14/10/2013

57 pessoas desaparecem por dia em São Paulo

Entre os principais motivos para os altos índices de sumiço estão violência doméstica, abuso de álcool e drogas, além de doenças degenerativas.


O jovem Amadeo Cesar Augusto Soares de Araújo, de 27 anos, figurou por quatro anos entre as 57 pessoas que desaparecem por dia na Grande São Paulo. Deficiente mental, o filho da empregada doméstica Maria Zélia Soares, de 49 anos, saiu de casa em uma tarde, como estava habituado, para ir até uma doceria na vizinhança com a mãe e a irmã, em Diadema, no ABC paulista. Não voltou mais. A família havia se mudado há três meses. Foram três anos de procura até que um ex-funcionário do hospital psiquiátrico Vera Cruz, em Sorocaba (SP), o reconheceu em um retrato falado exibido em reportagem na televisão. Araújo vagou três meses e andou mais de cem quilômetros a esmo. Um fator foi determinante para ele ser encontrado: seu rosto foi retratado em diferentes versões. “Pensei que ele poderia estar internado em uma instituição médica, portanto, o desenhei com os cabelos e barba raspados”, conta Sidney Barbosa, técnico forense especialista em computação gráfica da 4ª Delegacia de Pessoas Desaparecidas do DHPP.
O desfecho feliz do sumiço de Araújo, entretanto, não é regra. De acordo com o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), em média, 57 pessoas desaparecem por dia no estado de São Paulo. Cerca de 80% voltam para casa por iniciativa própria, mas há uma parcela cujo paradeiro se torna um mistério para amigos e familiares por anos a fio. Em 2012, por exemplo, o déficit entre o número de pessoas desaparecidas e encontradas no estado foi de 2.600 casos. “A maioria é adolescentes rebeldes que fogem de casa, mulheres que sofrem violência doméstica, além de endividados e homens que não querem assumir paternidade. Nessas situações, que chamamos de desaparecimento voluntário, o índice de retorno ao lar é grande”, diz a delegada titular da 4ª Delegacia do DHPP, Maria Helena do Nascimento.
Embora relativamente menor, a quantidade de casos sem solução tem poucos recursos para serem solucionados. O indício mais emblemático disso é a enorme discrepância entre o número de boletins de ocorrência registrados pela polícia e as estatísticas fornecidas pelo Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos e pelo Cadastro de Desaparecidos Adultos, mantidos, respectivamente, pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e pelo Ministério da Justiça.
No primeiro cadastro, por exemplo, constam nove crianças e adolescentes declaradas desaparecidas desde o começo deste ano no estado de São Paulo. Só no mês de setembro, o DHPP registrou 882 sumiços de menores de idade; entre janeiro e julho deste ano desapareceram 11.474 pessoas no estado.
Tráfico de pessoas - Para a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), relatora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico Nacional e Internacional de Pessoas do Senado, encerrada em dezembro, a falta de controle sobre as pessoas desaparecidas no país é um dos principais entraves ao combate ao tráfico de pessoas no Brasil. “Há uma subnotificação do número de vítimas desse crime no país e a falta de investigação sobre desaparecidos contribui muito para isso”, diz.
De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, a adesão ao cadastro é voluntária, ou seja, não reflete oficialmente o total de crianças e adolescentes desaparecidos no país. Procurado, o Ministério da Justiça afirmou que o Cadastro de Desaparecidos Adultos está sendo refeito e a atualização tecnológica deverá ser concluída até o próximo mês.
Os órgãos federais não dispõem de dados que confirmem a relação entre casos de desaparecimentos sem solução ao de vítimas de aliciadores para o tráfico de pessoas e órgãos, adoção ilegal e trabalho escravo. Porém, essa ligação é inegável. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, o perfil da maioria de crianças e adolescentes desaparecidos é o mesmo das que são exploradas sexualmente: entre 12 e 17 anos de ambos os sexos. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 80% das 2,5 milhões de pessoas vítimas de tráfico humano no mundo foram cooptadas para fins de exploração sexual.  
“Nenhuma mãe vai à delegacia dizer que o filho foi traficado, mas sim porque o filho desapareceu”, diz Sandra Moreno, que há quatro anos se dedica a encontrar a filha Ana Paula Moreno, desaparecida aos 23 anos em Carapicuíba, na Grande São Paulo, após sair de casa para trabalhar.
Sandra é uma das principais vozes a favor de mudanças na legislação para garantir apoio aos familiares de desaparecidos. Ela busca assinaturas para aprovar o Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Pessoa Desaparecida no Brasil no Congresso Nacional. Por volta de 9.500 pessoas aderiram ao abaixo-assinado virtual iniciado em outubro do ano passado. Para poder ser apresentado, o projeto deve reunir 1,5 milhão de assinaturas ou 1% do eleitorado nacional em pelo menos cinco estados, conforme prevê a Constituição.
Sandra conta que os principais avanços na investigação sobre o paradeiro de sua filha foram feitos por ela mesma. “Eu contratei um hacker para rastrear o celular dela nos meses que precederam o desaparecimento e consegui o extrato de seu cartão de transporte público para descobrir seu itinerário”, diz a mãe. Sem sucesso, Sandra agora se dedica a ajudar outras famílias de desaparecidos e lutar para a criação de um cadastro nacional atualizado e confiável. “Não há limites para a força de uma mãe em busca de seu filho.”
A história de Sandra é uma das muitas que estimularam a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Desaparecimento de Pessoas na Assembleia Legislativa de São Paulo no mês passado. A intenção do relator da CPI, o deputado estadual Hamilton Pereira (PT), é reunir no relatório final dados que comprovem a necessidade de criação delegacias especializadas para investigar desaparecimento de pessoas.
O próprio governo federal reconhece a importância de manter dados sobre desaparecidos atualizados como medida de enfrentamento ao tráfico de pessoas. Entre as metas previstas pelo II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, criado em maio de 2012 para definir políticas públicas para combater esse crime, está a criação e implementação do Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, sob responsabilidade do Ministério da Justiça.
Após um ano e quatro meses, segundo relatório de monitoramento do plano divulgado no mês passado, o cadastro ainda está pendente por carecer de “avaliação das condições tecnológicas, de informação, institucionais e financeiros (custos)”, um passo considerado preliminar para uma meta estabelecida em maio do ano passado.
Procurado, o Ministério da Justiça afirma que os prazos para a conclusão do Cadastro de Pessoas Desaparecidas estão sendo acordados junto com as secretarias de segurança dos estados. 

