Parece que não se passa um dia de 2016 sem que fiquemos sabendo da morte de alguma grande personalidade, de uma nova convulsão política ou de mais um ataque a bomba ou a tiros (ou de qualquer outra forma) em algum lugar do mundo.
Mas manchetes que aparentam ser sequências de desastres na realidade têm mais a ver com a maneira como consumimos notícias e guardamos lembranças do que com meras coincidências.
"A resposta de um cético é de que uma coincidência tem grandes chances de acontecer se houver uma amostragem suficientemente grande", diz o psiquiatra Bernard Beitman, professor da Universidade da Virgínia (EUA) e autor do livroConnecting with Coincidence ("Conectando-se com as coincidências", em tradução literal).
"Se você jogar cara-ou-coroa mil vezes, há chances de você conseguir uma sequência de sete ou oito caras consecutivas. Mas se tentar tirar uma sequência de oito caras consecutivas, vai perceber que isso é incrivelmente difícil. No primeiro exemplo, você está lidando com uma amostragem ampla, então não surpreende que algo aparentemente impossível aconteça", explica ele.
Acumulação aleatória
Segundo Beitman, existe um efeito aglutinador aleatório nos eventos.
"Em um só ano podem ocorrer dezenas de acidentes aéreos, mas pode ser que quatro ou cinco deles aconteçam na mesma semana simplesmente por uma acumulação aleatória. Isso não quer dizer que aquela semana em particular foi muito mais perigosa para as viagens aéreas do que as demais", afirma.
No entanto, há um problema quando se usa a palavra "aleatório".
"A definição estatística é a de que se trata de dois eventos completamente desconectados", explica o psiquiatra. "Mas na realidade é praticamente impossível provar que dois eventos não estejam ligados um ao outro, particularmente quando estamos cientes de boa parte do que está sendo abordado nos meios de comunicação. É difícil provar que existe um universo aleatório."
Tomemos como exemplo duas descobertas aparentemente simultâneas: Alexander Bell e Elisha Gray registraram suas patentes para a invenção do telefone no mesmo dia, 14 de fevereiro de 1876, a partir de diferentes localidades. Ambos os esboços e protótipos testados continham semelhanças, mas também diferenças fundamentais.
Isso, no entanto, não se trata de uma enorme coincidência. A obra dos dois cientistas se baseou em pesquisas que eles e muitos outros estavam fazendo na época com o que era um campo novo e promissor, a telefonografia.
As invenções não surgiram do nada no mesmo dia - elas eram o objetivo para o qual essas pessoas estavam trabalhando. No fim, foi basicamente uma corrida entre esses cientistas para entregar um projeto antes dos demais.
Imaginário coletivo
Até mesmo o aparente aumento no número de mortes de celebridades anunciadas neste ano pode ser explicado da mesma maneira.
Segundo o editor de obituários da BBC, Nick Serpell, nos primeiros três meses de 2016 houve um número "fenomenal" de famosos mortos em comparação com os anos anteriores: os cantores David Bowie e Prince, as figuras da política internacional Nancy Reagan e Boutros Boutros-Ghali, o ator Alan Rickman, os escritores Harper Lee e Umberto Eco, e a arquiteta Zaha Hadid, entre outros.
Entre 1º de janeiro e 31 de março deste ano, o site da BBC em inglês publicou 24 obituários, em comparação com apenas cinco em 2012.
Serpell acredita que haja algumas razões para isso: primeiramente, um aumento populacional há 50 anos significa que hoje há mais pessoas morrendo. "As pessoas que começaram a ficar famosas nos anos 60 estão agora chegando aos seus 70 anos de idade", explica.
"Também temos mais pessoas famosas do que antigamente", diz ele, lembrando que a tecnologia trouxe mais figuras públicas para nossas telas.
O mesmo raciocínio pode explicar a mais estranha coincidência do mundo dos quadrinhos.
Em 1951, surgiram duas novas tirinhas - uma britânica, outra americana. As duas exibiam um menino com seu cão e as confusões em que os dois se metiam. E ambas se chamavam Dennis the Menace ("Dennis, o Pimentinha" no Brasil).
As chances de dois personagens com o mesmo nome e com as mesmas características serem publicadas com uma diferença de apenas cinco dias nos dois lados do Atlântico parecem altamente improváveis.
Mas, como explica Beitman, essa coincidência revela muito sobre o espírito da época.
"As ideias estavam no ar. Os dois criadores provavelmente se inspiraram no que circulava no imaginário coletivo naquele momento", explica.
"O mesmo acontece com as notícias: semelhanças entre eventos aparentemente desconectados saltam aos olhos porque estamos atentos para os assuntos do dia."
Isso é reforçado por editores que percebem uma demanda do público por um certo tipo de reportagem, seja sobre mortes de celebridades ou sobre pessoas atacadas por animais. Portanto, há mais chances de que eles decidam cobrir certos acontecimentos para manter o interesse em alta.
Armazenamento da memória
Beitman aponta que outro fator importante para aparentes coincidências é nossa tendência de lembrarmos mais de casualidades impressionantes.
É muito comum que más notícias ocorram aos pares. Mas quando três más notícias surgem ao mesmo tempo - algo raro - ficamos mais marcados.
Isso reflete uma tendência na maneira como armazenamos recordações: acontecimentos fora do comum têm muito mais apelo.
Por isso, se você tem a impressão de que não param de surgir más notícias e que 2016 tem sido um ano difícil de digerir, é possível que isso tenha mais a ver com o seu próprio temperamento do que com o estado atual do planeta.
Reportagem de William Park
fonte:http://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-36845607#orb-banner
foto:http://www.ereleases.com/prfuel/how-to-be-good-at-breaking-bad-news/
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