13/05/2017

Três trabalhos científicos que podem mudar o mundo


Todos os anos as revistas científicas publicam centenas de artigos. O valor deles varia entre os que tempos depois serão desmascarados como completas falsidades até aqueles que mudarão o mundo, como os quatro artigos com os quais Albert Einstein revolucionou a física em 1905, ou as duas páginas na Nature em que James Watson e Francis Crick fizeram o mesmo com a biologia. Para ajudar a escolher melhor o que ler entre tanto material, a editora Springer Nature, gigante das publicações científicas, quer propor uma seleção dos trabalhos publicados em suas revistas de modo a destacar os que têm maior potencial de transformar nosso mundo. A multinacional, que tem quase 13.000 funcionários e um faturamento equivalente a 5,2 bilhões de reais por ano, criou uma iniciativa chamada Change the World, One Article at a Time ("Mude o mundo, um artigo por vez"), com a qual seleciona os 180 trabalhos de todas as disciplinas científicas que, consideram, terão mais impacto social. Aqui fazemos referência apenas a três deles, mas na seleção, que terá livre acesso até agosto deste ano, podem ser encontrados alguns dos últimos achados em tecnologia energética, ciências sociais e investigação biomédica, entre outros campos.

1. Como nossos hábitos afetam nossos filhos e netos

Recentemente, esta ideia seria considerada uma heresia científica. O genoma se transmitia aos filhos sem refletir a vida que o pai havia levado. A fusão entre o espermatozoide e o óvulo era como um reset no qual se criava um novo indivíduo, com uma informação que refletia o acervo do pai e da mãe, mas não as mudanças acumuladas ao longo de suas vidas.
Em um artigo publicado na Nature Reviews Endocrinology, Romain Barrès e Juleen R. Zierath, pesquisadores da Universidade de Copenhague (Dinamarca), oferecem uma visão do que se sabe sobre a influência dos hábitos paternos na saúde das gerações posteriores, em especial no que se refere à diabetes tipo 2. Essa doença, que se caracteriza por altos níveis de açúcar no sangue e resistência à insulina, está crescendo na esteira da epidemia global de obesidade.
Segundo os autores, foram identificadas 100 variantes genéticas que explicam 10% da predisposição a essa doença. O resto do caráter hereditário da diabetes poderia ser explicado pela epigenética, ou seja, as modificações produzidas pelo ambiente na atividade dos genes. Observou-se, por exemplo, que uma má nutrição infantil (ou mesmo no estágio intrauterino) está associada a doenças do coração e do metabolismo muitos anos depois. Imagina-se que, quando um feto ou uma criança se vê privado de alimento nas etapas iniciais do seu desenvolvimento, o organismo se reprograma para enfrentar uma vida de fome. Se mais adiante essa pessoa tiver um acesso abundante à comida, estará mais propensa à obesidade e a doenças como a diabetes.
Estudos epidemiológicos realizados com pessoas que passam fome durante guerras permitiram observar que essas mudanças no metabolismo podem ser transmitidas aos filhos e inclusive aos netos. Em experimentos com animais, viu-se que pais que consumiam muita gordura podiam desenvolver resistência à insulina em várias gerações posteriores.
O artigo também fala dos benefícios que o exercício pode propiciar à prole. Em estudos com ratos, observou-se que se os pais fizerem exercício os filhotes machos pesam menos e têm menos gordura, enquanto as fêmeas desenvolvem mais músculos e toleram melhor a glicose.
Os autores apontam que, apesar de terem sido observados efeitos como os mencionados, sabe-se pouco sobre os mecanismos que os produzem, e por isso eles ressaltam a importância de compreendê-los melhor para poder desenhar tratamentos e políticas públicas de saúde. Para recordar a complexidade desses mecanismos, eles lembram um artigo no qual se mostra que o exercício dos pais pode ser prejudicial para os filhos. O trabalho, realizado com ratos e assinado por pesquisadores da Universidade do Leste da Carolina (EUA), mostrava que quando os pais se exercitavam de forma regular durante muito tempo as crias ficavam programadas para uma vida de pouco gasto energético. Isso fazia com que os ratos fossem mais propensos à obesidade.

