31/01/2017

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De crime a arte: a história do grafite nas ruas de São Paulo

Grafite de Kobra em São Paulo
No início da década de 1980, desenhos enormes de frangos assados, telefones e botas de salto fino começaram a aparecer em muros de São Paulo.
Eram alguns dos primeiros grafites em espaço público da capital paulista, feitos pelo artista etíope radicado no Brasil Alex Vallauri.
Naquela época, com a liberdade de expressão caçada pela ditadura militar, o grafite era considerado crime pela legislação brasileira. "A própria ocupação da rua já era vista como um ato político", diz o sociólogo e curador de arte urbana Sérgio Miguel Franco.
E nas obras de Alex Vallauri era possível entender o lado político do grafite paulistano: um dos seus primeiros desenhos foi o "Boca com Alfinete" (1973), uma referência à censura.
Nos anos seguintes, ele encheu os muros da capital de araras e frangos que pediam Diretas Já, o slogan do movimento por eleições diretas no final da ditadura.
Vallauri influenciou outros artistas a ocuparem as ruas da capital paulista e a data de sua morte - 27 de março de 1987 - é lembrada como o Dia do Grafite no Brasil.
O aniversário de 30 anos da data, em 2017, criou nos artistas a expectativa de que este seria um ano de valorização do trabalho que fazem na cidade.
No entanto, em 14 de janeiro, o novo prefeito da capital paulista, João Doria Jr. (PSDB), anunciou que seria apagados os painéis da avenida 23 de Maio, como parte do programa "São Paulo Cidade Linda".
A decisão provocou críticas dos artistas e dividiu opiniões entre especialistas em arte urbana.

Grafitódromo

Com a polêmica gerada após a ação, a Secretaria da Cultura de São Paulo afirmou que pretende cria uma área para grafiteiros e muralistas no bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo, chamada de grafitódromo. Segundo Doria, assim como a arte fica nos museus, o grafite também deve ficar em "lugares adequados".
A ideia é inspirada em Wynwood, um bairro de Miami que abriga painéis e murais de arte urbana, assim como a venda de produtos licenciados para viabilizar o negócio.
"Doria não precisa olhar para Miami para intervir nas artes de rua. O mundo é que olha para nós. São Paulo sempre foi a capital do grafite mundial", afirma Rui Amaral, autor do primeiro grafite pintado à mão em São Paulo, em 1982.
Para o artista plástico Jaime Prades, que também fez parte da primeira geração de grafiteiros, o grafitódromo representa um limite para liberdade de expressão. "É uma visão paternalista que quer impor o que considera 'certo'. Logo, o grafite é algo errado, que tem que ser contido e controlado", diz.
"Mas nesse caso, não seria mais grafite, já que a alma do grafite é interagir com a cidade livremente."
A prefeitura também informou que criará um programa de grafite, que terá início com a criação, na rua Augusta, do Museu de Arte de Rua (MAR), no qual 150 artistas terão seus painéis expostos por até três meses.
"Criar um distrito para o grafite pode ser interessante, pois daria total liberdade para aqueles artistas exercitarem sua arte. Seria necessário verificar quais seriam estes critérios para estabelecer o local certo. Eles teriam que ser ouvidos e a população também", defende o arquiteto João Graziosi, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie.
Graziosi diz, no entanto, que a criação do grafitódromo não deve excluir outros locais da cidade possíveis para os murais e grafites. "Os painéis da 23 de maio, assim como a parte de baixo de viadutos e uma série de paredes cegas existentes na cidade ficaram bem melhores com a intervenção artística, por exemplo. Acho que deveriam continuar a existir."
Já para a arquiteta e professora Ana Cláudia Scaglione Veiga Castro, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, "a ideia de grafites em 'lugares adequados' pareceria inadequada se não fosse trágica".
"Trata-se de uma espécie de ação de marketing que busca dar visibilidade a essa ideia de prefeito-gestor, aquele que administra a cidade como se esta fosse uma empresa. Nesse caso, o 'gerente' da empresa quer dar um exemplo para seus 'funcionários e clientes' de que não se deve sujar as paredes."

