07/04/2014

A justiça da Venezuela se destaca entre as mais submissas da América

O Governo da Venezuela pode presumir da duvidosa honra de não enfrentar falhas adversas por parte do Tribunal Supremo desde que o Governo de Hugo Chávez (1998-2013) reformou em 2004 a lei orgânica deste tribunal e nomeou novos magistrados. Vista a sua trajetória nos últimos nove anos, as chances que o dirigente opositor Leopoldo López —preso há 47 dias por suposto enaltecimento da violência— teria de encontrar amparo no Supremo são bem mais escassas. Para a ONG Human Rights Watch essa falta de independência do poder judicial só é equiparável à que enfrentam Honduras, Nicarágua e Equador.
A maioria dos Tribunais Supremos da América Latina enfrentaram uma ou outra vez às políticas de seus Governos. O equilíbrio de poderes, tão saudável em qualquer democracia, exerceu-se de forma bem visível na maior parte da região. Na Argentina, por exemplo, a Corte Suprema vetou no ano passado a reforma judicial que promovia o Governo de Cristina Fernández Kirchner. No Brasil, a Suprema Corte condenou parte da cúpula do governante Partido dos Trabalhadores no caso de subornos políticos conhecido como mensalão. Na atualidade, sete ex-dirigentes com altos cargos no governo ou no PT cumprem a condenação. No México, a Suprema Corte declarou inconstitucional em 2007 a chamada Lei Televisa por considerar que propiciava práticas de monopólio.
No Uruguai, a Suprema Corte de Justiça anulou no ano passado a lei que impedia a impunidade para os repressores da ditadura, um dura crítica para a esquerda uruguaia e para o Governo de José Mujica. Na Colômbia, a Corte Constitucional vetou em fevereiro de 2010 a possibilidade de que Álvaro Uribe pudesse concorrer a outras presidenciais para um terceiro mandato. No Chile, a Corte Suprema acolheu o recurso de organizações ecologistas e paralisou em 2012 o projeto hidrelétrico de Porto Aysen, impulsionado pelo Governo. E em 2008, a Corte Constitucional proibiu a venda da pílula do dia seguinte que aprovava o Governo de Michelle Bachelet. Na Bolívia, o Tribunal Constitucional declarou no ano passado parcialmente inconstitucional a lei de Autonomia, pela qual o Governo de Evo Morales tinha se desfeito de vários prefeitos e governadores da oposição.
Na Venezuela, no entanto, a situação é diferente da que se vive na maior parte da região. O diretor para América da ONG Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, considera que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) na Venezuela se transformou em um “adendo do Executivo” e é “um dos exemplos mais toscos da falta de independência judicial na região”. “O Governo de Chávez, desde 2004, manipulou a composição do mais alto tribunal, enchendo-o de incondicionais. O resultado foi uma justiça partidária dedicada a legitimar práticas abusivas, como o estão fazendo atualmente com a detenção de prefeitos de oposição”, afirma Vivanco.
O representante da HRW insiste, além disso, na situação de vulnerabilidade em que se encontram a maioria dos juízes: “O TSJ tem faculdades para nomear e destituir juízes inferiores provisórios, que hoje são a grande maioria no país, com o qual estamos ante um sistema perverso no qual este tribunal partidário pode destituir mediante um telegrama a praticamente qualquer juiz, incluída a juíza que leva o caso de Leopoldo López”.
Vivanco acha que o exemplo “mais nítido” da falta de independência judicial na Venezuela foi a detenção da juíza María Lourdes Afiuni, em dezembro de 2009. “Isso teve um profundo impacto nos juízes de tribunais inferiores. Desde a saturação política do TSJ em 2004, os juízes mostraram-se cautos ao ditar sentenças que pudessem desagradar o Governo. No entanto, enquanto antes temiam perder seus empregos, agora temem, além disso, ser julgados por cumprir a lei. Ninguém quer perder seu trabalho nem ir preso”.
O jurista venezuelano Pedro Nikken sustenta que a “submissão da independência” do Tribunal ficou confirmada no discurso de abertura do Ano Judicial, no dia 5 de fevereiro de 2011, pronunciado pelo magistrado Fernando Vegas Torrealba. Naquele discurso, Vegas assinalou: “O poder judicial venezuelano está no dever de dar sua contribuição para a eficaz execução, no âmbito de sua concorrência, da política de Estado que adianta o Governo nacional” no sentido de desenvolver “uma ação deliberada e planificada para conduzir um socialismo bolivariano e democrático (…) Este TSJ e o resto dos tribunais devem aplicar severamente as leis para sancionar condutas ou reconduzir causas que destroem da construção do Socialismo Bolivariano”.
Nikken, assim como a HRW, considera que o grande momento de inflexão se produziu com a privação de liberdade do juiz Afiuni. “Isso causou um efeito devastador sobre o judiciário”, assinala. A Nicarágua é outro dos países onde um presidente pode dormir tranquilo com a convicção de que a Corte Suprema não lhe deparará surpresas desagradáveis. Em 2011, a Sala Constitucional declarou inaplicável o artigo 47 da Constituição que proibia disputar um terceiro mandato presidencial. Daniel Ortega reformou a constituição e em janeiro a Assembleia aprovou a possibilidade de reeleição indefinida.
No Equador, o presidente Rafael Correa impulsionou uma reforma judicial em 2011 que foi aprovada em referendo. Desde então, nenhum corte superior pronunciou-se contra alguma medida de Correa. Ramiro Aguilar, advogado e antigo deputado opositor, diz: “Os juízes atuais são militantes do partido do Governo. Se algum queira se desligar, o Conselho Judicial o destitui”. Em 2013 foram destituídos 165 juízes e 214, punidos.
Vivanco acha que Quito serviu-se do poder judicial para “amordaçar” os meios de comunicação independentes. E para isso, foi chave o fato de que o Conselho Judicial esteja “composto exclusivamente por ex-empregados de Correa”.
Em Honduras, a jornalista Thelma Mejía lembra que depois do golpe de Estado de 2009 foram destituídos quatro dos cinco magistrados que integravam a Sala Constitucional por emitir duas decisões contra os interesses do Poder Executivo. Em uma sondagem de 2013, a Corte Suprema ficava como uma das instituições pior avaliadas.

Reportagem de  Francisco Peregil com informação de Magdalena Martínez (Uruguai), Elizabeth Reyes L. (Colômbia), Salvador Camarena (México), Carlos Salinas (Nicarágua) Mabel Azcui (Bolívia) e Soraya Constante (Equador).
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/06/internacional/1396814524_501463.html
foto:http://conselhodacomunidadefoz.blogspot.com.br/2011/10/brasil-tem-o-terceiro-maior-indice-de.html

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