Depois
do ovo, da carne vermelha e da frutose, chegou a vez do glúten, proteína
presente em trigo, centeio e cevada, assumir o posto de vilão da saúde.
Enquanto celebridades atribuem seus corpos magros à dieta sem glúten, alguns
especialistas iniciaram um movimento para provar que a proteína faz mal e está
ligada ao aumento de casos de doenças graves, como as cardíacas e o Alzheimer.
Boa parte do que se alardeia sobre a proteína, por enquanto, é especulação – o
glúten não engorda e a ciência ainda não comprovou que ele provoque Alzheimer,
por exemplo. Por que, então, alimentos tão comuns como macarrão, pão e molhos
passaram a ser considerados uma ameaça à saúde?
O ataque ao pãozinho é consequência da proliferação das dietas desintoxicantes.
Elas ganharam força em meados de 2005, incentivadas por livros como Dr. Joshi's Holistic Detox: 21
Days to a Healthier, Slimmer You - For Life (Desintoxicação holística do doutor Joshi:
21 dias para ter mais saúde e magreza – para a vida, em tradução livre), do
terapeuta holístico inglês Nishi Joshi. O glúten é um dos alimentos proibidos
de uma longa relação. No Brasil, o programa detox é defendido por alguns
nutricionistas, especialmente de uma corrente chamada funcional – baseada em
alimentos não só saudáveis, mas especificamente indicados para a prevenção de
males. Entre linhas mais ortodoxas da nutrição, essa dieta não tem tanto
crédito. Entre os médicos, é raro quem a defensa – afinal, não há evidências
científicas contundentes de que funcione.
A lista de mulheres famosas adeptas da dieta glúten-free é extensa. Vanessa
Giácomo declarou que tirou a proteína da alimentação para "desinchar o
corpo" antes de interpretar a personagem Aline, da novela Amor à Vida. O mesmo fez Juliana Paes para voltar à
forma depois de dar à luz o primeiro filho, assim como Luciana Gimenez, após o
parto do caçula. No exterior, Miley Cyrus e Lady Gaga atribuíram a magreza a
uma alimentação sem glúten, enquanto Gwyneth Paltrow, notória militante de um
estilo de vida saudável, lançou em 2013 um livro com receitas glúten-free.
O glúten tem algumas particularidades que o desfavorecem. Ele está presente em
diversos alimentos ricos em carboidratos e com alto índice glicêmico (que
elevam a taxa de açúcar no sangue), como pizza e biscoitos, que podem engordar
e aumentar o risco de diabetes. Essas consequências, porém, não são
desencadeadas pelo glúten em si, e sim pelo açúcar do carboidrato. Logo, não
adianta eliminar essa proteína da dieta e continuar consumindo comidas como
arroz branco e batata. "Se uma pessoa está acima do peso, não é porque
está comendo glúten. E, se emagrece com a dieta sem glúten, não é pela ausência
dele, mas pela redução do consumo de carboidrato", diz Vera Lúcia
Sdepanian, chefe da disciplina de gastroenterologia pediátrica da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp).
O
glúten, é verdade, pode ser prejudicial ao organismo – mas, comprovadamente,
apenas entre aqueles que sofrem de doença celíaca, que
afeta uma em cada 200 pessoas no mundo, segundo a Organização Mundial de
Gastroenterologia, caso da atriz Ísis Valverde. Quando um celíaco consome
glúten, seu sistema imunológico reconhece a proteína como um inimigo e reage
contra ela. Esse ataque atinge o intestino delgado e prejudica a absorção de
nutrientes.
Há, ainda, pessoas que não sofrem de doença celíaca, mas que têm
intolerância ao glúten. Elas passam mal quando consomem a proteína (diarreia e
gases são sintomas comuns), mas não têm o intestino danificado e não sofrem de
uma doença crônica. Esse quadro pode aparecer em qualquer um e em qualquer fase
da vida, mas ainda não está claro o motivo pelo qual isso acontece.