Grafite x pichação

A discussão sobre o grafite como arte ou como vandalismo, segundo Rui Amaral, reflete o modo como cada gestão pública entende essas intervenções urbanas.
A autorização para fazer intervenções na avenida 23 de Maio, por exemplo, era pedida pelos artistas desde a gestão de Jânio Quadros (1986 a 1989), mas foi autorizada somente no fim da gestão de Fernando Haddad (PT), em 2016.
"A avenida 23 de Maio foi o ápice do movimento artístico urbano paulistano", relembra Amaral, que é responsável pelas gravuras do buraco da av. Paulista, desenhados pela primeira vez, de forma ilegal, em 1989 e legalizados em 1991 pela gestão de Luiza Erundina (PT).
Até 2011, o grafite em edifícios públicos era considerado crime ambiental e vandalismo em São Paulo. A partir daquele ano, somente a pichação continuou sendo crime.
De um modo geral, a pichação - que costuma trazer frases de protesto ou insulto, assinaturas pessoais ou de gangues - é considerada uma intervenção agressiva e que degrada a paisagem da cidade. O grafite, por sua vez, é considerado arte urbana.
Para o sociólogo Alexandre Barbosa Pereira, pesquisador de Antropologia Urbana da Unifesp, a dissociação entre grafite e pichação contribuiu para que o grafite começasse a ser aceito, mas apenas como forma de combate ao picho.
O pesquisador lembra que uma das justificativas da gestão Doria para apagar os painéis da 23 de Maio era a presença de pichação sobre eles.
"O grafite, mais associado à arte, é mais facilmente entendido como forma de ação do Estado e mesmo do mercado, já a pichação, execrada pela maioria da população, é uma máquina de guerra, nômade e difícil de ser capturada. Assim, fica mais fácil criminalizar esta e mesmo criar certo pânico moral em torno dela como forma de marketing político e publicidade pessoal."
Outro efeito da decisão de legalizar somente o grafite, segundo Rui Amaral, é a confusão entre os conceitos de grafite, pichação e muralismo.
De acordo com o artista, foi o que aconteceu na decisão do atual prefeito de apagar os painéis da avenida 23 de Maio. "O que havia na 23 de Maio eram murais, e não grafite. Os murais são painéis autorizados e encomendados", afirma.
"(A artista plástica japonesa naturalizada brasileira) Tomie Ohtake também tem painéis em espaços públicos e duvido que a gestão pública mexeria na obra dela sem consultar os responsáveis."
A artista plástica Bárbara Goys, autora de um dos painéis apagados da 23 de Maio, diz que ação contra as obras é "um tiro no pé". "Por trás de um grafite existe uma história que não pode ser ignorada", diz.
"A própria capital criou um guia mapeando os grafites na cidade. Não sei como será agora, talvez tenham que refazer este guia. E, infelizmente, agora a avenida 23 de Maio perde o título de maior mural a céu aberto da América Latina."

Do erudito ao popular

Qual é exatamente a origem do grafite em São Paulo? Para acadêmicos, ele é fruto dos jovens do movimento hip hop que nasceu na periferia da capital. Mas para alguns dos pioneiros da arte de rua na cidade, o grafite paulistano nasceu de movimentos artísticos consagrados, que foram trazidos para um contexto público e urbano.
Segundo o sociólogo Sérgio Miguel Franco, os primeiros desenhos que apareceram na capital eram influenciados pelas culturas negra e latina e traziam consigo um traço marginal. "O grafite foi um espelho próspero para a cultura desenvolvida pelos jovens de origem periférica da cidade."
Para o artista Prades, os 20 anos de censura e isolamento cultural imposto pela ditadura militar fizeram com que os grafiteiros que passaram a ocupar as ruas na década de 1980 se inspirassem na obra dos artistas plásticos da geração dos anos 1960.
"O pensamento que alimentava as ações de arte nas ruas era fruto da nossa tradição modernista, da anarquia antropofágica, da poética neoconcretista, da irreverência inspiradora de Flavio de Carvalho, Waldemar Cordeiro, Lygia Pape, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Artur Barrio, Nelson Leirner, Mira Schendel e muitos outros", conta.
Prades era membro do Tupinãodá, um dos primeiros grupos de artistas grafiteiros do Brasil. O coletivo, responsável pela ocupação do Beco do Batman, na Vila Madalena, escolhia lugares públicos considerando sua relevância para a cidade de São Paulo.
"Evitamos sair por aí pintando nas paredes das casas das pessoas, não fazia sentido. Quando decidíamos pintar, escolhemos espaços públicos de grande impacto urbano", afirma.
"Era uma catarse, um grito de jovens artistas de uma geração esmagada pela brutalidade insana e truculenta da ditadura. Artistas que não trilharam o caminho da formalidade e que, ao perceberem a dificuldade de encaixar-se no sistema da arte, procuraram encontrar o seu próprio espaço."

Reportagem de Lais Modelli
fonte:http://www.bbc.com/portuguese/internacional-38766202#orb-banner
foto:http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/06/150608_blog_para_ingles_ver_grafites_sp_charles_humphreys

Argentina, terra de imigrantes, entra na guerra aos estrangeiros, por medo da insegurança


