Assassinatos de candidatos, protestos, ocupações, chamadas ao boicote e ameaça de repressão por parte das autoridades. É neste clima de medo e violência que mais de 83 milhões de mexicanos foram às urnas ontem (07/06) para escolher 500 deputados federais, 600 deputados estaduais em 16 regiões, 9 governadores e 887 prefeitos e chefes de delegação no Distrito Federal.
A lista das vítimas do processo eleitoral não para de crescer, em todas as agremiações políticas. Em março, Aidé Nava, uma pré-candidata do PRD (Partido da Revolução Democrática) à Prefeitura de Ahuacuotzingo, foi decapitada. Ulises Fabian, que concorria à prefeitura de Chilapa pelo PRI foi assassinado em 1º de maio por um grupo armado. Duas semanas depois, foi a vez de Enrique Hernández, candidato a prefeito de Yurécuaro pelo Movimento Regeneração Nacional (Morena).
“Infelizmente, isso sempre acontece às vésperas das eleições no México”, explica Edgardo Buscaglia, pesquisador da Universidade de Columbia, em Nova York, em entrevista concedida por telefone a Opera Mundi. Considerado um dos maiores especialistas em crime organizado na América Latina, o acadêmico mexicano afirma que enquanto o sistema eleitoral não mudar, a violência continuará a se espalhar.
No México, o sistema de votação é baseado em listas fechadas de candidatos, constituídas de maneira “totalmente discricionária” pelas legendas, afirma Buscaglia. Ele explica que "os caciques todo-poderosos" acabam vendendo o direito de figurar numa lista eleitoral para empresas dispostas a pagar ou para organizações criminosas. Deste jeito, as listas ficam cheias de pessoas desconhecidas pela população em geral. “Ontem eram delinquentes. Uma vez candidatos numa lista, podem virar políticos”, acrescenta Buscaglia, lembrando que 90% do financiamento das campanhas eleitorais têm origem ilícita.
A consequência do desenho institucional do sistema mexicano acaba sendo o assassinato como ferramenta política — quando um grupo quer remover de uma lista um candidato patrocinado por uma organização adversária, basta executá-lo, explica o mexicano. “Os criminosos estão competindo pelo direito de virar políticos. O nosso sistema eleitoral está desenhado para ficar refém de interesses diversos, sejam empresas legais ou do crime organizado”, avalia Buscaglia, que é também professor convidado da Universidade San Andrés, na Argentina.
Para o pesquisador, a única maneira para diminuir esta fonte de corrupção da classe política seria uma mudança do sistema eleitoral. “A sociedade civil tem que pressionar para conseguir que as listas não dependam mais de alguns líderes políticos, elas devem ser constituídas pelos eleitores, sem intermediários”, resume Buscaglia. A dificuldade, porém, é que a sociedade civil mexicana está muito fragmentada. “As reações às violações de todos os tipos de direitos são mais fortes do que dez anos atrás, mas falta uma unificação das forças para emplacar uma mudança”, lamenta.
No 'ranking democrático', 79° lugar entre 102 países
Segundo um relatório publicado na última quarta-feira (03/06) pela Organização World Justice Project, o México está entre os países com a classificação mais baixa em termos de 'Estado de Direito'. O país chegou ao 79° lugar entre 102 países avaliados no mundo — entre os 19 latino-americanos, ocupa a 14ª posição. O índice organizado pela ONG é elaborado a partir da análise de oito critérios, entre os quais estão a fiscalização dos poderes do governo, a segurança e o funcionamento da Justiça Civil e da Justiça Criminal.
Mas é na questão da violência que o México obteve a pior colocação (99° lugar), à frente apenas de Afeganistão, Paquistão e Nigéria. As avaliações da corrupção e da Justiça também estão péssimas. “Este relatório mostra perfeitamente que, apesar de ter implementado muitas reformas políticas e econômicas, o presidente Enrique Peña Nieto não melhorou a qualidade do funcionamento institucional”, afirma Edgardo Buscaglia.
Segundo ele, o México deve urgentemente melhorar seu Judiciário e controlar o patrimônio dos políticos para evitar uma expansão ainda mais grave da violência. “As violações que aconteciam somente em Cidade Juarez dez anos atrás já se espalharam por todo o país. A espiral de violência vai continuar enquanto grupos criminais controlarem o Estado”, alerta o professor mexicano. Ele elaborou uma lista de 26 propostas para restabelecer o Estado de Direito no seu último livro, Vacíos de poder em México: el camino de México hacia la seguridad humana ("Vazios de poder no México: o caminho mexicano até a segurança humana", editora Debate, sem publicação no Brasil).
Buscaglia compara a situação do México com a do Brasil: “Vocês também têm muita corrupção, mas existe uma verdadeira reação do Estado contra isso: as dénuncias acabam sendo fiscalizadas, a Justiça vai atrás de políticos e a presidenta não bloqueia as investigações”, enumera. Buscaglia diz entender a frustração dos brasileiros em relação à persistência da corrupção e a lentidão das sanções. No entanto, ele frisa que os avanços em relação ao México são consideráveis: “Uma reação desse tipo por parte do Estado parece ficção científica por aqui”.
Reportagem de Lamia Oualalou | Rio de Janeiro
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/entrevistas/40609/sistema+eleitoral+mexicano+incentiva+assassinatos+de+candidatos+avalia+especialista.shtml
foto:http://www.nuestramirada.org/photo/marcha-contra-la-violencia-en-5?context=user
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