Entre os dias 26 e 27 de março, os meios de comunicação argentinos revelaram que dias antes um jovem havia sido linchado por um grupo de pessoas que suspeitou que ele tivesse roubado a bolsa de uma mulher na cidade de Rosario, a 300 km da capital Buenos Aires. David Moreira tinha 18 anos e morreu três dias depois do ataque, em um hospital. A partir da notoriedade do caso, uma série de crimes de características semelhantes em diferentes pontos do país – inclusive no badalado bairro de Palermo, em Buenos Aires - passou a ocupar as primeiras páginas dos jornais e gerou um debate similar ao que aconteceu no Brasil no começo do ano sobre “justiça com as próprias mãos”.
Os episódios têm sido usados por potenciais candidatos à presidência da Argentina para pedir leis mais duras contra criminosos. As notícias sobre os linchamentos apareceram em meio a um debate sobre o projeto de reforma do Código Penal na Argentina, que ainda não chegou ao Congresso. Líderes políticos da oposição criticaram o texto sob alegação de que seria permissivo com quem comete delitos.
No começo de março, o deputado federal pela província de Buenos Aires, Sergio Massa, líder do oposicionista FR (Frente Renovador) e ex-chefe de gabinete de Cristina Kirchner, abriu uma página na internet para colher assinaturas contra a reforma do Código. Massa, que foi prefeito do município de Tigre (2007-2013), chegou ao Congresso depois das eleições legislativas do ano passado, quando o kirchnerismo sofreu um duro revés na maior zona eleitoral do país. O deputado é um dos nomes fortes para a disputa presidencial, em outubro de 2015.
O chefe de governo da capital Buenos Aires, Mauricio Macri – que lançou sua candidatura à presidência no dia do resultado das eleições legislativas de 2013 - também emitiu a opinião contrária à reforma do Código e avisou que sua base no Congresso não apoiaria o texto. Apesar das críticas do presidenciável, seu partido, o PRO (Proposta Republicana), estava representado pelo deputado federal Federico Pinedo na comissão que redigiu o projeto de reforma do Código, integrada por juristas, membros da Corte Suprema e políticos de diferentes partidos.
Reações do governo
Na última quarta-feira (02/04), a presidente Cristina Kirchner aproveitou o discurso sobre os 32 anos da Guerra das Malvinas (02/04/1982 – 14/06/1982) para falar sobre o tema. Na presença de organismos de direitos humanos que lutam por justiça contra os crimes cometidos pela última ditadura militar (1976-1983), a mandatária se dirigiu às Avós e às Mães da Praça de Maio e as parabenizou pela “paciência” na espera por justiça. “Vocês são um exemplo. Esperaram 30 anos para ter justiça sem recorrer a nenhum outro método.” Cristina ainda disse que “isso de vingança é da pré-história, é de Estado de não-direito.”
O chefe de gabinete da presidência, Jorge Capitanich, também condenou os episódios e disse que, em uma sociedade democrática e civilizada, “é imprescindível que não haja justiça com as próprias mãos.” Já vice-presidente da Corte Suprema argentina, Elena Highton de Nolasco, qualificou os linchamentos de “homicídios violentos, sangrentos e em massa.” Em todos os casos noticiados, algo em comum: as vítimas eram suspeitas de ter cometido crimes contra a propriedade, como roubo ou furto.
Campanha presidencial antecipada
Para Manuel Tufró, da área de políticas de segurança e violência institucional do CELS (Centro de Estudos Legais e Sociais), o clima de campanha antecipada prejudica um debate sério sobre o que ele chama de “uma das maiores dívidas dos últimos 10 anos”: o desenho das políticas de segurança, que fica nas mãos das próprias polícias, o que especialistas chamam de “autogoverno policial” na Argentina.
“Por um lado, vemos políticos muito preocupados com 2015, com discursos abertamente punitivos e irresponsáveis, que defendem maiores punições, alardeiam uma crise de insegurança e afirmam que ela só pode ser revertida com aumento nas penas ou com maior presença policial. Por outro, os que podem não concordar com essa posição, mas têm medo de condenar de maneira enfática esse tipo de ação”, avalia Tufró. “Isso gera um retrocesso de mais de 10 anos nas discussões sobre a segurança cidadã na Argentina.”
Os meios de comunicação também têm sua parcela de responsabilidade na geração de respostas violentas por parte da população civil, segundo Tufró. “O que [os meios] chamam de linchamentos são episódios muito diferentes e muitos deles não são nenhuma novidade. O que mudou são as condições para que esses crimes sejam notícia”, aponta. “Adotar a categoria 'onda de linchamentos' contribui para gerar essa onda.” Para Tufró, a forma como as notícias foram tratadas sugere uma “convergência de interesses” entre alguns setores políticos e os próprios veículos de comunicação.
Reportagem de Aline Gatto Boueri
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/34683/de+olho+na+eleicao+de+2015+politicos+argentinos+usam+casos+de+linchamento+para+pedir+leis+mais+duras.shtml
foto:http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-esta-havendo-uma-nova-onda-de-linchamentos-desta-vez-na-argentina/
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