Argentina nasceu como uma terra aberta aos imigrantes que chegavam de todo o planeta. A Constituição de 1853 deixa isso claro em seu preâmbulo, quando explica seu objetivo principal: “assegurar os benefícios da liberdade, para nós, para nossa posteridade e para todos os homens do mundo que queiram habitar em solo argentino”. “Os escravos que entrarem, qualquer que seja o meio, ficam livres somente pelo fato de pisar o território da República”, acrescentava em seu artigo 15, para o caso de haver dúvidas sobre a intenção de terra de acolhimento. Ainda hoje continua sendo um dos países mais abertos do mundo, e o que tem mais estrangeiros da América do Sul. As leis ajudam: saúde e educação gratuitas para todos, fronteiras abertas. Mas também a Argentina está mudando.
Governo de Mauricio Macri, em um ano eleitoral e com uma sociedade amedrontada pela insegurança, encontrou um culpado: os estrangeiros. O Executivo anunciou um decreto que promete controles mais fortes nas fronteiras e nos aviões, para evitar que entrem pessoas com antecedentes penais, e expulsões mais rápidas dos criminosos. O Executivo insiste em que não pretende estigmatizar os imigrantes nem culpá-los pelos crimes, e lembra que no ano passado, já com Macri, foram naturalizados 215.000 estrangeiros. Além disso, explicam, vão acolher refugiados sírios, quando muitos outros países os rechaçam. “Não somos como Donald Trump. Temos uma ideia oposta. A Argentina é um país aberto”, afirma a vice-presidenta, Grabriela Michetti. Mas diversas organizações e opositores deram o alarme.
A Argentina tem 4,5% de imigrantes e em suas prisões os estrangeiros são 6% do total. Não parece uma cifra alarmante. No entanto, no decreto que muda as normas imigratórias, publicado nesta segunda-feira, o Governo Macri dá outro dado, centrado somente nos presídios federais, para apontar os estrangeiros como responsáveis pelos crimes mais graves, e em especial o narcotráfico: “A população de pessoas de nacionalidade estrangeira sob custódia do Serviço Penitenciário Federal aumentou nos últimos anos até alcançar 21,35% da população carcerária total em 2016. Nos delitos vinculados ao narcotráfico, no total, 33% das pessoas sob custódia do Serviço Penitenciário Federal são estrangeiras”.
A mensagem política é muito clara. “Para cá vêm cidadãos peruanos e paraguaios, e acabam se matando pelo controle da droga. Muitos paraguaios, bolivianos e peruanos se comprometem, seja como donos do capital ou como mulas, como motoristas ou como parte de uma rede, com os assuntos do narcotráfico”, afirmou a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, provocando os protestos de vários desses países. Mas os culpados dos últimos crimes que causaram impacto na sociedade eram todos nascidos na Argentina.
A reação não é nova. Nos últimos anos os governantes argentinos recorrem a este assunto com frequência. Cristina Kirchner, em outubro de 2014, também encontrou nos estrangeiros um inimigo com benefícios eleitorais: “Serão expulsos os estrangeiros que forem surpreendidos cometendo um delito e não poderão voltar a entrar por 15 anos”, anunciou então a ex-presidenta. Algo parecido ao que agora afirma Macri. Deu em nada. As promessas de endurecimento de leis sempre recebem um apoio entusiasmado entre uma população assustada — basta ver as redes sociais argentinas nestes dias —, embora os efeitos reais costumem ser muito limitados. Os especialistas insistem em que a insegurança tem motivos muito mais profundos, relacionados sobretudo com a pobreza e a desigualdade.
Entretanto, a cultura da imigração está incrustada em cada sobrenome, em cada história familiar. “De onde vêm os argentinos? Descendem dos barcos”, se escuta com ironia em Buenos Aires. Até o presidente Macri é filho de um italiano que chegou com 18 anos para fazer a vida em Buenos Aires e construiu um império. Mas a Argentina vive um momento complicado e muitos cidadãos apostam na via fácil de culpar os estrangeiros. A sociedade, especialmente nos arredores das grandes cidades, como Buenos Aires, Rosário e Córdoba, vive em permanente estado de alerta. Cinco canais de televisão 24 horas transmitem durante todo o dia os últimos detalhes dos assassinatos mais escandalosos, quase sempre por roubos. Um adolescente de 14 anos em mãos de outro de 15, uma grávida de 15 anos por dois garotos de sua idade.
Desde a crise de 2001, a Argentina, antes tão diferente do restante do continente, foi se aproximando pouco a pouco de seus vizinhos. Continua muito longe das cifras de um continente onde 135.000 pessoas foram assassinadas em 2015, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Está na parte mais baixa da tabela, com seis homicídios para cada 100.000 habitantes, em comparação com os 84 de Honduras, 53 da Venezuela e 31 da Colômbia. Mas a Argentina se compara consigo mesma de 20 anos atrás, e não com a América Latina, e o terror aumenta. “Há seis anos aqui se podia sair para tomar mate na calçada. Há apenas seis anos. Agora isto é um inferno”, explica Micaela, de 22 anos, em La Tablada, o bairro mais perigoso de Rosário. O que mais assusta é que é um fenômeno relativamente novo.
A classe média alta e os ricos reagem contratando guardas de segurança 24 horas ou se mudando para condomínios fechados, rodeados de cercas eletrificadas e arame farpado, autênticas fortalezas onde cada visitante tem que aceitar que seu carro seja revistado e o bagageiro, aberto, se quiser ir à casa de um amigo. Os empregados têm as bolsas revistadas ao sair, para ver se levam algo. Os pobres, os mais afetados, pois os delitos mais graves ocorrem em seus bairros, reagem com desespero e com uma proliferação de armas inédita em um país historicamente muito tranquilo. E a classe média urbana, o bolsão de eleitores onde Macri construiu sua vitória, exige que alguém faça algo já.
Quando o presidente vai periodicamente a um bairro e começa a bater na porta das casas, o chamado "timbreo" (tocar a campainha das residências), uma invenção de seu guru equatoriano Jaime Durán Barba, os moradores lhe falam quase unicamente da insegurança. Aos dados reais se soma a sensação que transmitem os meios de comunicação que dão prioridade a esse assunto. Cada novo acontecimento multiplica o efeito. Macri, como antes fez o kirchnerismo, distribui cada vez mais policiais. Mas não basta. Luta contra sua corrupção. Mas tampouco é suficiente. Os crimes escandalosos continuam. E o presidente, em ano eleitoral, recorreu ao último cartucho: o inimigo externo. A campanha eleitoral promete ser longa e complicada.
Reportagem de Carlos E. Cué
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/27/internacional/1485544314_535161.html
foto:http://www.taringa.net/posts/info/15432685/Discriminacion-y-Xenofobia-en-Argentina.html