2. O problema do excesso de higiene

As melhoras na higiene produziram muitos benefícios para a saúde, mas é possível que também tenham tido alguns efeitos secundários. Isto é o que tenta explicar outro dos artigos selecionados pela Springer Nature. Em um trabalho liderado por Christopher Lowry, da Universidade do Colorado em Boulder, conta-se como a falta de exposição a alguns micróbios com os quais convivemos há milênios pode ter nos deixado com um sistema imunológico "destreinado".
No sistema de defesa do organismo contra os agentes patogênicos, a inflamação é fundamental. Entretanto, esse mecanismo também pode produzir doenças. Sabe-se que a inflamação pode causar problemas psiquiátricos, como a depressão, algo observado por exemplo em pessoas que receberam injeções de interferon-alfa, um tratamento para doenças como a hepatite B e alguns tipos de câncer. As proteínas que compõem esse medicamento produzem um efeito inflamatório, e isto por sua vez faz com que alguns pacientes se deprimam.
A prevalência de doenças causadas pela inflamação indesejada, como é o caso das alergias e da asma, cresceu nos últimos anos. Entretanto, ainda não se conhecem bem os mecanismos que provocam esses efeitos. Uma das hipóteses propostas para explicar esse fenômeno é a dos velhos amigos. Esta epidemia se deveria, em parte, a uma menor exposição a micro-organismos com os quais convivemos e que treinam os circuitos que regulam o sistema imunológico e suprimem a inflamação inapropriada. A falta de contato com nossos velhos amigos tornaria os habitantes do mundo moderno mais vulneráveis a problemas do desenvolvimento neurológico, como o autismo e a esquizofrenia, ou a questões relacionadas com o estresse e a ansiedade.
Além de propor um estudo mais aprofundado da relação entre os micro-organismos com os quais convivemos e as falhas no sistema imunológico, os pesquisadores sugerem a possibilidade de tratar estas enfermidades com probióticos. Neste sentido, recordam que já são usados saprófitos (um tipo de micróbio que se alimenta de material em decomposição) como imunoterapia em um teste clínico com doentes de câncer. Embora não sirva para prolongar a vida dos pacientes, a exposição a esses organismos melhorou sua capacidade cognitiva e sua saúde emocional.

3. Mais drogas, menos crimes

Nova York é um exemplo da redução mundial da criminalidade das últimas décadas. Entretanto, como dizem três pesquisadores da Universidade da Cidade de Nova York em outro dos artigos selecionados, não existe uma explicação satisfatória. O trabalho publicado na revista Dialectical Anthropology aponta que uma maior oferta de drogas ilegais e uma menor demanda pode estar por trás do fenômeno.
Nos EUA, 17% dos detentos estão cumprindo pena por crimes cometidos para conseguir dinheiro para drogas. O aumento da oferta e a redução da demanda estariam por trás de uma queda no preço dos entorpecentes e isso, por sua vez, reduziria a necessidade de cometer crimes para ter acesso a eles.
Entre os possíveis motivos para a diminuição da criminalidade em Nova York (e no resto do mundo, embora de uma forma menos evidente) encontra-se a ação policial, a legalização do aborto e até uma menor exposição ao chumbo. No entanto, foi difícil demonstrar uma relação de causalidade. No artigo, os autores apontam que, apesar da queda do preço da cocaína e da heroína entre 1981 e 2007, não se estudou em detalhe a relação entre isso e a diminuição dos crimes violentos e contra a propriedade que se observou no mesmo período.
Utilizando análises etnográficas e econômicas, consideram que sua hipótese é possível e que poderia ter efeitos sobre as políticas antidrogas. Segundo eles, apesar de o aumento das prisões e do número de policiais ser normalmente associado à redução da delinquência, também existem análises que mostram que essas políticas podem produzir efeitos contrários.
Na opinião dos pesquisadores, ao provocar uma queda na oferta e o consequente incremento nos preços dos entorpecentes, o combate às drogas poderia ser contraproducente porque voltaria a fazer crescer o número de crimes. Estudos posteriores para confirmar essa hipótese poderiam ajudar a elaborar políticas mais apropriadas para reduzir a criminalidade.
Reportagem de Daniel Mediavilla
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/08/ciencia/1494197203_773776.html
foto:http://www.isfep.com/article.html

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