Desde que o Brasil foi
escolhido para sediar a Copa, em 2007, autoridades de Brasília têm exaltado o
potencial do torneio para gerar empregos, acelerar investimentos em
infraestrutura e atrair turistas com os bolsos recheados de dólares.
"O Mundial é uma oportunidade histórica
para promovermos desenvolvimento socioeconômico no âmbito local e
nacional", disse à BBC Brasil Joel Benin, assessor para Grandes Eventos do
Ministério dos Esportes.
"Ele gerará 3,6 milhões de empregos,
movimentará R$ 65 bilhões (este ano) e deixará um legado importante na área
econômica".
Dois relatórios recentes, da agência Moody's e
da consultoria Capital Economics, por exemplo, chamam a atenção para o pequeno
peso em relação ao PIB dos gastos potenciais dos turistas e investimentos em infraestrutura
ligados ao evento.
"Nem o impacto econômico imediato da Copa
nem seu legado devem ser expressivos", acredita Neil Shearing,
economista-chefe da Capital Economics para Mercados Emergentes.
"Mesmo os aportes em aeroportos, redes de
transporte e infraestrutura urbana não chegam a 0,5% do PIB. Depois de décadas
de escasso investimento nessas áreas, não é isso que vai aliviar os gargalos
estruturais da economia brasileira."
Acadêmicos como Pedro Trengrouse, consultor da
ONU para o Mundial e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Wolfgang
Maennig, especialista em economia do esporte da Universidade de Hamburgo,
concordam com essa avaliação.
"O governo resolveu apresentar a Copa como
solução para questões estruturais do país", diz Trengrouse.
"A Copa é, basicamente, uma grande festa.
Foi um erro associar o torneio a obras de infraestrutura que deveriam ter sido
feitas há muito tempo para o Brasil continuar crescendo. Ao final, criou-se uma
expectativa econômica que não pode ser atendida", completa, referindo-se
ao fato de obras de mobilidade urbana e a ampliação de aeroportos terem sido
incluídas na chamada Matriz de Responsabilidades da Copa - documento reunindo
todos os projetos relacionados ao torneio.
Diante dessas críticas, fica a dúvida: afinal, o
impacto econômico do Mundial pode mesmo decepcionar os que esperavam que ele
funcionasse como um catalisador da expansão dos investimentos, renda e emprego
no país? O evento terá ou não um impacto "significativo" na economia,
como promete o governo?
Estudos
contraditórios
A resposta depende, primeiro, do que se define
pelo termo "significativo". Segundo, de uma série de cálculos que só
poderão ser concluídos depois do Mundial.
Embora nos últimos anos tenham sido feitos
diversos estudos para estimar os possíveis efeitos da Copa na economia, seus
resultados divergem.
De um lado, estão as pesquisas mais otimistas,
citadas pelo governo.
Em 2010, um levantamento encomendado pelo
Ministério dos Esportes à consultoria Consórcio Copa 2014 estimou que os
"impactos econômicos potenciais" do torneio chegariam a R$ 183,2
bilhões até 2019 - sendo R$ 47,5 bilhões de "efeitos diretos" (como
investimentos em infraestrutura e serviços ou gastos de turistas) e R$ 135,7
bilhões de efeitos indiretos (que incluem, por exemplo, os ganhos dos
fornecedores das construtoras responsáveis pelos estádios).
No mesmo ano, outro estudo, feito pela Ernst
& Young em parceria com a FGV estimou um impacto econômico semelhante: R$
142 bilhões movimentados até 2014 e a geração de impressionantes 3,6 milhões
postos de trabalho.
"A Copa vai produzir um efeito cascata
surpreendente nos investimentos no País", dizia o estudo. "A economia
deslanchará como uma bola de neve, sendo capaz de quintuplicar o total de
aportes aplicados diretamente na concretização do evento e impactar diversos
setores."
É com os cenários desses dois relatórios que o
governo trabalha ainda hoje.
"Não houve exagero - as nossas previsões
ainda são essas", diz Benin.
"Essas estimativas iniciais foram
confirmadas por um terceiro levantamento, da FIPE (Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas), que mostrou que a Copa das Confederações (evento-teste
para o Mundial) movimentou R$ 20,7 bilhões em 2013. Foi com base nesse cálculo
que estimamos um mínimo de R$ 65 bilhões a serem movimentados pelo Mundial
(este ano)."
Ceticismo
Do outro lado, porém, outros estudos sustentam
que essas previsões são superestimadas.
Entre eles, está um trabalho de 2012 do
professor de economia da Unicamp Marcelo Proni, para quem os cenários iniciais não
consideraram o desaquecimento econômico dos últimos anos - que teria inibido
investimentos em áreas como hotelaria.
Outro levantamento, da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), também tem cifras bem mais modestas. "Pela nossa
estimativa, o total de empregos gerados pelo torneio seria de apenas 158
mil", exemplifica Edson Paulo Domingues, um de seus autores.
Maennig, da Universidade de Hamburgo - que vem
estudando há anos os efeitos econômicos da realização de Copas do Mundo e
Olimpíadas - é bastante cético sobre o impacto dessas competições.