Bater na mulher, desde que não machuque gravemente, deixa de ser crime na Rússia


A Rússia aprovou a descriminalização da violência doméstica. Se o marido bate na mulher (ou vice-versa) ocasionalmente e não provoca nenhuma lesão grave, não comete nenhum crime, apenas uma ofensa administrativa. O mesmo vale para os pais que batem nos filhos. É o que diz lei aprovada pelo Parlamento russo na última sexta-feira (27/1).
Segundo a agência de notícias russa Tass, o agressor só vai ser processado criminalmente se a agressão colocar em risco a saúde da vítima. Quando as agressões forem leves, mas repetidas, o agressor pode ter de pagar uma multa de até 40 mil rublos (cerca de R$ 2 mil), ser obrigado a prestar serviço comunitário ou ainda condenado a uma pena de até três meses de prisão.

fonte:http://www.conjur.com.br/2017-jan-30/bater-mulher-filhos-deixa-crime-russia
foto:http://internationalviolencetowomen.weebly.com/

Pais que dependem financeiramente de filho têm direito à pensão por morte


Se forem dependentes financeiramente, os pais têm direito à pensão caso o filho morra. Com esse entendimento, o desembargador Gilberto Jordan, da 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, concedeu tutela para que o INSS pague o benefício à mãe de um homem de 38 anos, solteiro e sem filhos que morreu em um acidente de carro.
Em sua decisão, o relator afirmou que os pais do morto estavam arrolados como beneficiários de pensão por morte e que a mãe do segurado, que é viúva, recebeu indenização do seguro obrigatório DPVAT. Apesar da citação, o julgador destacou a necessidade de comprovar a dependência da mulher, o que ocorreu por testemunhos.
As testemunhas do processo afirmaram que a mãe do morto não trabalha e morava com o filho em uma casa no interior de São Paulo. O desembargador citou ainda a Súmula 229 do Tribunal Federal de Recursos (extinto), que tem a seguinte redação: "A mãe do segurado tem direito à pensão previdenciária, em caso de morte do filho, se provada a dependência econômica, mesmo não exclusiva".
"Alie-se como robusto elemento de convicção que o fato de os filhos residirem com os pais em famílias não abastadas representa indicativo da colaboração espontânea para a divisão das despesas da casa, naquilo que aproveita a toda família [...] Em face de todo o explanado, a autora faz jus ao benefício pleiteado", concluiu.
Clique aqui para ler a decisão.

fonte:http://www.conjur.com.br/2017-jan-30/pais-dependem-financeiramente-filho-direito-pensao
foto:http://www.outlish.com/returning-the-favour-our-parents-and-old-age/

30/01/2017

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Cármen Lúcia homologa delações da Odebrecht: entenda os próximos passos e implicações

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, homologou hoje as delações de funcionários da Odebrecht, mantendo o sigilo sobre seu conteúdo. A decisão torna oficiais os depoimentos de 77 executivos e ex-executivos da empreiteira.
Agora, as centenas de páginas de depoimentos produzidos pela operação Lava Jato serão analisados pela Procuradoria Geral da República (PGR). A partir disso, os procuradores decidirão contra quem serão apresentadas denúncias à Justiça.
Segundo a assessoria de imprensa da PGR, cabe ao Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, analisar essas delações, mas não há um prazo para que isso seja feito.
"O que pode acontecer agora é a abertura de novos inquéritos, a distribuição das informações recebidas em inquéritos já abertos ou, ainda, o encaminhamento a outras instâncias do Ministério Público Federal. No entanto, só teremos esta informação após a análise", informou a PGR por meio de nota à BBC Brasil.
Uma vez feitas as denúncias, caberá ao relator do processo no STF decidir se elas devem ser aceitas ou não. A função cabia ao ministro Teori Zavascki, que morreu em uma queda de avião em 19 de janeiro em Paraty, no Estado do Rio.
Pelo regimento interno do STF, no artigo 38, "em caso de aposentadoria, renúncia ou morte", o relator é substituído pelo ministro que será nomeado pelo presidente da República para sua vaga. Mas, em casos urgentes, a presidente do STF poderia passar a relatoria para outro membro da corte, segundo as regras da Casa.
O novo relator terá de submeter sua decisão à apreciação dos integrantes da turma da Corte da qual participa. O ministro Zavascki era membro da segunda turma, junto com os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
Mas, com sua morte e a indefinição de quem o substituirá no cargo e na relatoria da Lava Jato, não é possível saber no momento a qual turma caberá a apreciação das denúncias que vierem a ser feitas pela PGR.

