Diminuir o número de delitos praticados durante a saída temporária dos presos e evitar que os detentos aproveitem o benefício para fugir da prisão foram as justificativas da senadora Ana Amélia (PP-RS) ao propôr o Projeto de Lei do Senado 7/2012, que modifica a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984), criando novas restrições para que o benefício seja concedido.
A proposta estabelece a primariedade como requisito para a concessão da saída temporária, e permite o benefício apenas uma vez por ano. O texto foi aprovado nesta semana pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado em decisão terminativa e deve seguir direto para a Câmara dos Deputados.
Atualmente, a saída temporária é um direito previsto na Lei de Execução Penal, e se destina a aproximar o preso do convívio com a família. É concedido para quem está no regime semiaberto, tem bom comportamento e cumpriu 1/6 da pena, se primário, ou 1/4 da pena, se reincidente.
Objetivo da lei
Apesar de bem recebido pelos parlamentares, o projeto é criticado por advogados criminalistas. “A saída temporária é uma medida eficaz para atingir os fins da pena, como a ressocialização do preso e sua reinserção social. Isso deve acontecer paulatinamente. Não adianta abrir a porta da cadeia da noite para o dia e colocar o preso de volta na sociedade”, diz Guilherme San Juan Araújo, do San Juan Araújo Advogados.
O objetivo da execução penal está especificado no artigo 1º da Lei de Execução Penal: efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
Para Daniel Gerber, do Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados, a medida proposta de restringir as saídas temporárias apenas revela a falência do sistema prisional, que não cumpre nenhuma de suas funções. “O correto seria investir na reintegração do preso na sociedade, mas isso, infelizmente, leva tempo, e não gera votos", diz.
O benefício da saída temporária é um dos mais importantes incentivos aos detentos para que mantenham o bom comportamento, reforça Filipe Fialdini, sócio do escritório Fialdini, Guillon & Bernardes Jr Advogados. “É preciso não se esquecer que os presos vivem em condições desumanas”, complementa.
Fialdini lembra ainda que somente pode ser beneficiado pela saída temporária aquele que já possui o direito de sair para trabalhar. “Ou seja, independentemente do benefício da saída temporária, o beneficiado já possui o direito de sair todos os dias para trabalhar. Por isso, o argumento de que a saída temporária aumenta a criminalidade é também falso”, afirma.
Justificativas falsas
Mesmo sem apresentar dados, ao justificar o projeto, a senadora Ana Amélia afirma que “todos os anos observamos uma lamentável ocorrência, que é a elevação do número de delitos praticados durante o ‘saidão’ dos presos”. Além disso, diz que muitos detentos não retornam aos presídios para dar continuidade ao cumprimento de pena “e, mais dia menos dia, voltam a delinquir”.
Já o senador Pedro Taques (PDT-MT), relator do projeto na CCJ, apresentou levantamento feito pela mídia com base em dados do sistema penitenciário nacional: 2.416 presos que receberam o benefício da saída temporária no Natal e no Réveillon não voltaram aos presídios em 2013. De acordo com esses dados, alguns estados apresentaram altos índices de detentos que não retornaram para a prisão: Sergipe (21%), Maranhão (19,7%) e Goiás (12,6%). “Aquele que é reincidente já demonstrou, ao reincidir na conduta delitiva, que merece um tratamento estatal mais cuidadoso e parcimonioso”, opinou Taques em seu parecer.
Marcelo Leal, também do Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados, reforça a tese de que a justificativa do projeto é falaciosa. Ele discorda dos dados apresentados. Segundo ele, os números variam conforme cada cidade e, em média, apenas 5% não retornam à prisão ou voltam a cometer delitos nesse período. Para Marcelo Leal o problema da saída temporária está na falta de condição do Judiciário de analisar corretamente a situação de cada preso.
“O preso só recebe esse benefício após uma análise judicial. Não podemos diminuir a possibilidade de reinserção do preso por um problema de falta de condição do Judiciário de fazer a análise corretamente. A impressão que me dá é de que o legislativo e a imprensa entendem a prisão somente como um castigo para quem cometeu um delito, enquanto deveria ser para a reinserção”, diz.
Conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Pedro Paulo de Medeiros considera que, para ser justificável, o projeto mostra a eficiência das medidas propostas. “Toda medida de recrudescimento do tratamento da delinquência deve considerar sua eficiência e eficácia para o fim de diminuir a criminalidade e, igualmente, demonstrar que há proporcionalidade entre a restrição aos direitos, como o da saída temporária, e a previsão constitucional do caráter ressocializador da pena, moldura motivadora da saída temporária", afirma.
Fim do benefício
Na contramão das opiniões da advocacia, o promotor de Justiça em Minas Gerais André Luís Alves de Melo é a favor de acabar com a saída temporária, pois, segundo ele, com 35 dias por ano, elas equivalem a uma espécie de "férias prisionais". “Quem quer se ressocializar não precisa desses beneficios, pois a ressocialização é um ato de vontade do preso e não uma imposição da pena”.
O promotor já defendeu essa tese em artigo publicado na ConJur. Na ocasião, argumentou que, na lógica atual, a função do Direito Penal deixou de ser punir e passou a ser ressocializar. "Isso banaliza o Direito Penal, descaracteriza sua autoridade moral, amplia excessivamente o leque de crimes, transforma criminosos em falsas vítimas da sociedade e, paradoxalmente, aumenta o número de presos", diz no artigo.
Segundo ele, as pessoas não cometem mais crimes porque são presas, mas sim são presas porque cometem crimes mais perigosos. Logo, a reincidência é causa e não consequência, ao contrário do que sustenta a "ideologia dominante", diz.
Ele observa ainda que este é um direito que movimenta o Judiciário de forma excessiva, pois são cinco pedidos por ano e para milhares de presos. O promotor ponta ainda que este é um benefício que não existe praticamente em outros países. “Pelo menos nos apenados por crimes hediondos nem deveria ter este direito. Há casos de criminosos habituais e perigosos com este direito”, conclui.
Reportagem de Tadeu Rover
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