Até quando?
A igualdade entre homens e mulheres é reconhecida constitucionalmente por 139 dos 192 membros da ONU. Mas diante da lei a lacuna entre os dois sexos é importante, e se traduz, por exemplo, no fato de que na Europa é difícil provar os casos de violação diante da justiça ou em que 603 milhões de mulheres no mundo não tenham proteção legal diante da violência doméstica.
Neste último caso, são mulheres que vivem em países onde atos como a violação conjugal não são considerados crimes explicitamente. Isso em números significa que há 2,6 bilhões de mulheres em 52 países que podem ser agredidas por seus maridos sem que estes sofram qualquer punição.
São alguns dados obtidos no primeiro relatório da ONU Mulheres, órgão das Nações Unidas para as políticas e ações no âmbito da igualdade de gêneros. As mulheres, segundo afirma sua diretora, Michelle Bachelet, "estão marcando a diferença e provocando a mudança". Mas a discriminação e a injustiça de gênero ainda são frequentes em todo o mundo.
As mulheres, segundo denuncia a ex-presidente chilena e diretora executiva da ONU Mulheres, "continuam experimentando injustiças, violência e desigualdades no lar e no âmbito do trabalho". Alguns fatores que explicam essa brecha são as leis baseadas nos costumes e na religião, que restringem os direitos da mulher, sobretudo no âmbito privado. É também uma chaga no mundo desenvolvido.
O relatório cita um estudo realizado em 2009 que revela que só 14% das denúncias de violação em 13 países europeus (a amostragem não inclui a Espanha) acabaram em condenação. Há casos, como o da Bélgica, em que não se chegava a 5%. Isto, somado aos custos do processo, às dificuldades práticas, à fragilidade dos sistemas judiciais e ao estigma social, faz que o índice de desistência seja elevado.
Isso quando chegam a denunciá-los. Há países em que 60% das mulheres sofreram alguma forma de violência física ou sexual. O problema se repete em todo o mundo. Em 57% dos países membros, 10% das mulheres afirmam ter sofrido algum tipo de agressão sexual na vida. No entanto, só 11% delas as denunciam. No caso de roubo, 38% buscam justiça.
O relatório também ressalta que no âmbito do trabalho há países onde as mulheres recebem 30% a menos de salário que seus pares homens. E a metade das trabalhadoras do mundo está em empregos que não têm a proteção de leis trabalhistas. Novamente, as leis no âmbito da igualdade salarial existem 117 países, mas não são aplicadas de maneira adequada.
A ONU faz referência ao vínculo entre a brecha por sexos nos salários e a vida familiar. É o que se conhece como "castigo à maternidade". Quando o homem assume uma maior proporção nas tarefas domésticas, "a diferença salarial é inferior". Um terço dos países impede as mulheres de trabalhar nos mesmos empregos que os homens com leis "paternalistas".
Também há desigualdade na vida pública, onde a proporção de mulheres nos Parlamentos é de 19% em média no mundo. Há 28 países que superam o limiar de 30%, um salto importante diante dos quatro de 1997. Em praticamente todos, exceto cinco, foi graças às cotas. E o que é mais animador é que seis deles são países que superaram uma situação de conflito.
Por isso Bachelet pede que os governos garantam que suas legislações protejam a mulher da violência e da desigualdade, ou apoiem serviços inovadores que garantam que as mulheres tenham acesso à justiça. Colocar a mulher no primeiro plano da administração da justiça - juízas, legisladoras, policiais - contribuirá para avançar nesse caminho.
O nível de representação feminina no sistema judicial é baixo na Europa, segundo a ONU. Em média, as mulheres representam 35% dos magistrados e 32% dos promotores.
No caso do corpo de polícia, a média de mulheres baixa para 13% do pessoal total. "Quando as mulheres fazem parte do corpo policial, as denúncias de agressões sexuais aumentam", indica.
O relatório dá como exemplo a Espanha, dizendo que "um número maior de mulheres no Parlamento acelera as reformas". Mas não se trata simplesmente de uma mudança no papel. Para que haja uma mudança de atitude, deve-se cuidar para que as leis sejam aplicadas e garantir que as mulheres conheçam e exijam seus direitos. "A base para a plena igualdade está aí", concluí Bachelet.
Como salienta a ONU, os tribunais foram o principal lugar que as mulheres procuraram para reivindicar seus direitos e onde se definiram os precedentes jurídicos. É aonde foram uma dúzia de empregadas da companhia farmacêutica Novartis, nos EUA, por discriminação de salários e em matéria de promoções.
O que fez a Unity Dow em Botsuana para que se reconhecesse o direito de cidadania às mulheres e filhos depois de se casarem com um estrangeiro.
O órgão também pede aos doadores de fundos para iniciativas relacionadas à justiça que destinem mais para programas que promovem a igualdade de gêneros. Dos US$ 4,2 bilhões mobilizados, só foram utilizados para isso US$ 206 milhões.
Empregadas domésticas exploradas
Cerca de 100 milhões de pessoas em todo o mundo se dedicam ao trabalho doméstico, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). São as mulheres, em muitos casos imigrantes em situação irregular, que se dedicam a esse tipo de emprego - desde fazer faxina e passar roupa a cuidar de crianças e idosos. Um trabalho em que as mulheres sofrem muitas vezes exploração e abusos de todo tipo (incluindo sexuais) por parte de seus empregadores, segundo alertou ontem a UE.
Salários irrisórios, horas de trabalho em excesso, carência de seguro médico ou cobertura por acidentes, além da impossibilidade de ter uma licença por enfermidade. Problemas habituais para essas empregadas registrados em um relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da UE (EFRA).
Infrações que quase nunca são denunciadas. "O pânico da deportação ou da demissão dissuade as vítimas de ir aos tribunais quando sofrem abusos ou exploração de seus empresários. E como a deportação pode ser o preço que se paga por recorrer à justiça, os que maltratam os empregados domésticos em situação irregular ficam muitas vezes impunes", criticou o dinamarquês Morten Kjaerum, diretor da agência.
Esses casos são habituais e dificilmente evitáveis porque na UE o trabalho doméstico está menos sujeito a inspeções de trabalho que outras formas de emprego. Na Espanha, por exemplo, o lar é considerado um âmbito privado no qual as inspeções que analisam (por exemplo) os riscos trabalhistas não podem atuar. Há alguns dias a OIT aprovou um convênio para tentar corrigir situações de desproteção como as refletidas no relatório da EFRA. Como o caso de uma mulher de Togo que trabalhava 15 horas por dia na casa de uma família em um país europeu. Limpava, passava roupa, cuidava das crianças... e dormia em um colchão no chão. Não lhe pagavam salário. Seus empregadores foram condenados por escravidão em 2005.
Reportagem de Sandro Pozzi para o jornal espanhol El País (tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves)
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2011/07/07/apenas-14-dos-casos-de-violacao-sexual-acabam-em-condenacao-na-europa-aponta-onu.jhtm
foto:florianopesaro.com.br
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