu ao exemplo da luta contra a mudança climática: "se o objetivo é reduzir as emissões globais, uma Europa isolada controla apenas 20% do problema. O que importa é o que os demais farão."
Pérez Arriaga faz parte de um grupo de especialistas que assessoram a Comissão Europeia na elaboração de um roteiro energético para o período de 2020 a 2050. Em sua opinião, não há nada impossível na ideia de um planeta que conte com um abastecimento energético estável e dentro dos limites ecológicos. Mas isso exigirá um esforço dobrado: o da economia e da eficiência – "com o que se pode chegar muito longe” -, e o da transformação de nossas fontes de abastecimento, que passa por “renováveis, renováveis e renováveis até torná-las competitivas frente aos combustíveis contaminantes que ficarão cada vez mais caros."

Uma das chaves é a desvinculação dos modelos de crescimento econômico de uso intensivo de recursos como a água ou a energia, garantindo uma distribuição mais justa das quotas de consumo. O Painel Internacional de Recursos da ONU mostrou recentemente que um canadense médio utiliza quatro vezes mais recursos que um indiano. Esta diferença nas pegadas ecológicas deriva, por exemplo, de uma dieta baseada no consumo habitual de carne, cuja produção exige 12 vezes mais água do que o trigo e gera 20 vezes mais emissões de CO2.
Robert Bailey, pesquisador da organização britânica Chatham House, explicou a este jornal em termos semelhantes os desafios do sistema alimentar: "as escaladas nos preços dos alimentos de 2008 e 2011 foram alertas. Não sei qual pode ser o pior cenário, mas tenho certeza de que no futuro teremos choques mais graves. O que acontecerá se houver uma sucessão rápida de eventos semelhantes aos que já vimos, como uma onda de calor na Rússia ou a alteração das monções na Ásia? O que aconteceria se os governos reagissem bloqueando as exportações e agravando a escalada dos preços de alimentos, como já fizeram em 2008? Podemos alimentar um planeta com 9 bilhões de habitantes, mas isso vai exigir muito mais do que estamos fazendo agora."
Organizações internacionais como a FAO e a Oxfam concordam na necessidade de reformar os mercados agroalimentares se quisermos evitar um futuro marcado pela volatilidade dos preços e a recorrência da fome. Sua estratégia é baseada na proteção legal dos recursos essenciais como a terra, o fim da competência desleal dos países ricos e o apoio à agricultura familiar das regiões mais vulneráveis, começando pela África subsaariana.
Mas nem sempre é suficiente com mais recursos e vontade política. O aumento da população nos obrigará a enfrentar problemas para os quais não existem precedentes normativos ou institucionais. A flexibilidade dos regimes migratórios, por exemplo, exigirá o que o Centro de Desenvolvimento da OCDE denominou um "sistema emergente para a mobilidade internacional de trabalho". Um sistema novo, concebido para encontrar um equilíbrio de riscos e oportunidades entre os países de origem, os de destino e os próprios emigrantes.
A resposta ao dilema migratório exigirá combinar a mudança de atitudes individuais com o financiamento, a iniciativa política e a imaginação de atores públicos e privados. São as mesmas variáveis que serão necessárias para estabelecer mercados energéticos e agroalimentares mais justos e sustentáveis. O verdadeiro desafio demográfico não será a quantidade de pessoas, mas sim como elas vivem.

Reportagem de Gonzalo Fanjul  para o jornal espanhol El País
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2011/11/06/mercado-de-trabalho-pode-ser-incapaz-de-absorver-o-aumento-da-populacao.jhtm
Tradução: Eloise De Vylder
foto:mundogarotex.blogspot.com

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