Expectativa

Há uma grande expectativa em torno das delações feitas por executivos da Odebrecht. Seu ex-presidente, Marcelo Odebrecht, foi condenado em março do ano passado a 19 anos e 4 meses de prisão pelo juiz Sérgio Moro pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Para o magistrado, as investigações comprovaram que Odebrecht pagou mais de R$ 113 milhões em propinas para que sua empresa conquistasse contratos com a Petrobras.
Em nota na época, sua defesa afirmou que recorreria da decisão "injusta e equivocada, além de lastreada em provas obtidas ilegalmente".
Ele e outros executivos da empreiteira aceitaram colaborar com a Justiça nas investigações em troca de terem suas punições atenuadas.
Já se sabe que ao menos uma das delações, feita por Claudio Melo Filho, cita mais de 50 políticos, entre eles o presidente Michel Temer e outros integrantes do primeiro escalão do governo federal.

'Propinas'

Em sua delação, o ex-executivo da Odebrecht disse que a relação da empreiteira com políticos envolvia repasses de propinas e de doações legais de campanha.
O objetivo, afirmou, era "manter uma relação frequente de concessões financeiras e pedidos de apoio, em típica situação de privatização indevida de agentes políticos em favor de interesses empresariais nem sempre republicanos".
O teor do documento foi vazado e publicado pelo site Buzzfeed e pela revista Veja em dezembro passado. Nele, Temer é mencionado 43 vezes.
Melo Filho disse que mantinha "relação próxima" com o núcleo político do presidente, mas que tratou "poucas vezes diretamente" com Temer sobre repasses de recursos.
Uma dessas ocasiões, teria ocorrido em maio de 2014, em um jantar no Palácio do Jaburu (residência oficial do vice-presidente), quando Temer teria pedido a Marcelo Odebrecht uma contribuição para as campanhas eleitorais do PMDB, e o presidente da empreiteira teria concordado em repassar R$ 10 milhões ao partido.
Em agosto passado, o presidente confirmou ter jantado com Odebrecht, mas ressaltou ter havido um pedido legal de "auxílio financeiro da Odebrecht a campanhas eleitorais do PMDB, em absoluto acordo com a legislação eleitoral em vigor".
Em nota, o presidente "repudiou com veemência as falsas acusações" e disse que as doações da Odebrecht ao PMDB foram "todas por transferência bancária e declaradas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral)".

Ministros citados

Identificado como "Primo" em documentos internos da Odebrecht, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (PSDB), aparece 45 vezes na delação de Melo Filho.
Segundo o ex-executivo, Padilha atua como "verdadeiro preposto de Michel Temer e deixa claro que muitas vezes fala em seu nome". Em nota, Padilha negou ter recebido propina da empreiteira.
Também foi citado por Melo Filho o ex-assessor especial do gabinete da Presidência, o advogado José Yunes, que pediu demissão do cargo após vir à público que seu nome estava na delação.
Os nomes do secretário-executivo de Parcerias de Investimentos, Moreira Franco (PMDB), do ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, e do ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB), aparecem nesta e em outras delações.
Os três negam terem cometido irregularidades, assim como o ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), que é apontado por funcionários da Odebrecht como destinatário de R$ 23 milhões repassados via caixa 2 para sua campanha presidencial de 2010.
Os ministros Mendonça Filho (Educação, DEM), Raul Jungmann (Defesa, PPS) e Ricardo Barros (Saúde, PP) também aparecem em documentos da Odebrecht apreendidos em fevereiro de 2016.
Eles estariam entre os mais de 200 políticos de mais de 20 partidos que receberam recursos da empreiteira.

fonte:http://www.bbc.com/portuguese/brasil-38798315#orb-banner
foto:http://www.jornalnh.com.br/_conteudo/2016/11/noticias/regiao/2027610-eua-e-delacao-da-odebrecht-nas-charges-dos-jornais-desta-segunda.html

Como o desemprego está criando 'funcionários-polvo' e aumentando pressão sobre quem trabalha

Em uma grande agência de emprego no centro de São Paulo, uma cena se repete: dezenas de pessoas formam fila para falar com a recepcionista. "Você se cadastrou no nosso site?", ela pergunta. A frustração dos candidatos é visível, assim com o cansaço da mulher que, do outro lado do balcão, atende centenas deles em uma manhã.
O drama das 12 milhões de pessoas que hoje estão sem trabalho no Brasil é bem conhecido. Mas pouco se fala dos efeitos do desemprego para quem fica nas empresas. Com tantos demitidos, quem continua contratado pode virar um "funcionário-polvo", acumulando funções de ex-colegas, além de precisar lidar com o medo do desemprego.
Apesar de não ser medido em números, esse fenômeno é velho conhecido dos especialistas em mercado de trabalho. Segundo os professores entrevistados pela BBC Brasil, o aumento de pressão sobre os empregados é uma tendência natural em momentos de crise.
"Toda vez que uma empresa entra em dificuldade, ela precisa fazer o melhor possível com o pessoal que permanece. Fazer muito com pouco torna-se a chave do sucesso", explica o professor da FEA-USP José Pastore, que também é consultor em relações do trabalho.
Para manter o ritmo, diz Pastore, empresários ficam com os subordinados considerados mais versáteis, que podem aprender novas tarefas rapidamente. São os mais propícios a tornarem-se "funcionários-polvo".

