A recuperação judicial tem sido cada vez mais utilizada por empresas brasileiras para invocar a intervenção jurisdicional como ferramenta de auxílio para companhias em dificuldades financeiras. Somente em 2012, mais de 800 empresas pediram recuperação judicial e pouco mais de 640 tiveram seus pedidos deferidos.
Para que o maior número possível de empresas possam se recuperar e voltar às atividades normais e com saúde financeira, a figura do administrador judicial tornou-se fundamental e deve garantir que haja "distribuição justa e proporcional" entre recuperanda e credores acerca dos prejuízos e "haircuts" para sua recuperação.
Apesar de possuir um papel fundamental, a legislação não cobra uma formação específica para este profissional que por diversas vezes tem sua atuação contestada. No caso do Banco Santos, por exemplo, são constantes as ações judiciais envolvendo Vânio Aguiar, administrador judicial da massa falida. Tanto o ex-dono da instituição Edemar Cid Ferreira quanto os credores da massa falida já moveram ações contra o administrador.
Pensando na atuação destes profissionais, o Instituto Brasileiro de Administração Judicial (Ibajud) criou o primeiro curso de formação e reciclagem de administradores judiciais do Brasil. O curso é promovido em parceria com a Academia Brasileira de Direito e tem apoio da Escola Paulista de Magistratura.
De acordo com o juiz Daniel Carnio Costa, coordenador-acadêmico do curso, e com Carla Smith Crippa, presidente do Ibajud, trata-se de uma quebra de paradigma no setor de falências, pois tem o objetivo de formar o administrador judicial moderno, que deve contar com mais proatividade para mediar os casos. Para tanto, se faz necessário que esse profissional pondere o processo como um todo e tenha sensibilidade social para avaliar as consequências das decisões proferidas no processo.
Além disso, o Ibajud pretende ainda fazer uma jurimetria inédita de dados técnicos que possam auxiliar na condução de novos processos — avaliar o que deu certo e o que não deu — para análise estatística e estabelecimento de parâmetros de boas práticas direcionado para administração de empresas. A instituição foi fundada por Rosely Cruz e Natasha Pryngler, do escritório Neolaw. Este primeiro curso começou no último dia 2 de outubro e tem duração prevista de oito semanas, com aulas semanais toda quarta-feira. O curso está sendo ministrado em São Paulo.
Leia abaixo a entrevista concedida por Daniel Carnio Costa e Carla Smith Crippa:
ConJur — De onde surgiu a ideia do curso?
A ideia surgiu da percepção de que, a despeito da importância e complexidade da atuação dos administradores judiciais, não existia no Brasil qualquer curso de conteúdo técnico para a sua formação, especialização e reciclagem. Nesse contexto, o próprio Ibajud surgiu de forma vinculada ao curso de formação e reciclagem de administradores judiciais, com o objetivo de proporcionar o desenvolvimento contínuo da área de administração judicial e contribuir para que as finalidades da Lei de Recuperação de Empresas e Falências sejam atingidas.
ConJur — O mercado demonstrou interesse nesse tipo de reciclagem? Há demanda?
O interesse do mercado foi enorme. As 45 vagas do curso foram preenchidas e já há uma lista de espera para o próximo curso.
ConJur — O mercado se concentra mais em São Paulo e no Rio de Janeiro? Onde mais há demanda por administradores?
A demanda existe no Brasil todo. O processo de falência e de recuperação judicial deve ser ajuizado perante o juízo do local do principal estabelecimento do devedor. Assim, o processo será ajuizado no local de tal estabelecimento. É de se esperar que exista maior demanda por administradores judiciais nas cidades que tenham maior desenvolvimento econômico.
ConJur — O certificado pode ajudar o administrador a encontrar trabalho?
Entendemos que sim. O curso demonstrará que o profissional possui formação e está atualizado em relação aos diferentes temas pertinentes à falência e recuperação judicial.
ConJur — Que casos concretos inspiram preocupação com a reciclagem dos administradores judiciais?
