Artigo de José Renato Nalini, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, doutor em Direito pela USP e professor do mestrado em Direito da Uninove e Wilson Levy, doutorando em Direito Urbanístico pela PUC-SP e professor do mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Uninove.
De acordo com dados de 2008 do IBGE, cerca de 86% dos brasileiros
moram nas cidades. A taxa coloca o Brasil na 24ª posição entre as nações
do mundo, à frente de potências industriais como os Estados Unidos, a
Alemanha e o Japão.
Isso significa que a maioria dos cidadãos
do país terá todo um ciclo existencial associado à cidade. Nasceram na
cidade, vivem na cidade e morrerão –o mais democrático dos
acontecimentos humanos– na cidade. Então, que tal começarmos a olhar
para o espaço urbano com mais cuidado?
Estudos de 2011 do
Instituto Central de Saúde Mental de Manheim, na Alemanha, indicam que o
estresse social típico das grandes cidades é responsável por elevar
o desenvolvimento de quadros de ansiedade, depressão e esquizofrenia. Em
metrópoles insensatas e apressadas como São Paulo, sentimentos de
solidão, síndrome do pânico e fobias são frequentes. Tudo guarda uma
relação estreita com o território urbanizado: a depender do seu desenho e
constituição, ele pode oprimir, maltratar e agredir.
Se a
influência da cidade é percebida pelos seus efeitos negativos, nada
impede que o processo seja invertido: de cidade deformadora para cidade
formadora, de cidade opressora para cidade educadora.
O 1º
Congresso Internacional das Cidades Educadoras foi realizado em 1990 em
Barcelona, na Espanha. O encontro gerou a Carta das Cidades Educadoras,
revista em 1994 no Congresso de Bolonha e, em 2004, em Gênova.
A
carta ensina que a cidade deve ser pensada para além das funções
clássicas –habitar, circular e trabalhar. Nesse sentido, a cidade deve
ser um espaço formador de individualidades baseadas na cidadania e de
sociabilidades fundadas na diversidade, na tolerância e no convívio
construtivo e, também, um espaço preocupado com a memória, a cultura
democrática e a solidariedade.
No Brasil, a despreocupação com
essa temática é geral. O exemplo clássico é o do nome das ruas. Quem
realmente sabe os dados biográficos das dezenas –por vezes centenas– de
personalidades que percorremos todos os dias? São personalidades
que integram a memória de uma cidade, de um estado e de um país, que se
apresentam hoje como ilustres desconhecidos.
O mesmo se passa
com o patrimônio imaterial: os espaços de culto (igrejas, terreiros), as
rodas de samba e os bairros típicos. Passamos por eles sem sermos, no
mais das vezes, afetados.
Por falar em rua, todos sabem que ela é
o lugar da democracia. É nos espaços públicos das cidades que as
pessoas se encontram para dialogar e reivindicar demandas dos mais
variados coloridos e, principalmente, para serem escutadas pelo Estado
–que a todos deve convidar para discutir e mostrar que em matéria de
política pública não há refeição gratuita e que prioridades devem ser
objeto de reflexão e escolha.
Mas uma cidade que cultive
um espaço público amigável não é só uma cidade que ensina às pessoas o
espírito da democracia. É também uma cidade que ensina a diversidade,
porque só a experiência de estar na rua sem impedimentos e barreiras é
capaz de provocar a interação com o diferente, criando um sentido de
alteridade, de preocupação com o outro. Sentidos bem mais ricos do que a
sociabilidade criada em shopping centers –"espaço público" anômalo,
porque é todo voltado para estimular o consumo.
Pensar em
cidades educadoras envolve ainda rever o lugar da escola. Por que não
orientá-la para a vida coletiva na cidade? Por que não integrá-la à
comunidade, derrubando muros, barreiras e grades que, por vezes, fazem a
arquitetura de um colégio lembrar a de um estabelecimento prisional?
Mais do que um conceito aberto, a ideia das cidades educadoras impõe um
desafio ao planejamento das políticas públicas, baseadas na sua grande
vocação: o potencial de articulação de iniciativas setoriais.
Ministérios e secretarias estaduais e municipais da cultura, do meio
ambiente, da educação, dos transportes e da justiça/segurança
pública devem empenhar quadros e recursos para produzir sinergias
e ideias criativas.
Se falamos em educação, temos que pensar,
por fim, nas crianças. As destinatárias de uma cidade mais acolhedora e
preocupada com a dimensão formadora são elas. Tenhamos a ousadia de
cuidar do espaço urbano para que isso nos permita sonhar não só com
cidades melhores, mas com cidadãos e cidadãs capazes de edificar o país
do amanhã.
fonte:http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2016/01/21/pais-ainda-desconhece-conceito-de-cidades-educadoras.htm#comentarios
foto:http://educacaointegral.org.br/agenda/congresso-internacional-de-cidades-educadoras-recebe-experiencias/
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita e pelo comentário!