"Estimativas infladas de geração de emprego
e renda são comuns em eventos desse tipo porque os governos precisam justificar
seus gastos com estádios e instalações esportivas", diz Maennig, campeão
olímpico de remo pela Alemanha Ocidental.
Ele explica que seus estudos não captaram nenhum
efeito econômico significativo analisando a realização de Copas e Olimpíadas em
diversos países.
"Com uma Copa temos um ganho concreto no
bem estar da população. As pessoas ficam mais felizes - mas é só", diz.
"Os empregos criados costumam ser
temporários e é difícil prever se não teríamos mais benefícios econômicos
investindo o dinheiro dos estádios em outro lugar."
Mas quais estimativas estão corretas?
"A verdade é que só poderemos começar a
colocar os números à prova em 2015 ou 2016, quando tivermos disponíveis todos
os dados relativos aos PIBs regionais e municipais, emprego, turismo e
etc.", explica Domingues.
Falta de
euforia
De acordo com Trengrouse, até as estimativas da
FGV já precisariam ser atualizadas.
Primeiro porque foram feitas mudanças na lista
de projetos ligados ao evento (a Matriz de Responsabilidades da Copa). Alguns
não saíram do papel. Outros foram incluídos de última hora.
Depois porque em 2010 "se esperava que a
Copa geraria um clima de euforia entre a população que, ao menos até agora, não
se materializou" - o que, segundo Trengrouse, acabaria se refletindo em um
nível de consumo mais baixo durante o Mundial.
"Quando a pesquisa foi publicada, cerca de
80% da população, ou mais, apoiava a realização dos jogos no Brasil",
lembra ele.
Nesse meio tempo foram organizados os protestos
em que ganharam força slogans anti-Copa.
Hoje, 55% dos brasileiros acreditam que o
Mundial trará mais prejuízo que benefícios para o país segundo uma pesquisa
Datafolha.
"Quanto mais animadas, mais as pessoas
tendem a consumir, decorar suas casas, comprar camisetas e adereços, então
precisamos esperar para entender até que ponto essa falta de euforia será
revertida até o início dos jogos - e, se for o caso, computar seus efeitos
econômicos", diz o professor da FGV.
Interpretações
dissonantes
Além da divergência sobre os dados econômicos
também há interpretações dissonantes sobre o que os números significam.
As avaliações da Moody's e da Capital Economics,
por exemplo, não contestam as estimativas do governo. Apenas notam que todos
esses bilhões de reais movimentados ao longo de quatro anos nas preparações
para o evento não representam muita coisa em uma economia de R$ 4,8 trilhões
como a brasileira.
Ou seja, segundo tais avaliações, os efeitos da
Copa não seriam "significativos" para a economia como um todo.
Além disso, os consultores lembram que, como se
referem a investimentos feitos no período 2010 - 2014, a essa altura, a maior
parte do impacto desses recursos já deveria ter sido sentida.
A Capital Economics, ressalta, por exemplo, que
as estimativas iniciais do governo (que acabaram sendo revistas) previam
investimentos diretos em estádios e infraestrutura de R$ 23 bilhões até 2014 - menos
de 1% do PIB.
No caso dos turistas, os consultores calculam
que se os 600 mil visitantes esperados pelo governo de fato desembarcarem nos
aeroportos brasileiros, devem gastar um total de US$ 3 bilhões (R$ 6,7 bilhões)
- apenas entre 0,1% e 0,2% do PIB.
É claro que mesmo que os analistas céticos
estejam certos - e o impacto na economia como um todo não seja importante, a
Copa ainda pode ter um efeito expressivo em alguns lugares e para alguns
setores em especial.
Quem
ganha
Domingues acredita que em certas cidades, como
Cuiabá, por exemplo, o aumento do fluxo de visitantes durante o torneio e as
melhorias de infraestrutura de fato podem representar um impulso importante
para a economia local.
Maennig lembra que na Alemanha a indústria do
futebol recebeu novo fôlego com o Mundial - o que poderia ocorrer também no
Brasil.
Entre os setores mais beneficiados pelo evento
estão a construção civil e o turismo. No varejo, as vendas de televisão podem
crescer nas próximas semanas segundo o economista Christian Travassos, da
Fecomercio-RJ.
Por outro lado, no curto prazo, muitas empresas
também devem computar perdas com os feriados decretados por conta do torneio.
"Algumas empresas vão ganhar e outras vão
perder. Nossas estimativas são positivas, mas ainda é difícil prever o saldo do
evento para os próximos meses", afirma Bruno Fernandes, economista da
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Para ele, no longo prazo, o legado econômico do
Mundial dependerá da imagem que o Brasil projetará internacionalmente.
Benin, assessor do Ministério dos Esportes, diz
que a infraestrutura da Copa fará o Brasil ganhar espaço na agenda de torneios
esportivos globais. E o ministro Aldo Rabelo tem repetido que o torneio ajudará
a atrair investimentos e turistas - embora seja difícil estimar o impacto dos
atrasos e acidentes em obras do Mundial nas percepções de empresários
estrangeiros.
"Tentamos ser otimistas, mas se a Copa for
um fiasco em termos de segurança e transportes será mais complicado atrair visitantes
e investidores daqui em diante", diz Fernandes.
foto:http://www.ivancabral.com/2011/07/charge-do-dia-obras-da-copa.html
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