Recentemente, a mídia nacional informou que “a Polícia Federal investiga o envolvimento de desembargadores do Tribunal de Justiça do Paraná, juízes de primeira instância e servidores do Judiciário com uma máfia que manipula a administração de processos de falências em todo o Estado”. Ainda segundo a reportagem, “escutas telefônicas feitas com autorização judicial indicariam, conforme os investigadores, uma ‘relação incestuosa’ entre magistrados do estado e advogados que buscam a primazia na administração de falências. Segundo a notícia, o negócio é rentável, especialmente no caso de grandes empresas em processo de falência com o patrimônio a ser negociado. O advogado recebe uma porcentagem definida pelo juiz sobre a administração dos bens e sobre as vendas do patrimônio da empresa, como imóveis e máquinas. Vale observar que a complexidade dos casos de recuperação judicial e de falência é crescente, exigindo cada dia mais preparo e conhecimento do administrador judicial a fim de que consiga obter bons resultados nesses tipos de processos. O combate à fraude e a preocupação com os resultados eficientes esperados nesses tipos de processo exigem uma atualização permanente do administrador judicial. Quanto maior o caso, maior sua complexidade e, portanto, maior a responsabilidade do administrador judicial. O juiz, nesse tipo de processo, tem de poder contar com profissionais experientes e muito bem qualificados, a fim de que possa desenvolver um bom trabalho, realizando, na prática, o direito dos milhares de credores prejudicados pela insolvência da empresa.
ConJur — A indicação do administrador é de competência exclusiva do juiz, embora ele possa aceitar sugestões dos credores. Que problemas esse modelo apresenta?
A indicação é exclusiva do juiz. De acordo com a redação atual da Lei 11.101/2005, não existe a possibilidade de sugestões dos credores.
ConJur — Há administradores indicados para tantos casos que não conseguem cuidar a contento de todos. Que risco pode haver ao patrimônio das empresas? É saudável que as recuperações/falências fiquem nas mãos de poucos administradores? Por outro lado, esses administradores são indicados, teoricamente, devido à sua competência/experiência. É conveniente que se faça um rodízio de administradores e se coloque quem não tem experiência em um caso complexo?
O administrador judicial deve ter disponibilidade para cuidar do processo de forma diligente, ágil, pró-ativa e responsável. O administrador judicial é um auxiliar do juiz, e é natural que ele nomeie um profissional de sua confiança. Ao mesmo tempo, porém, o juiz deve evitar nomear administradores judiciais que estejam sobrecarregados, sobretudo para garantir a consecução do princípio da celeridade e eficiência dos processos judiciais. O profissional interessado em atuar neste ramo deverá buscar experiência nas áreas empresarial e falimentar e, particularmente, no ramo de negócios do devedor. É de se esperar que o juiz "teste" um novo profissional em casos de menor complexidade e, se o seu desempenho for bom, passe a envolvê-lo em casos mais complexos.
ConJur — Quanto ganha, em média, um administrador judicial?
A remuneração depende de diversos fatores, incluindo a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade dos trabalhos e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes. A Lei 11.101/2005 estabelece como teto 5% do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou 5% do valor de venda dos bens na falência.
ConJur — Quem são os professores do curso?
Daniel Carnio Costa, Juiz Titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do TJ-SP; Ricardo Hasson Sayeg, advogado, administrador judicial e professor Livre-Docente da PUC-SP; Marcelo Guedes Nunes, advogado e Presidente da Associação Brasileira de Jurimetria; Luis Cláudio Montoro Mendes, administrador judicial; Jairo Saddi, advogado, professor e presidente do Conselho Deliberativo do Insper Direito; Marcelo Sacramone, juiz de Direito do TJ-SP; Valdor Faccio, administrador judicial e liquidante do Banco Central do Brasil, especialista em falência e recuperações judiciais pela FADISP; Luiz Fernando Valente de Paiva, advogado e membro do IBR; Leonardo Morato, advogado e presidente do TMA; Martin Kenney, solicitor da British Virgin Islands (BVI); Maria Cristina Zucchi, desembargadora do TJ-SP; Eronides Aparecido Rodrigues dos Santos, promotor de Justiça de Falências e Recuperações Judiciais do MP-SP ; Márcio Guimarães, FGV Direito RJ e promotor de Justiça; e Fábio Ulhoa Coelho, advogado e professor.
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