Tecnologia a favor dos desaparecidos

Técnicas de computação gráfica são usadas por peritos do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) para fazer retratos de progressão de idade dos desaparecidos e, assim, auxiliar nas investigações.
Para descobrir como seriam as feições atuais de uma pessoa desaparecida há anos, são analisadas a anatomia do crânio facial e a musculatura do rosto a partir de fotos fornecidas pela família. “Ao ver imagens da pessoa em diferentes idades, conseguimos determinar como ossos e músculos do rosto se comportam ao passar dos anos e fazemos uma progressão”, diz o técnico forense Sidney Barbosa que atua na 4ª Delegacia de Pessoas Desaparecidas do DHPP.
No laboratório de arte forense do DHPP, que ainda está em fase de implantação, está prevista a instalação do mesmo software usado pelo diretor James Cameron no filme Avatar para fazer a reconstituição do rosto de cadáveres. A técnica está sendo usada pelo DHPP para definir o rosto de uma menina de 7 anos encontrada morta em estágio avançado de decomposição na Zona Sul de São Paulo, há dois meses.
Desde 2004, a faculdade de medicina da Universidade de São Paulo mantém um banco de DNA em parceria com a secretaria de Segurança Pública de São Paulo. O trabalho basicamente consiste em colher amostras de material genético dos pais e irmãos em busca de desaparecidos e cruzar essas informações com pessoas encontradas. A formação de um banco nacional de DNA está entre as propostas de militantes pela causa dos desaparecidos.

Reportagem de Mariana Zylberkan

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