O suicídio assistido vai voltar à pauta de julgamentos da Corte
Europeia de Direitos Humanos. O tribunal anunciou ontem (8/10) que
encaminhou a discussão para a sua câmara principal, a quem caberá definir a
questão. Os juízes terão de analisar se morrer é um direito garantido aos
cidadãos, que só pode ser restringido por meio de legislação expressa. Ainda
não há data prevista para o julgamento.
A discussão se trava em torno da Suíça, um dos países europeus
mais liberais quando se trata de suicídio e eutanásia. Lá, uma idosa de 82 anos
quer morrer com a ajuda dos médicos. Ela não está doente, mas reclama que, com
o avanço da idade, as limitações físicas e a memória ruim a impedem de ter uma
vida digna. Quer acabar sua vida, mas de maneira indolor com uma injeção letal.
O suicídio assistido é proibido em praticamente todos os países
europeus. Apenas quatro — Suíça, Bélgica, Holanda e Luxemburgo — autorizam
profissionais de saúde a auxiliar uma pessoa a se matar. Mesmo nesses lugares,
o direito à assistência não é absoluta e depende de uma série de
pré-requisitos.
É na Suíça onde fica a clínica Dignitas, aonde os europeus vão
quando escolhem morrer e querem ter uma morte digna. Mas a clínica não aceita
qualquer paciente. Apenas aqueles com uma doença em estado terminal, com
sequelas graves e incuráveis ou que estão sofrendo grande dor podem se internar
lá. Só a esses é oferecido suicídio assistido.
As exigências feitas pela clínica fazem parte do código de ética
dos médicos na Suíça, que regulamenta a lei nacional que descriminaliza o
suicídio assistido. Por esse código de ética, os profissionais da saúde só
podem colaborar com um suicida em um dos três casos citados.
A idosa que recorreu à Corte Europeia de Direitos Humanos não se
enquadra em nenhum desses. Por isso, todos os seus pedidos aos hospitais para
receber medicação letal foram rejeitados. Ela chegou a ir aos tribunais, mas
também fracassou.
Em maio deste ano, uma das câmaras de julgamento da corte
analisou a reclamação da idosa (cliqueaqui para ler a decisão em
inglês). Na ocasião, os juízes reconheceram que o direito de um
indivíduo decidir quando e como quer morrer, desde que ele esteja consciente e
capaz, faz parte da sua esfera privada de cada um e, teoricamente, o Estado não
pode interferir.
Na ocasião, a câmara avaliou que o suicídio assistido não é um
direito absoluto. Ele pode ser limitado pelo governo, mas esses limites devem
ser impostos por uma lei clara e objetiva, o que não existe na Suíça. Os juízes
observaram que o país deixou que o conselho de médicos regulamentasse a
questão, e não o Parlamento. É essa discussão que vai ser retomada pela câmara
principal da corte.
Fim da vida
A eutanásia e o suicídio assistido têm ocupado as sessões de julgamento dos
tribunais do Reino Unido. O caso ganhou repercussão nos últimos anos com a
batalha do engenheiro Tony Nicklinson para morrer. Ele sofreu um derrame em
2005 e ficou com sequelas graves. Perdeu a fala e todos os movimentos do corpo.
Em agosto do ano passado, a Corte Superior da Inglaterra negou o pedido do
engenheiro (clique aqui para ler mais).
Poucos dias depois, ele contraiu uma infecção e morreu. Sua mulher, então,
assumiu a briga. Outros dois tetraplégicos entraram junto na defesa do direito.
Em agosto, a
Corte de Apelação da Inglaterra decidiu que a eutanásia é proibida no país e só
o Parlamento pode mudar isso. A prática teria de ser
expressamente autorizada por uma lei para deixar de ser crime. Atualmente, a
lei que trata do assunto é o chamado Suicide
Act 1961, que
descriminalizou a tentativa e o suicídio consumado, mas reforçou que aquele que
aconselha ou colabora para que outra pessoa se mate tem de ser punido.
Em fevereiro de 2010, o Ministério Público inglês publicou um
guia com orientações sobre quando uma pessoa que ajudou outra a se matar deve
ser processada. De acordo com o guia, tem grandes chances de ficar livre de
qualquer processo quem ajuda outro a se matar por misericórdia e quando a
pessoa já tomou conscientemente a decisão de se suicidar, só não consegue
colocar em prática sozinha.
O assunto também foi discutido no começo do ano na Irlanda, um
dos países mais conservadores do continente europeu. Uma professora com
esclerose múltipla pediu que a Justiça reconhecesse a inconstitucionalidade da
lei nacional que criminaliza o suicídio assistido. Seus
argumentos foram descartados pela Corte Superior da Irlanda,
que justificou que a criminalização do suicídio assistido é uma forma de
proteger abusos como, por exemplo, que um deficiente ou um idoso impulsivamente
peçam ajuda para se matar só por temerem virar um fardo para a família.
Reportagem de Aline Pinheiro
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