Muitos em um

Relatos de acúmulos de tarefas se espalham por indústria, comércio e serviços.
Vendedor em uma loja de roupas na região metropolitana de Porto Alegre (RS), Jorge* virou caixa, estoquista e responsável pelo crediário depois que outra funcionária foi demitida.
Hoje exerce dez funções em um expediente que ficou mais longo.
"Quando minha colega saiu, tudo o que ela fazia foi para mim", diz.
O advogado Leonardo* também está trabalhando mais. Além das petições, ficou encarregado de tarefas que caberiam a um estagiário, como tirar cópias e cuidar da correspondência. Para fazer tudo, diminuiu o almoço.
"Antes comia em uma hora, e agora almoço em trinta minutos. Uso o resto para agilizar."
Aparentemente, Jorge e Leonardo tornaram-se mais produtivos: eles executam mais tarefas quase no mesmo tempo de antes. A ligação entre produtividade e recessão foi discutida em estudos americanos feitos após a crise de 2008. A BBC Brasil não encontrou uma pesquisa semelhante por aqui.
Segundo o trabalho de economistas da Universidade de Stanford e da Universidade de Utah, do último trimestre de 2007, quando a recessão dos EUA começou, até o terceiro trimestre de 2009, quando ela terminou, a produtividade no país cresceu 3,16% em setores não-agrícolas. A marca atingida em 2009 (3,2%) foi a maior desde 2003.
Para os pesquisadores, dois motivos justificaram esse crescimento: a demissão dos trabalhadores menos produtivos e, principalmente, o esforço dos que ficaram para manter suas vagas.
Mas mesmo que os brasileiros se tornem mais produtivos na crise, isso não deve durar muito, diz a professora Regina Madalozzo, coordenadora do Mestrado Profissional em Economia do Insper.
A razão é simples: as pessoas se cansam.
"Estudos mostram que você pode até aumentar a produtividade no curto prazo, mas isso não é sustentável. As pessoas não conseguem dar 100% o tempo inteiro, elas não são máquinas."
Segundo a professora, aprender novas atividades têm um lado positivo, que é tornar o trabalhador mais completo. No entanto, se isso significa ultrapassar limites físicos, a pressão tem o efeito contrário, prejudicando o serviço.
O vendedor-caixa-estoquista Jorge já percebe que suas vendas pioraram. Enquanto faz o cadastro de um cliente, deixa outros falando sozinhos.
"O patrão não acha certo cair o rendimento, mas não tem como, o atendimento não é mais o mesmo. Me sinto constrangido por não cumprir tudo."

Medo do desemprego

Concentrar tarefas não é a única pressão que os brasileiros sofrem com tantos demitidos no mercado. Com o desemprego acima de 11%, segundo o IBGE, o medo de ser mandado embora é outra preocupação constante.
De acordo com índice da CNI (Confederação Nacional da Indústria), o medo do desemprego ficou em 64,8 pontos em dezembro - o indicador vai de zero a cem pontos e, quanto mais alto, maior é o temor. O resultado do mês passado foi o maior desde 1996.
O receio de ser o próximo demitido nem sempre coincide com o acúmulo de funções. O motivo pode ser justamente o contrário: a demanda cai tanto que o trabalhador fica ocioso.
"Me sinto inútil. Saio de casa, enfrento o transporte, para chegar aqui e não fazer nada", diz Ana sobre a agência de marketing onde trabalha. Antes da crise, ela desenvolvia campanhas publicitárias. Com as demissões, foi remanejada para o treinamento, setor que está parado.
"Você tem que fingir que está trabalhando, porque não quer ser demitido."
Para ela, a relação com os patrões piorou. Ana diz que o discurso "se você não quer, tem quem queira" é comum.
"Ele existe abertamente. Quando a gente questiona os gestores, ele respondem de forma ofensiva."
Trabalhadores de outras áreas relataram a mesma situação à BBC Brasil. De forma mais ou menos exposta, dizem, a carta do desemprego tem sido usada com frequência.
Contratada de uma empresa da indústria alimentícia, Giovana diz que esse "alerta" não vem diretamente da chefia, mas chega de outras formas.
"Recentemente tivemos uma reunião sobre benefícios e o responsável pelo RH disse 'antes de reclamar da alteração no plano de saúde, devíamos olhar as taxas de desemprego'. A ameaça velada ficou evidente."

