A Tailândia controla pelo menos 30% da produção mundial dos dispositivos de armazenamento externo; empresas de tecnologia são as que mais contabilizam exploração no trabalho, inclusive na frente do setor têxtil.
Durante anos, Lek teve problemas respiratórios. Os produtos químicos que usava para limpar as pequenas peças que em seguida formariam um dos milhões de discos rígidos que são fabricados anualmente na Tailândia queimavam seus pulmões e seu esôfago. A máscara branca que a fábrica lhe oferecia não era suficiente para neutralizar os vapores tóxicos emitidos pelos produtos de limpeza, e sua garganta ardia.
Há sete anos, ela foi transferida para a seção de embalagens e agora apenas tem uma dor crônica nas costas pelas 12 horas que passa diariamente fechando e carregando pacotes. “Agora é um pouco melhor, porém, pela troca, aumentaram as horas de trabalho e tenho de trabalhar pesado”, assegura Lek.
Cerca de 500 mil pessoas trabalham como Lek no setor de eletrônica na Tailândia, grande parte delas fabricando peças para discos rígidos, em um país que controla, pelo menos 30% do mercado mundial desses dispositivos – embora outros dados elevem essa cifra para 45% – segundo o escritório de estudos do banco tailandês Kasikorn.
Os discos rígidos representam além disso 63% do total das exportações do setor de eletrônica do país, com mais de 180 milhões de dispositivos vendidos para o exterior em 2014. A maioria acaba nos países vizinhos do Sudeste Asiático (17%), porém também na Europa (14%), China (14%) e Estados Unidos (13%). O setor mundial é dominado por três empresas: a Western Digital e a Seagate, que controlam cada uma aproximadamente 40%, e bem lá atrás, a Toshiba, com uma participação de 16%.
Lek e suas companheiras de trabalho apenas fabricam alguns dos poucos componentes que farão parte dos complexos dispositivos de armazenamento de dados. Os demais são produzidos por outras empresas, geralmente situadas na mesma região norte de Bancoc, a capital do país, e são finalmente montadas em uma terceira fábrica especializada em juntar todas as peças e embalá-las para enviá-las diretamente para as lojas de meio mundo. Nessa complexa cadeia, na qual é difícil traçar de onde procede cada componente, até 60 fábricas podem participar desse processo.
As duras condições de trabalho nas fábricas de produção e montagem de produtos eletrônicos são há anos o centro das atenções, especialmente a partir de 2010, quando vários trabalhadores da Foxconn, uma empresa terceirizada tailandesa com várias fábricas na China, suicidaram-se em poucos meses. As longas jornadas de trabalho, a constante pressão nas fábricas e a falta de uma remuneração adequada foram identificadas como os principais motivos dos suicídios.
Além disso, muitos trabalhadores desenvolveram doenças decorrentes da exposição a produtos tóxicos. Dessa forma, segundo um relatório da empresa de consultoria Oekom, as empresas de tecnologia são as que mais registram exploração no trabalho, inclusive à frente do setor têxtil, que também coleciona matérias de capa pelas más condições de trabalho. O relatório da Oekom aponta, além disso, os fabricantes de celulares como as empresas menos éticas.
Uma disciplina rígida no trabalho
Os quilos se acumulam há anos nos quadris e pernas de Kwam. As longas horas que passa sem se mexer da cadeia de controle vigiando para que todas as peças estejam em seu respectivo lugar debilitaram seus músculos e enfraqueceram seus movimentos. As olheiras emolduram seus olhos após semanas trocando frequentemente de turno. Algumas vezes durante o dia, outras, durante a noite.
As máquinas nunca param. “Cada vez eles são mais rígidos. Se recebemos algum tipo de aviso, e eles chegam com mais frequência, nossos bônus [salariais] são reduzidos”, explica Kwam, que diz que há cinco anos elas trabalham de pé para serem mais produtivas. Kwam recebe mensalmente aproximadamente 12 mil baths (algo em torno de R$ 1.300 por mês), embora ela receba cerca de R$ 400 sobre o salário mínimo, esse valor é pago exclusivamente na forma de bônus, o que significa que ela pode perdê-lo a qualquer momento. “Não podemos parar e temos muito poucas pausas para ir ao banheiro e comer”, diz Kwam.
Kwam trabalha há mais de 20 anos na mesma fábrica. Diz, no entanto, que as condições de trabalho melhoraram apenas um pouco e que os sindicatos são frequentemente reprimidos. “Somos vistos com maus olhos porque pensam que ocasionamos problemas”, diz também a sindicalista que estuda direito em seus momentos livres para poder defender melhor suas companheiras de trabalho.
“Os trabalhadores tailandeses enfrentam uma infinidade de obstáculos para cobrir seus direitos de associação e de negociação coletiva, entre eles empregadores hostis, proteção legal e frágil, além de funcionários do governo que não cooperam”, assegura a entidade de direitos humanos Good Electronics.
Dessa forma, explica a entidade, há uma grande burocracia para estabelecer um sindicato na Tailândia, e a lei de 1975 não protege contra as demissões improcedentes relacionadas com a atividade sindical. Uma das maiores preocupações, no entanto, é o impacto dos produtos químicos na saúde dos trabalhadores. “Temos companheiros que tiveram câncer ou algumas trabalhadoras que perderam seus bebês. Há alguma relação? Não sabemos”, diz Lek.
A indústria de eletrônicos usa mais de 500 substâncias químicas diferentes na sua cadeia de produção, segundo um estudo da OCDE. Alguns dos mais frequentes são a acetona – um dos muitos componentes que irritava a garganta de Lek, assegura – benzeno, etileno, etoxietano ou cloro, quase todos relacionados com graves efeitos na saúde como asfixia, infecções pulmonares, alergias e câncer.
A indústria está se movimentando rapidamente, no entanto, para assegurar uma cadeia de produção mais limpa e justa. No ano de 2012 foi lançado o Fairphone, o primeiro dispositivo eletrônico fabricado baseado nos princípios do comércio justo. Muitas empresas começaram a publicar suas listas de fornecedores, e a Apple trabalha agora com a Fair Labour Association para melhorar as condições em suas fábricas. Os avanços se concentram, no entanto, no setor dos telefones celulares e dos computadores. Enquanto isso, Lek e Kwam continuarão com suas dores nas costas e seus músculos debilitados esperando que as melhorias cheguem ao setor dos discos rígidos ou que as fábricas decidam substituí-las por mão de obra mais barata em algum país menos desenvolvido.
* Os nomes das trabalhadoras foram alterados para preservar seu anonimato e evitar represálias dos seus empregadores.Os porta-vozes da fábrica se recusaram a responder às perguntas do eldiario.es.
Reportagem de Laura Villadiego | Bangkok| El Diário
Tradução: Mari-Jô Zilveti
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/41991/doencas+respiratorias+jornadas+exaustivas+exploracao+tailandesas+denunciam+abusos+que+estao+por+tras+do+hd+do+seu+computador.shtml
foto:Wikicommons
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