Comunidade de terreiro se mobilizam em todo o
país em busca de combater o preconceito e a perseguição. Saiba mais sobre a
luta pela preservação da cultura afro-brasileira.
“A sua riqueza vem lá do passado, de lá do congado, eu tenho certeza”, a
música do baiano Edil Pacheco, eternizada na voz de Clara Nunes, celebra a
riqueza da cultura africana que foi construída no Brasil. Os cantos, os toques,
a comida, danças e influências da negritude que pairam nessa terra guardam uma
riqueza cultural imensurável. Historicamente, a construção da nossa identidade
fez com que o Brasil se tornasse um país negro em cor, forma e conteúdo. Mesmo
que essa negritude tenha sido renegada ao longo dos anos, a resistência fez com
que nos tornássemos o maior país negro fora do continente africano.
Anos de escravidão, lutas por liberdade e ainda hoje a população negra
sofre com o preconceito e a falta de respeito por suas tradições. Recentemente,
o Terreiro Casa de Oxumarê, um dos mais antigos e
tradicionais do Brasil, organizou uma mobilização nacional em busca de defender
e clamar por respeito para com os cultos religiosos afro-brasileiros. A
destruição de terreiros, ofensas, invasões e manifestação de ódio e
intolerância mostram o retrocesso de parte da sociedade brasileira que teima em
contestar a diversidade cultural de um país formado da intensa mistura de
etnias.
“Começamos com essa mobilização sobretudo após o surgimento do exército
chamado Gladiadores do Altar,
explica Akinyàlé Elias Pontes, coordenador da Rede Afro-brasileira
Sociocultural do Estado de São Paulo e Gestor do Grupo de Trabalho de
intolerância religiosa no Ministério da Justiça do DF. Segundo ele, adeptos da
Igreja Universal vêm atacando os centros de matriz africanas com a
justificativa de que são lugares onde se encontra o “demônio”. Casas de culto
tanto de Candomblé quanto da Umbanda em todo o Brasil assinaram um manifesto
que será encaminhado para a ONU como forma de campanha por mais respeito e
igualdade.
A luta dos povos de terreiro é a mesma em todos os estados do Brasil. Em
São Paulo, foi criada a iniciativa “As Águas de São Paulo”, com a finalidade de
expandir a importância de denunciar atos de preconceito com os povos de matriz
africana e promover a liberdade religiosa e preservação dessas tradições.
“Precisamos quebrar esses tabus colocados por outras religiões que, ao invés de
somar desagregam e geram uma competição que não acrescenta em nada”, diz o
Babalorisá Ofanire, presidente do “As Águas de São Paulo”, um dos maiores
movimentos brasileiros contra discriminação e intolerância religiosa.
A beleza negra escondida pela mídia
“Toda riqueza cultural das tradições afro-brasileiras não é mostrada
porque não temos espaço na mídia para exibir o que os povos de terreiro têm de
melhor”, pontua Pontes. O militante e iniciado no Candomblé ressalta também o
infeliz hábito dos meios de comunicação brasileiros de reproduzir imagens ruins
que não condizem com o que de fato acontece dentro dos terreiros. Mais do que
isso, nas poucas vezes em que o debate relacionado ao universo cultural
afro-brasileiro chega à grande mídia, o que se vê são produções carregadas de
estereótipos, e o povo negro sendo alvo de piadas e desrespeito.
Por esse motivo, a luta das comunidades tradicionais e como de fato acontecem
os rituais, a representação do sagrado e toda riqueza cultural ficam escondidos
por uma sociedade ocidental de predominância cristã. “Somos uma cultura milenar
viva e que resiste até os dias de hoje, oprimida e se escondendo daqueles que
querem acabar com tudo isso”, lamenta Pontes.
Conhecer para respeitar e vice-versa
O antropólogo Darcy Ribeiro afirma em sua obra O Povo Brasileiro que
a população negra foi a força substancial da construção do Brasil. Segundo ele,
a presença dos povos africanos fez quase tudo que aqui se fez e construiu o que
hoje conhecemos como nosso país. Atitudes noticiadas recentemente mostram a
falta de conhecimento da população sobre sua própria origem e, mais do que
isso, o desrespeito por culturas diferentes. “Eu acredito que para a sociedade
respeitar as diferenças é preciso dar a oportunidade de conhecer julgamentos.
Ignorante é aquele que não se permite conhecer”, destaca Cerqueira.
“O que aconteceu essa semana foi um movimento histórico digno de ser
noticiado pelos mais importantes canais de comunicação do Brasil. Pela primeira
vez as comunidades de terreiros, de todos os estados do país, se mobilizaram e
denunciaram os ataques e abusos motivados pela intolerância religiosa, no
Ministério Público. A falta de atenção da grande mídia para nossa causa
demonstra o quão fundamentalista e preconceituosa é a nossa comunicação, que
enxerga os terreiros somente como exoterismo para previsões e matérias
tendenciosas, mas nunca noticiam as importantes lutas que protagonizamos pela
tão sonhada liberdade de culto e expressão da fé”, diz Roger Cipó, fotógrafo e candomblecista.
“Para mudar essa realidade, temos que combater a raiz da intolerância,
que pra mim é o racismo. Historicamente, a sociedade negou a cultura, religião
e identidade do negro para negar a sua humanidade e justificar até mesmo a escravidão”,
alerta Marina Duarte de Souza, jornalista e produtora cultural. Segundo ela, as
religiões de matriz africana foram demonizadas pela sociedade cristã branca e
patriarcal e até hoje as pessoas reproduzem esse discurso de macumba,
feitiçaria e magia negra, o que explicita ainda mais o racismo.
A jornalista se iniciou recentemente no Candomblé e sente na pele as
manifestações de preconceito quando as pessoas se deparam com seus trajes
brancos. “Sinto que as vezes chega a ser uma fobia. Há pessoas que chegam com
papos como ‘Jesus te ama menina’ e respondo: ‘não foi ele que pregou o respeito
ao próximo?'”, completa. “Em longo prazo isso se combate com educação e
informação, daí a importância de leis como a 10.639, do
Estatuto da Igualdade Racial e do Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável
dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana”, ressalta Souza.
Reportagem de Vanessa Cancian para o Brasil de todo mundo
fonte:http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2015/04/22/sobre-preconceito-e-intolerancia-religiosa/
foto:http://candomble-umbanda.tumblr.com/
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