Relação patrão-empregado

A relação patrão-empregado no Brasil não é só difícil em tempos de recessão, diz a professora Carmen Migueles, que fez doutorado em sociologia das organizações.
Migueles afirma que esse contato é árido por natureza. Segundo ela, os subordinados muitas vezes não percebem que os chefes também estão numa posição difícil. Por outro lado, os empresários não costumam compartilhar o que está acontecendo com seu negócio e subestimam a ajuda que seus empregados podem lhe oferecer.
"O Brasil é um dos países que mais tem uma visão negativa dos pares, do chefe e das instituições."
Sobre as pressões exercidas pelos patrões, a professora diz que perfis autoritários ou paternalistas são muito comuns no país. Há também o que chama de "psicopatas", que se aproveitam da situação para ameaçar e cobrar seus funcionários.
No entanto, para Migueles, os subordinados também têm parcela de culpa num relacionamento tão desgastado. O brasileiro, afirma, possui uma propensão a sentir pena de si mesmo, o que mostraria sua falta de maturidade profissional.
"É muito comum no Brasil o perfil da vítima: ninguém cuida de mim, meu emprego está por um fio. Muitos querem que a empresa trate-os como filhos", diz.
"O brasileiro acho que o empresário é um super-homem: ele deve assumir os riscos, resolver os problemas e motivar as pessoas."
A falta de maturidade, dizem os entrevistados, já teria se mostrado nos anos de prosperidade econômica, quando as vagas eram abundantes - naquele momento os trabalhadores faziam o jogo hoje dominado pelos patrões.
"Em 2014, você conversava com um empresário e ele não conseguia segurar ninguém, as pessoas pulavam de lugar para outro. Agora a mesa virou", diz a professora de Administração da FGV-SP Beatriz Lacombe.
Empresários de várias áreas consultados pela BBC Brasil afirmaram que os cortes foram necessários para a sobrevivência de seus negócios e que também estão sendo afetados pessoalmente pelas incertezas da economia. Alguns disseram que redistribuíram tarefas para não prejudicar suas equipes.
De acordo com os especialistas, o ideal seria que patrões e empregados formassem uma "coalizão" para que, com sacrifícios mútuos, pudessem passar juntos pela recessão.

Enxaqueca e tendinite

Enquanto essas relações não mudam, a pressão dentro dos escritórios começa a afetar a saúde dos trabalhadores.
A Associação Nacional dos Médicos Peritos estima que o número de pedidos de auxílio-doença subiu até 30% no último ano. Os dados de 2016 ainda não foram divulgados pela Previdência Social.
O presidente da entidade, Francisco Cardoso, cita o caso de um homem que sofreu um burnout, problema conhecido como doença do esgotamento profissional, depois que todas as 40 pessoas do seu setor foram demitidas. Só ele ficou.
A síndrome de Burnout inclui sintomas como agressividade e falhas de memória.
"É um caso isolado, mas tipifica aqueles que, pelo acúmulo de funções ou pela necessidade de afastar o desemprego, acabam trabalhando além do recomendável. Tem acontecido muito."
Giovana*, que gerencia a área de segurança de produto de uma indústria, diz que o excesso de trabalho trouxe de volta sua enxaqueca. Ela também foi parar no hospital por problemas nas costas e tendinite.
Segundo Giovana, na filial brasileira da empresa, apenas duas pessoas atendem as demandas que, na matriz, são realizadas por 30. O quadro de pessoal no Brasil foi cortado em 30% nos últimos anos.
"Me pressiono cada dia mais, trabalhando além do expediente para manter tudo funcionando normalmente, mas a sensação de ser o 'gargalo' de um processo do qual não tenho controle chega a ser desesperadora."
O cansaço dos trabalhadores não é algo que se resolverá imediatamente com a recuperação econômica, alerta a professora Regina Madalozzo, do Insper. O esgotamento dos brasileiros trará consequências a longo prazo, sobretudo para as empresas que continuarem pressionando seus funcionários acima de seus limites.
"Quando sair da crise, será aquilo que vemos nos filmes: todo mundo doente, se demitindo ao mesmo tempo. Você tem que ter um mínimo de incentivo para ir ao trabalho todos os dias."
Esta reportagem terminaria aqui. Mas Iasmin*, uma editora de livros didáticos, queria incluir sua história: "é bom poder falar".
Ela descreveu crises de dor de cabeça que duram uma semana, além de confusão mental e perda da visão periférica. Em semanas tranquilas, costuma acumular dez horas extras.
Suas respostas demoraram a chegar e, por pouco, não ficaram de fora. A justificativa, no entanto, não poderia ser um final mais propício: "o trabalho come até o tempo que a gente deveria usar para denunciar quanto tempo o trabalho come".
*Todos os trabalhadores entrevistados tiveram os nomes alterados para preservar suas identidades.

Reportagem de Ingrid Fagundez
fonte:http://www.bbc.com/portuguese/brasil-38791173#orb-banner
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Donald Trump sacode os Estados Unidos com 15 decretos em uma semana


Os Estados Unidos, um país que em sua história oscilou entre momentos de abertura ao mundo e outros de reclusão, entrou em uma fase de recuo que sacode alguns dos pilares que sustentaram sua hegemonia. Em sua primeira semana na Casa Branca, Donald Trump decretou o fechamento das fronteiras a pessoas que estão fugindo da miséria econômica, da perseguição política ou das guerras civis, e abriu uma crise diplomática com o vizinho do sul, o México. Tudo isso em meio a uma atividade frenética, enquanto rompe normas e paradigmas próprios da maioria das democracias modernas.
Trump não engana. Nem seus eleitores, nem quem temia que levasse sua pior versão à Casa Branca, a do tribuno populista e nacionalista que durante a campanha cruzou limites e rompeu tabus que muitos poucos candidatos haviam cruzado.

