19/02/2015

Milhares de pessoas homenageiam Nisman e desafiam o ‘kirchnerismo’


Silêncio e aplausos em meio ao vento e à chuva. Essa é a homenagem que dezenas de milhares de pessoas renderam em Buenos Aires à figura de Alberto Nisman, o promotor que morreu em 18 de janeiro, quatro dias depois de denunciar a presidenta. As previsões meteorológicas eram de chuva forte e muitos chegaram com guarda-chuvas. Outros procuraram refúgio debaixo de toldos e árvores. O resultado foi que depois de um mês cheio de insultos, acusações, censuras e críticas, o silêncio se impôs. O silêncio estrondoso de dezenas de milhares de pessoas caminhando lentamente debaixo da chuva.
A marcha foi convocada por cinco promotores como uma homenagem ao companheiro falecido quando se cumpre um mês de sua morte. Era um fato insólito. O Poder Judicial, ou parte dele, jamais havia convocado uma marcha ao longo das últimas três décadas de democracia argentina. Os principais dirigentes da oposição se somaram imediatamente à iniciativa. Mas o Governo viu uma tentativa de desestabilização, uma forma suja de fazer política sob o pretexto de render homenagem ao promotor morto. Entre as duas posições ficou gente como o prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, que se mostrou crítico ao Governo e também aos organizadores da marcha, que acusou de oportunismo político.
Havia grande expectativa em relação à decisão que tomaria a ex-esposa de Nisman, a juíza Sandra Arroyo Salgado, mãe de suas duas filhas. Ela mesma havia pedido, semanas antes, que a investigação sobre a morte de Nisman não fosse politizada. Finalmente, participou da marcha com as duas meninas, de 7 e 15 anos. Arroyo Salgado esclareceu, em um comunicado no dia anterior, os motivos pelos quais havia decidido participar com suas filhas: “Nossa presença está voltada a prestar um reconhecimento à pessoa que ele foi e ao funcionário cuja incondicional e valente entrega ao trabalho deve ser destacada”.
Os ministros de Cristina Kirchner alegaram várias razões para explicar sua ausência: que alguns dos promotores que organizavam a marcha só possuem fins políticos, que os dirigentes opositores que se somaram à marcha tampouco pretendiam prestar uma homenagem a Nisman, mas tinham interesse eleitoral quando restam apenas oito meses para que se realizem as eleições presidenciais de 25 de outubro. Mas quem marcou a divisão foi a própria presidenta, que na semana anterior concluiu assim um discurso na Casa Rosada entre os vivas e cantos dos militantes kirchneristas: “E ficamos com o canto, ficamos com a alegria, ficamos com esse grito de ‘viva a Pátria’. E para eles, para eles deixamos o silêncio. Sempre gostaram do silêncio, deixamos para eles o silêncio, que é ou porque não têm nada a falar ou porque realmente não podem falar o que pensam”.
Houve muito silêncio, desde as imediações do Congresso, onde começava a marcha, até a Praça de Maio, onde ela terminava. Era possível ver os mesmos cartazes que foram vistos na noite em que faleceu o promotor: “Verdade e justiça”, “Todos somos Nisman”. “Lamento ver muito pouca juventude e muita gente mais velha”, queixava-se uma manifestante para o canal Todo Noticias, do grupo Clarín. Às vezes se escutava algum coro: “Não temos medo, não temos medo”. Outros gritavam simplesmente “Argentina, Argentina”.
Os locutores perguntavam aos cidadãos por que iam à marcha e as respostas eram muito variadas, mas mostravam um cansaço da política do Governo. Uns reclamavam justiça, alguns recordavam a oposição ao acordo que a Argentina assinou com o Irã (motivo da acusação de encobrimento que Nisman fez contra Cristina Kirchner), outros expressaram seu desejo de lutar por um país para seus netos, alguns se queixavam da corrupção, outros da insegurança... E a maioria dos participantes pertencia à classe média e média alta, a mais crítica ao Governo.
A manifestação mostrou a imagem perfeita da divisão social que a Argentina está sofrendo nos últimos anos.

Reportagem de Francisco Peregil
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/18/internacional/1424297883_889426.h

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