Além de visar a substituição dos sucateados jatos Mirage e incrementar os mecanismos de defesa do território nacional, a compra de 36 caças anunciada pelo governo - após mais de uma década de consultas e negociações - teve, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, o objetivo, mais ambicioso, de desenvolver a indústria nacional de defesa e dar um impulso à cooperação militar sul-americana.
O governo decidiu pela opção preferida dos militares, os caças Gripen, da fabricante sueca Saab, por US$ 4,5 bilhões. Foram preteridas duas gigantes do setor, a americana Boeing, que tem os aviões considerados os mais modernos, e a francesa Dassault, a mais cara.
A longa negociação e os custos em jogo, entretanto, levaram muitos brasileiros a questionar a necessidade da aquisição. Por que o Brasil, que é um país pacífico e há mais de um século não vê conflito em suas fronteiras, precisa gastar tanto em aparato militar?
"Para continuar a ser um país pacífico, o Brasil precisa respeitar e ser respeitado", explicou à BBC Brasil o especialista em relações internacionais da Universidade Federal do ABC Giorgio Romano. "E é por isso que o Brasil precisa ter aparato de defesa".
Com uma fronteira de mais de 8 mil quilômetros, a maior floresta equatorial do mundo e agora uma das maiores reservas de petróleo, o país precisa, segundo especialistas, mostrar que tem o que chamaram de "poder de dissuasão".
Indústria
Mas os interesses econômicos estratégicos por trás das compras não são menos importantes.
Após o anúncio surpresa da presidente Dilma Rousseff, o ministro da Defesa, Celso Amorim, e o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, ressaltaram que uma das razões cruciais pela escolha foi a disposição dos suecos em transferir tecnologia. Essa transferência daria impulso à indústria de defesa nacional.
Segundo Saito, o conhecimento sobre a fabricação desses aviões será passado à Embraer, que vai tomar parte na montagem das aeronaves no Brasil.
"Quando terminar o desenvolvimento, nós teremos propriedade intelectual desse avião, isto é, acesso a tudo", disse Saito.
Com isso, o Brasil almeja impulsionar a sua hoje modesta indústria de Defesa, que chegou a ocupar lugar de destaque no começo dos anos 1980, no fim do regime militar, perdendo força na primeira década da redemocratização.
Na ocasião, o Brasil foi um grande produtor e exportador de aparato militar. Um dos sucessos de venda foi o tanque Urutu. Ele foi usado, por exemplo, na invasão do Kuwait pelo Iraque nos anos 1990 e durante a Guerra do Golfo.
"Aí veio a crise do petróleo, outros fatores. Acabou tudo. Agora o Brasil tem uma política para retomar essa indústria. E uma série de infraestrutura vai nascer com os caças", segundo o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos Rubens Barbosa.
Para o diplomata, os caças suecos "cabem nas nossas necessidades, de um país sem conflito", e a opção fazia sentido mediante a resistência de americanos e franceses em transferir tecnologia.
"O fato de ser com a Suécia também é positivo. Se fosse fechado um acordo com os Estados Unidos, haveria contestação. Se fosse com a França, também haveria contestação. Com a Suécia, só vão falar que é inferior", diz, lembrando que não se trata de uma simples compra, mas de uma decisão que pode causar movimentações nos bastidores da diplomacia internacional.
Reflexo geopolítico
"A transferência de tecnologia tem um reflexo geopolítico importante", diz Romano, da Universidade Federal do ABC. "O Brasil já não é só um país que compra (aparato militar). O Brasil já desenvolve o submarino nuclear. Agora poderá produzir caças aqui. Já não é mais um país pão e água".
Romano diz que "poucos países tem poder de compra desse tamanho" e esse fator, por si, será observado por outros países, embora não necessariamente aumente o status do Brasil no sistema internacional de segurança.
Mas para o diretor do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional da Unesp (Univesidade Estadual Paulista), Samuel Soares, um dos principais reflexos pode se dar na vizinhança sul-americana. E não se trata nesse caso de impor respeito, mas de conquistar um mercado para os futuros caças produzidos no Brasil.
"Quem sabe esse não seja o pilar de uma indústria de defesa subregional sul-americana, que pode reforçar a Unasul (União das Nações Sul-Americanas), que prevê isso", diz Soares.
"Além disso, com quem se coopera não se faz dissuasão", diz Soares, salientando que caso esse mercado regional se estabeleça, a tendência é um ambiente ainda mais pacífico no cenário regional sul-americano, que seria outro objetivo da política externa brasileira.
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