Prometeu construir um muro na fronteira com o México - fronteira que, desde os anos noventa, já está amplamente protegida por cercas e outros obstáculos - e uma de suas primeiras decisões foi assinar um decreto que ordena o começo da construção. Prometeu mão dura com os imigrantes e deu poderes às forças da ordem para detê-los sem documentos e lançar uma batalha política e judicial contra as grandes cidades que os acolhem. Prometeu vetar a entrada de muçulmanos e, embora o decreto assinado na sexta-feira reduza o alcance do veto a sete países, ele não apenas discrimina uma religião, mas também castiga os sírios vítimas das matanças em seu país fechando a porta dos Estados Unidos para eles. Prometeu outro muro simbólico à globalização, e uma de suas primeiras decisões foi retirar seu país do Tratado Transpacífico, um tratado de livre comércio com países da bacia do Pacífico, que representa 40% da economia mundial. O TTP excluía a China, e a saída dos EUA, como outros gestos de recuo internacional, pode deixar o caminho livre para uma China em ascensão.
Prometeu revolucionar a maneira de governar em Washington e, pelo ritmo das decisões nestes nove primeiros dias, a simultaneidade das mensagens e as frentes abertas, e a vontade de continuar ofendendo os adversários e manipulando a verdade, demonstrou que Washington não o mudará, mas ele mudará Washington.
Trump, como escreveu o The New York Times no sábado, não parece querer se submeter ao julgamento tradicional dos cem primeiros dias, mas das cem primeiras horas. "Nenhum presidente, nos tempos modernos, talvez nunca, começou seu mandato com uma explosão de iniciativas em tantas frentes e em tão pouco tempo", dizia o jornal.
Em sua primeira semana, assinou 15 ordens executivas e memorandos presidenciais, documentos legais comparáveis aos decretos. Alguns são mais simbólicos que imediatamente efetivos: ainda não se sabe, por exemplo, quando começará a construção do muro. Mas quase todos estão desenhados para desmontar o legado de seu antecessor, o democrata Barack Obama, e dinamitar consensos - sobre a boa vizinhança com o México, ou o cuidado na hora de discriminar religiões ou hostilizar minorias - até agora dominantes em Washington.
A primeira semana de Trump foi um shock and awe ("choque e pavor"), o equivalente político da doutrina militar do impacto e da intimidação que os EUA aplicou quando invadiu o Iraque, em 2003. Desde de 20 de janeiro, no seu discurso de posse, quando Trump proclamou que, naquele dia, terminava a "carnificina americana", ficou claro que a retórica apocalíptica da campanha definiria sua ação política. O fechamento temporário da fronteira a refugiados e imigrantes de vários países de maioria muçulmano, ou a perseguição a imigrantes sem documentos, não respondem, ao contrário do que afirma o presidente, a uma crise iminente de imigração ou de refugiados, nem a um ambiente de insegurança geral causado por essas pessoas.

Fatos alternativos

Ao contrário do que afirma o presidente - e é provável que rapidamente ele descubra isso e se atribua os méritos -, os EUA são, hoje, com todos seus problemas de desigualdade, pobreza e violência, um país com economia em marcha, com níveis próximos ao pleno emprego, e uma maior estabilidade geopolítica do que dez anos atrás.
A tendência a tergiversar definiu os primeiros dias da administração de Trump. Inaugurou-se a era dos "fatos alternativos", conceito cunhado pela assessora Kellyanne Conway. Ou, diretamente, da mentira, chave na ascensão de Trump, que deu seus primeiros passos à Casa Branca em 2011, ao se estabelecer como porta-voz da teoria racista e falsa, pela qual Obama, primeiro presidente afro-americano, não havia nascido no país. Esta semana, o presidente recuperou outra teoria descabida: a de uma fraude maciça que deu a vitória, em novembro, a sua rival democrata Hillary Clinton, no voto popular.
Trump já não é um candidato heterodoxo, nem um showman de reality shows, uma piada para os programas de entretenimento. É o presidente dos Estados Unidos, um país que, desde sua fundação, apresentou-se como uma nação diferente, um modelo para a humanidade. Com suas decisões, ao marcar mexicanos e muçulmanos, ao colocar os "fatos alternativos" no núcleo das decisões da Casa Branca, ao retomar teorias conspiratórias que desacreditam o sistema democrático americano, pode tornar aceitáveis comportamentos e ideologias que, até pouco tempo, situavam-se à margem desta sociedade. Ele as homologa. O mundo - os líderes autoritários e os aspirantes a sê-los, e os aliados democráticos - prestam atenção.
Reportagem de Marc Bassets
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/28/internacional/1485642013_978610.html
foto:http://baixomanhattan.blogfolha.uol.com.br/2016/07/04/donald-trump-e-hillary-clinton-nas-melhores-ilustracoes-da-semana/