19/06/2015

Mais visão, menos memória: tecnologia vai condicionar cérebro do futuro, diz pesquisador


“O que somos nós senão um cérebro?”, indaga Ignacio Morgado, professor de psicobiologia e pesquisador na Universidade Autônoma de Barcelona. Em seu livro “A fábrica de ilusões”, recém-lançado na Espanha, Morgado busca romper mitos e esclarecer dúvidas sobre o cérebro. Ele acredita que não, não podemos enganar a nós mesmos, e que razão e emoção não são contrários, porém complementares. Além disso, para ele, o que percebemos não existe como tal: tudo é uma ilusão.
Leia a seguir trechos da entrevista com o pesquisador.
Quanto conhecemos sobre o cérebro?
Conhecemos muito, porém também ainda nos resta muito. O cérebro tem 80 bilhões de neurônios interconectados de forma extraordinariamente complexa. Conhecer todos os segredos funcionais de um órgão dessa natureza leva tempo, muito trabalho e o desenvolvimento de técnicas muito elaboradas. Ainda temos muito para aprender, porém já aprendemos muito desde o fim do século 19, quando Santiago Ramón y Cajal revelou que o cérebro está formado por células individuais, os neurônios. Pode ser que nem sequer estejamos capacitados para entender algumas coisas. É preciso não esquecer que é com nosso cérebro que estamos tentando entender o cérebro.
Você escreveu: “Tenho dúvidas de que o cérebro seja capaz de entender o processo pelo qual se cria o pensamento”. Trata-se de um paradoxo definitivo?
Penso que talvez não estejamos capacitados para entender como pensamos porque mal somos capazes de elaborar uma hipótese. Se você não sabe se há vida em outros planetas, pelo menos pode imaginar como poderia ser. Porém, no caso do cérebro, como a subjetividade se torna possível, a imaginação, a consciência, o pensamento, é o que, a priori, não temos nem sequer ideia. Essa dificuldade me faz imaginar que o cérebro não tem capacidade de entender-se a 100%. Há, porém, quem não concorde com essa ideia e acredite que é apenas questão de tempo ou técnicas.
Você diz que vivemos em uma ilusão. Não há nada fora do nosso cérebro?
Eu dei o título “A fábrica das ilusões” ao meu livro como uma alusão ao cérebro. Ele cria a mente humana, e não há nada que exista fora dela em uma correspondência exata, tal como vivemos mentalmente. A luz e o som apenas existem na nossa mente. Fora dela não há nem luz nem som: há energia eletromagnética, movimento das partículas e dos átomos. Porém nosso cérebro não capta essas energias ou partículas diretamente, tal como elas são. Recebe o impacto delas e, graças a seu trabalho neural, converte esse impacto em ilusões de luz, calor, ruído...
Você vai a uma sala de concertos, uma orquestra sinfônica está interpretando uma melodia e você acredita que a sala está cheia de música, porém não é verdade. Não há música na sala, ela está apenas na sua mente. Se não houvesse nenhum cérebro nessa sala, apenas haveria flutuações complexas do ar. O cérebro tem uma forma especial, rica, bonita, de ler o mundo em que ele vive. Não é frustrante. É a diferença entre perceber o mundo na sua rudeza natural, perceber átomos, energia, fótons, ou perceber luz, cor, sabores, sensações, pensamentos. Não é mais agradável assim?
A tecnologia que permeia nosso cotidiano está atrofiando nosso cérebro?
Não é que ela o atrofia: ela o redireciona. Uma das vantagens modernas do processo evolutivo é que agora podemos condicionar o desenvolvimento do nosso cérebro. O que fizermos vai condicionar o cérebro do futuro, que capacidades ele terá, quais serão as melhorias, quais as desvantagens, que capacidades novas surgirão. Anteriormente ao desenvolvimento tecnológico industrial, nós não tínhamos tanta influência em nosso próprio desenvolvimento cerebral. Agora, conforme desenvolvemos tecnologias, cada vez mais podemos colocar meios que condicionem por onde vai evoluir o cérebro no futuro. Se desenvolvermos muito a visão nos computadores, a visão vai ser um sentido em evolução permanente. Se não desenvolvermos certos tipos de memória porque tudo o que precisamos saber está no celular ou no computador, perderemos certa capacidade de memória que tínhamos, porém ganharemos outros tipos de habilidades.
Você duvida de que sejamos livres para tomar decisões?
É um tema antigo que não está totalmente resolvido. Ninguém chegou a uma conclusão definitiva. A ciência se inclina bastante pelo fato de que nossa sensação de liberdade não é mais do que ignorância sobre o que acontece no nosso cérebro. Se fôssemos mais conscientes, perceberíamos que tudo está sendo preparado lá. Não se pode cometer o erro de pensar que você é diferente do seu cérebro. Meu cérebro toma decisões por mim antes de que eu as tome? Porém quem é você, a não ser o seu cérebro? O que resta se eu tiro o cérebro? Este é um problema maior. Tem-se a sensação de que o pensamento consciente é alguma coisa diferente do corpo, porém não é verdade.
Na hora de tomar decisões, costuma-se dizer que a razão deve prevalecer sobre a emoção. Trata-se de uma situação real?
É errado acreditar que razão e emoção funcionam de formas independentes. Basta conhecer o cérebro por dentro para ver que os circuitos implicados nos sentimentos estão muito relacionados com os circuitos da razão. Na prática, quer dizer nossos sentimentos estão influenciados por nossa forma de pensar e raciocinar e vice-versa. O que devemos admitir é que não há emoção pura nem razão pura. Embora não percebamos, às vezes o que dizemos que é produto exclusivo da razão está influenciado pelos sentimentos.
É possível esquecer algo de propósito?
Não. Sabemos que se podem fazer esforços para não pensar em algo concreto durante alguns minutos. Porém isso vai voltar na sua cabeça outra vez. Esquecer algo definitivamente é quase impossível, principalmente se são lembranças ligadas a emoções.
O livro descreve uma experiência que foi realizada sobre a inatividade do cérebro, na qual os voluntários passaram maus bocados quando que ficar cerca de dez minutos sem fazer nada. É possível que poucos minutos sem atividade nos pareça algo impossível?
Experimente você mesmo. Nunca aconteceu com você de a energia elétrica acabar e você ficar sem computador? Imagine que se, além de perder o computador, não haja jornal ou um livro à mão. Você fica mal. Não percebemos que somos viciados em informação. Vivemos em um mundo onde a informação nos chega continuamente. O cérebro se acostuma a trabalhar com esse fluxo de informação, exatamente como acontece com a nicotina.

Reportagem de Daniel Sánchez Caballero | El Diario | Madri
Tradução: Mari-Jô Zilveti
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/40677/mais+visao+menos+memoria+tecnologia+vai+condicionar+cerebro+do+futuro+diz+pesquisador.shtml
foto:http://www.alvoconhecimento.com.br/category/tecnologia/

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