19/08/2014

Conheça os cegos que portam armas nos EUA

Quando Carey McWilliams foi preencher a papelada para obter um porte de armas em Fargo, Dakota do Norte, os funcionários imediatamente notaram que ele estava com um cão-guia.
A atendente informou que ele teria que passar por um teste de tiro, e McWilliams disse para ela não se preocupar. "Outros funcionários continuaram me chamando e dizendo: 'há um teste de tiro, há um teste de tiro'."
Os alvos estavam a mais de 6m de distância, mas ele acertou o coração da figura.
Nos Estados Unidos, ser cego não é impedimento para ter e usar armas de fogo, algo que é motivo de polêmica e preocupação. Deficientes visuais que têm armas dizem que estão exercendo um direito constitucional e não representam perigo para a população.
Permissões de porte de armas são emitidas em nível estadual, e os critérios e regras variam nos EUA.
Enquanto não há nada nas leis da Dakota do Norte para evitar que uma pessoa cega - ou com deficiência física - porte uma arma, na Flórida, por exemplo, a "incapacidade física para lidar com uma arma de fogo com segurança" é listada como um motivo de inelegibilidade.
No entanto, uma pessoa cega com uma licença de Dakota do Norte ainda seria capaz de andar com sua arma, pois a Flórida reconhece as licenças desse estado.
Em muitos estados, tampouco há exames de vista para renovação do porte de arma, o que significa que uma pessoa pode ter adquirido a permissão antes de perder a visão e mantê-la.
Mais fácil ainda para as pessoas cegas é possuir armas dentro de casa. Na maioria dos estados, não é necessário realizar um teste de tiro ou obter uma licença para comprar uma arma. Consequentemente, ninguém sabe quantos americanos cegos possuem armas para defesa de casa, tiro ao alvo ou caça.
McWilliams aprendeu a usar armas aos 15 anos, em um acampamento militar coordenado por um homem que tinha um irmão cego que ainda atirava. Ali, usou uma metralhadora M16. McWilliams - que, antes de perder a visão, aos 10 anos de idade, sonhava em integrar as Forças Armadas - se apaixonou.
Três anos mais tarde, fez um curso em um órgão que treina militares. Aprendeu a mirar ouvindo o som de seu alvo e diz ter alcançado a pontuação máxima no teste.
Ele usou a mesma técnica em outubro de 2000, no estande de tiros da polícia em Fargo.
"O vice-xerife disse: 'Você tem esses carimbos dizendo que você é cego, mas você passou no teste, então você tem a sua autorização. Ninguém fez isso antes'."
Desde então, McWilliams tem usado sua arma para caçar. Ele escreveu sua autobiografia ("Essa não é uma biografia fofinha sobre conquistas de um homem cego, é sem frescuras, embora às vezes engraçada", diz o livro) em que narra como, antes de passar no teste de Dakota do Norte, foi reprovado em outro estado, onde acredita ter sido "denunciado" como cego por um instrutor.
"Se ele tivesse feito isso com alguém de outras raça, etnia, sexo, as pessoas teriam ido às ruas protestar, porque é uma questão de direitos civis", afirma.
Por causa do livro, passou a ajudar outros cegos a conseguir o porte de armas - já aconselhou mais de cem, afirma.

'Inventividade'

Um deles é o operador financeiro Jim Miekka. Ele já criou dois algoritmos matemáticos para a previsão de recessão no mercado de ações - a Fórmula Miekka e o Hindenberg Omen -, utilizados em Wall Street.
Recentemente, se envolveu numa polêmica ao tentar provar que um homem foi preso injustamente por homicídio porque o cenário apresentado para o júri contrariava as leis da física.
Mas quando questionado sobre a conquista de que mais se orgulha, Miekka diz que, se você colocar as palavras "melhor atirador em alvo do mundo" no Google, o primeiro resultado é um vídeo dele. O amor de Miekka por armas não termina com tiro ao alvo. Ele também gosta de se vestir de caubói e disputar competições de quem saca a arma e atira mais rapidamente.
Miekka perdeu a visão - e dois de seus dedos - com cerca de 20 anos em uma explosão em sua cozinha, enquanto tentava desenvolver um produto químico. Pouco tempo depois, começou a aplicar sua inventividade para sua nova situação. Com a ajuda do pai engenheiro químico e de um amigo, desenvolveu um sistema parecido com o que é usado para tiros nas Paraolimpíadas.
Ao longo do tempo, Miekka, agora com 54 anos, aperfeiçoou sua tecnologia. Sua última mira, feita em conjunto com um armeiro, permite que acerte um alvo de 4mm de diâmetro a 91 metros - algo que, segundo ele, quatro amigos com visão perfeita não conseguem fazer.
Ele também pode escolher alvos-padrão da National Rifle Association (NRA), o que lhe permite competir contra atiradores que enxergam.
"Eu gosto de atirar com pessoas que podem ver", diz Miekka. Seu pai, Dick Miekka, nunca conseguiu vencê-lo. "Ele encontra o centro de seu alvo."

Cachorros

Miekka diz que precisa do porte de armas para participar das competições de tiro. Mas ele também tem medo de ser atacado por um cão. "Há uma possibilidade de 99% de que, se eu tiver que usar a arma para me defender, vai ser contra um cão", diz ele.
Carey McWilliams também teme cães. Em 2009, foi atacado por três pastores alemães - toma morfina para a dor até hoje. Mas ele também se preocupa com humanos.
"Como cego você é naturalmente mais vulnerável ao criminoso", diz. "Você tem que lutar com todos os meios disponíveis. Para mim, isso é uma pistola 9 milímetros ", diz ele, acrescentando que já mostrou a arma três vezes para se defender.
Nem todo mundo acha que faz sentido pessoas cegas portarem armas. O cantor Stevie Wonder disse cerca vez que é "louca" a facilidade que ele, cego desde o nascimento, teria para comprar uma arma.
Em entrevista em 2013, o cantor defendeu mudanças nas legislações de porte de armas, por considerá-las negligentes a ponto de deficientes visuais não terem dificuldades em comprar armamento.
McWilliams responde que, contanto que os cegos usem as armas para autodefesa e à queima-roupa (para não correr o risco de balear outras pessoas), basta que tenham bom senso. Mas admite que, há alguns anos, levou ao chão uma pessoa que agarrou seu braço subitamente porque não percebeu que era para ajudá-lo.
"A chave para não ser baleado é, basicamente, não colocar suas mãos no cego."
McWilliams diz que foi vítima de bullying na infância e que apanhou frequentemente na escola, antes e depois de perder a visão. "Eu aprendi que, basicamente, a melhor defesa é um bom ataque", diz.
Embora não ache que armas são para todos, acredita que ajudam algumas pessoas cegas a se tornarem mais confiantes e independentes.
"Eu sempre quis ensinar as pessoas que os cegos não são apenas zumbis andando por aí, precisando de cuidado", diz ele. "As pessoas cegas podem ser empoderadas para cuidar de si mesmas."

Reportagem de William Kremer
fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/08/140813_cegos_armas_lab.shtml
foto:http://jornalaqui.com.br/blogaqui/?p=1749

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