Para o restante da humanidade, ainda não se provou que comer um
prato de macarrão prejudique a saúde. "O glúten é uma proteína complexa,
mas o tubo digestivo de pessoas livres de doença celíaca está totalmente
preparado para digeri-lo sem qualquer problema", diz Flávio Steinwurz,
gastroenterologista do Hospital Albert Einstein e do Colégio Americano de
Gastroenterologia. "Se o glúten prejudicasse a absorção de nutrientes no
intestino de todas as pessoas, estaríamos todos desnutridos."
Do ponto de vista nutricional, não há problema em retirar o
glúten da dieta. É possível, até, que esse hábito melhore a qualidade da
alimentação, uma vez que o indivíduo pode substituí-lo por opções saudáveis
como frutas e legumes. "Se uma pessoa consome muitos alimentos com glúten,
talvez deixe de comer outros com melhor oferta de nutrientes. Mas se variar a
dieta, mesmo consumindo glúten, todas as necessidades do organismo serão
cobertas", afirma Steinwurz.
Antes
de retirar alimentos com glúten da dieta, é importante ter um diagnóstico
médico sobre a presença ou não de doença celíaca. Um estudo da Clínica Mayo, nos
Estados Unidos, publicado em 2012, estimou que 75% dos celíacos não sabem que
têm a doença – e que a maioria das pessoas que resolvem seguir uma dieta sem
glúten não recebeu o diagnóstico da condição.
Segundo Vera Lúcia, deixar de ingerir glúten pode dificultar a
detecção da doença, já que o exame de sangue não vai conseguir identificar a
presença de anticorpos que só aparecem quando há contato com a proteína. A
importância do diagnóstico está no tratamento: celíacos não podem consumir
alimentos com glúten ou que tiveram algum contato com a proteína. As complicações
da doença incluem osteoporose, problemas de tireoide e até alguns tipos de
câncer.
Vida
sem grãos — Um
livro publicado em setembro de 2013 nos Estados Unidos é um dos que
responsabilizam o glúten por uma série de problemas de saúde. Grain Brain: The Surprising
Truth About Wheat, Carbs, and Sugar – Your Brain’s Silent Killers (Cérebro
de Grão: A Surpreendente Verdade Sobre o Trigo, Carboidrato e Açúcar - Os
Assassinos Silenciosos do seu Cérebro, em tradução livre), do
médico David Perlmutter, está há quinze semanas na lista dos mais vendidos do
jornal The
New York Times.
Perlmutter
defende que todas as pessoas deveriam deixar de comer grãos, que ele
associa a alimentos ricos em carboidratos e com alto índice glicêmico. "Os
carboidratos estão no pilar das principais doenças degenerativas, como
Alzheimer, doenças cardíacas e até câncer. Sabemos que mesmo pequenas elevações
na taxa de açúcar no sangue estão fortemente associadas a essas condições.
Então, se devemos controlar essa taxa por meio da alimentação, precisamos comer
menos carboidratos. É o que a nossa ciência mais respeitada está dizendo”,
disse o médico em entrevista à revista The
Atlantic, em dezembro de 2013.
De
fato, sobram pesquisas que associam uma dieta rica em carboidratos e altos
índices de açúcar no sangue a diferentes doenças. Para citar dois exemplos: um estudo publicado na revista Neurology em outubro do ano passado concluiu que
muito açúcar no sangue pode causar problemas de memória. Outra pesquisa, feita
pela Universidade Yeshiva, nos Estados Unidos, indicou que índices elevados de
açúcar no sangue estão associados ao aumento nos riscos de câncer colorretal em
mulheres.
A relação estabelecida por Perlmutter, no entanto, ainda
prescinde de informação científica concludente a corroborá-la. Não há estudos
que comprovem que o glúten seja o responsável pelas doenças cujo número de
diagnósticos mais cresce da atualidade. É preciso ter cautela ao culpar apenas
uma proteína por uma série de problemas que têm estrita relação com fatores
como sedentarismo, obesidade, stress e tabagismo – esses, sim, comprovadamente
vilões.
Reportagem de Vivian
Carrer Elias
foto:http://www.biossaude.com.br/a-polemica-dieta-sem-gluten/
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